A judicialização nas obras brasileiras

Do Estadão

Brigas judiciais atrasam obras de norte a sul do País

RENÉE PEREIRA – O Estado de S.Paulo

Da conturbada Altamira, no Pará, passando pela pequena Piancó, no sertão da Paraíba, até a florida Joinville, em Santa Catarina, são mais de 5 mil quilômetros de distância. Cada uma está localizada numa região do País. Tem características físicas, culturais e econômicas distintas. Nos últimos tempos, porém, conviveram com um mesmo dilema: a dificuldade para conseguir tirar um investimento do papel.

Os problemas variam de impactos em aldeias indígenas, mudança no visual da região, espécies em extinção até pegadas de dinossauros. Independentemente da queixa, tudo vira briga judicial ou embargo nos órgãos ambientais – fato que explica, em parte, por que os investimentos não decolam no País. “É o chamado custo Brasil. Quanto maior o risco de judicialização, mais o investidor se afasta”, avalia a economista Elena Landau.

As ações judiciais, embora reflitam o direito da democracia, podem atrasar e encarecer uma obra essencial para a população. A Hidrelétrica de Belo Monte, na região de Altamira, é um ícone de como pode ser árdua a missão de levantar um empreendimento no País. Depois de 35 anos de muitas idas e vindas, a terceira maior usina do mundo foi autorizada. Começou a ser erguida em junho de 2011 e já passou por quatro paradas, que somam 35 dias.

A última delas foi decorrente de uma ação judicial, que deixou 14 mil trabalhadores (diretos e indiretos) parados. A liminar foi cassada cinco dias depois. Mas a usina, de R$ 26 bilhões, não está imune a novas decisões. Outros 14 processos em andamento na Justiça podem parar a hidrelétrica (11.233 MW) a qualquer momento. Além do licenciamento ambiental, as ações questionam convênios feitos pelo grupo Eletrobrás e a postura do servidor do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) que aceitou o estudo de impacto ambiental.

A Hidrelétrica de Teles Pires, entre Mato Grosso e Pará, que já foi paralisada por decisão judicial, segue o mesmo caminho: tem 12 ações em andamento na Justiça contra as obras. “O Judiciário, às vezes, confunde o princípio da precaução com paralisação. Em qualquer questionamento para tudo”, diz o advogado Floriano de Azevedo Marques Neto, do escritório Manesco, Ramirez, Perez, Azevedo Marques.

Para ele, o resultado pode ser a inviabilidade do investimento, o atraso e o aumento do custo do projeto. Os empreendedores, normalmente, embutem nos preços das obras todos esses riscos. “Mas, às vezes, a realidade extrapola as provisões feitas”, completa o advogado Fernando Marcondes, da L.O. Batista. Por esse motivo, muitos investidores não aceitam entrar num negócio com taxa baixa de retorno.

No último pacote de concessão, lançado no mês passado, o governo calculou uma taxa de cerca de 6% como adequada para os projetos de rodovias e ferrovias, uma vez que a Selic (taxa básica de juros) está no menor nível da história – 7,5% ao ano. Mas os riscos de uma obra de infraestrutura vão muito além dos juros. No meio do caminho, podem surgir espécies raras, como a rã de 2 centímetros que parou o Arco Rodoviário do Rio de Janeiro, ou pegadas de dinossauros.

Foi o que ocorreu com a pavimentação e construção das BRs 426 e 434, no sertão da Paraíba, incluídas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Em julho, o Ministério Público Federal conseguiu suspender as obras para proteger sítios arqueológicos existentes. Segundo a ação judicial, foram destruídos “2,5 quilômetros de rochas riquíssimas em materiais paleontológicos, algumas com registros de pegadas de dinossauros”.

O procurador da República Bruno Barros de Assunção afirma que o MPF não é contra a obra, mas argumenta que precisa ser feita de forma responsável e com acompanhamento técnico. Nesse caso, o projeto está sob responsabilidade do Departamento Nacional de Infraestrutura Rodoviária (Dnit), que ainda não conseguiu retomar as obras, consideradas de relevância social por causa das dificuldades do sertanejo para se locomover até grandes centros urbanos.

A BR-426, que vai ligar as cidades de Piancó e Santana dos Garrotes, começou a ser construída no fim de 2008; a BR-434, de Uiraúna a Poço Dantas, em 2010. Embora sejam pequenas, as obras não têm horizonte para serem concluídas