A verdade histórica é que pressiona o STF, por Gustavo Conde

A verdade histórica é que pressiona o STF

por Gustavo Conde

O santo do Lula é mesmo forte. O poder em uníssono quer massacrá-lo. Mas esse poder, desgarrado de força popular que é, comete erros estratégicos e se acua a si mesmo, num processo que poderia ser apelidado de “auto flagelação judicial”.

Vejamos. Cármen Lúcia, completamente possuída por alguma força sobrenatural, conseguiu – com sua teimosia em não votar a revisão da segunda instância – a unanimidade: hoje, os 10 ministros que lhe reverenciam a toga estão contra ela.

E o que isso tem a ver com a força do santo de Lula? É que esse comportamento teimoso de Cármen Lúcia o está favorecendo, indiretamente e pelas vias de bastidor. Aliás, a revisão da segunda instância não “favorece” Lula, bem entendido. A revisão da prisão em segunda instância é um direito posto do ordenamento jurídico. 

De maneira transversal, no entanto, Lula se fortalece. Porque o STF acaba se aglutinando contra a decisão arbitrária da ministra – e vai lidar com o tema como uma questão de honra, mesmo sendo uma honra conceitual e fugidia.

O isolamento de Lúcia

Lúcia irritou demais os colegas que, agora, articulam-se para “afrontá-la” em reação puramente mesquinha e interna. Ou: essa ação mesquinha poderá trazer a revisão do tema.

É por isso que eu digo que quem pressiona o STF é a verdade. Muitos acham que não, mas a ‘verdade’ é uma força muito poderosa. Ela se insinua diante da história e dos fatos.

Todas esses vazamentos impressionistas de bastidores do STF vão assanhando a ‘verdade’, que, como força discursiva que é, acaba por preponderar em alguns momentos cirúrgicos do árduo caminho ao desenlace jurídico.

A ‘verdade’ é uma projeção imaginária, mas que exerce profunda mobilização psíquica e institucional. Por isso, a frase épica de Pilatos ao se deparar diante de Cristo: “afinal, o que é a verdade?”.

Lúcia e ministros têm o graal da jurisdição nas mãos, mas esse graal está transbordando de sangue, um sangue coletivo somado ao sangue de Lula. Eles se intimidam com esse sangue, porque, afinal de contas, são apenas ministros investidos do poder efêmero de decisão, poder este que, por sua vez, já derramou muito sangue, inclusive o sangue de Marielle.

O fator Sepúlveda

No ínterim deste imbróglio jurídico libidinal, outra figura consagra essa fortaleza santificada de Lula: Sepúlveda Pertence. Este senhor domina como ninguém as artimanhas retóricas e o silêncios cirúrgicos que compõem a dinâmica daquela malta que conduz o supremo.

Ministros têm seus traços psicológicos, mas a estrutura do STF é uma, bem específica. Mal sabem tais ministros sobre as forças que os regem e, por isso, sentem-se pressionados. Quem os pressiona, no entanto, nada mais é do que a própria lógica interna deste tribunal que lhes dá guarida.

Pertence sabe disso. Antes,  o casal Zanin desempenhava o melhor direito do mundo, baseado em exame profundo dos autos, teorias interpretadas com qualidade técnica e ética e confiança plena na letra da lei. Eles acreditavam, com razão, no corpo jurídico institucional.

Mas, uma defesa técnica e brilhante não estava sendo suficiente para um processo viciado e repleto de pressões de todas as ordens. Pertence mudou esse jogo, só pelo fato de estar ali presente.

Ministros daquele tribunal sabem o que Pertence sabe. E por isso, começaram a hesitar diante do massacre proporcionado com requintes de insensatez aplicada a um ex-presidente da república que lidera o processo eleitoral. O esfíncter deles, por assim dizer – metafórico, é claro -, começou a arder.

O eterno jogo pesado da política brasileira

Não peço ‘otimismo’. Acho essa palavra uma golpista. Mas peço conexão com a realidade e com o histórico de ocorrências empíricas, qual seja: os agentes do tecido social do poder, nem mesmo os mais sádicos e oportunistas, são imunes ao equívoco e à vacilação. Eles erram e acertam como todos nós.

Lula chegou até aqui. Há um esgotamento compreensível da narrativa. Ninguém aguenta mais. Querem logo o desfecho. O problema, parceiro, é que o desfecho não existe. Preso, solto, candidato ou não, a história e o sentido de Lula continuam. Não há como interrompê-los. É isso que Sergio Moro e Cia não entenderam.

Muitas pessoas se auto flagelam com ideia de ver Lula preso nos próximos dias. Há muita energia acumulada e tensionada no ar. Claro que ficamos apreensivos, somos, afinal, humanos. Mas a luta política nesse nível épico – e golpista – do Brasil inclui esse pacote degradante, sempre incluiu.

A sinuca de bico da história

Eu venho falando há algum tempo: Lula aplicou uma sinuca de bico nos seus perseguidores, uma sinuca que nem é só mérito dele: é uma sinuca conjuntural. Pensemos: se Lula estivesse amargando rejeição popular, talvez nem se quisesse mais sua prisão.

Mas Lula bomba na preferência do eleitor. Esse é um de seus crimes: ele fica mais forte à medida em que o atacam e perseguem. 

O pulo do gato desta situação esdrúxula é que a retirada de Lula da cena política via prisão é furiosamente fadada ao fracasso. A imprensa brasileira agoniza em falta de credibilidade. Lula preso arrastaria todo um processo de indignação que levaria a reboque imprensa, TV Globo e partidos políticos.

Creiam: Lula é um elemento de equilíbrio na cena política há 40 anos. Sua subtração pura e simples joga todo o sistema no caos.

Isso posto, teremos ainda as viúvas do ódio residual. O que irão fazer os retroalimentadores de ódio diante de uma cena política social sem Lula? Vão canalizar esse ódio para algum outro lugar. E calculem a força dessa energia acumulada – em muitos, há décadas.

E por isso que nem Lula nem este missivista teme a prisão. A prisão de Lula é perigosa para todo o país. É essa potencialidade que pressiona e assusta ministros do STF. É essa potencialidade que atende pelo nome de ‘verdade’ que, por sua vez, empurra nossos agentes a se contorcerem para não serem completamente consumidos pela história. É dessa potencialidade e de outras singularidades de bastidor que Pertence assombra um tribunal com sua mera presença.

O jogo não está terminado. Mais uma vez, repito: ele sequer começou.

 

Redação

5 Comentários

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  1. É evidente que os fatos não

    É evidente que os fatos não estão seguros nas mãos do poder. Mas o importante é que aqui o poder, pela sua própria natureza, não pode nunca produzir um substituto para a sólida estabilidade da realidade factual que, por ser passado, cresceu até uma dimensão fora do nosso alcance. Os fatos afirmam-se a si próprios pela sua obstinação e a sua fragilidade está estranhamente combinada com uma grande resistência à distorção – essa mesma irreversibilidade que é o cunho de toda a ação humana. Na sua obstinação, os fatos são superiores ao poder; são menos passageiros que as formações do poder, que surgem quando os homens se reúnem com um objetivo, mas desaparecem quando esse objetivo é alcançado ou fracassa. Esse carácter transitório faz do poder um instrumento altamente incerto para levar a bom termo uma permanência seja ela qual for e, por consequência, não apenas a verdade e os fatos não estão em segurança entre as suas mãos, mas também a não verdade e os não fatos. A atitude política em relação aos fatos deve, com efeito, seguir o caminho muito estreito que existe entre o perigo de tomá-los como resultado de qualquer desenvolvimento necessário que os homens não podem impedir, e sobre o qual não podem, pois ter qualquer influência, e o perigo de negá-los, ou tentar eliminar do mundo manipulando-os.

    Em conclusão, regresso às questões que suscitei no início destas reflexões. A verdade, ainda que sem poder e sempre derrotada quando choca de frente com os poderes existentes quaisquer que eles sejam, possui uma força própria: sejam quais forem as combinações dos que estão no poder, são incapazes de descobrir ou inventar um substituto viável. A persuasão e a violência podem destruir a verdade, mas não podem substituí-la. Isto vale para a verdade racional e religiosa, tanto como, de um modo mais evidente, para a verdade de fato

    Contudo, aquilo que pretendia mostrar aqui é que toda essa esfera, apesar da sua grandeza, é limitada – que não envolve a totalidade da existência do homem e do mundo. É limitada por coisas que os homens não podem mudar à vontade. E é apenas respeitando os seus próprios limites que esse domínio, em que somos livres de agir e de transformar, pode permanecer intacto, conservar sua integridade e manter suas promessas. Conceptualmente, podemos chamar verdade àquilo que não podemos mudar; metaforicamente, ela é o solo sobre o qual nos mantemos e o céu que se estende por cima de nós.

    Trechos de Verdade e Política de Hanna Arendt

  2. Zanin demonstrou a inocência do Lula perante o povo

    Mas, uma defesa técnica e brilhante não estava sendo suficiente para um processo viciado e repleto de pressões de todas as ordens. Pertence mudou esse jogo, só pelo fato de estar ali presente.

    Pertence pode estar presente, mas que fique calado. O homem treme no microfone e não passa para o ouvinte a necessária clareza dos argumentos, como o Zanin o faz. A ação do Pertence ilustra que estamos aceitando o caminho viciado que tem seguido o processo, onde ninguém entende nada e apenas palavras tentam se contrapor a outras palavras. O caminho do Zanin obriga ao judiciário a ser claro e explícito em relação ao crime e à culpa e, melhor ainda, contando com a compreensão popular. Lula ganhou a inocencia perante o povo graças ao Zanin. 

  3. “Vejamos. Cármen Lúcia,

    “Vejamos. Cármen Lúcia, completamente possuída por alguma força sobrenatural”

    Seria esta “força sobrenatural” uma chantagem da globo?

    Rabo preso não falta para a mortícia.

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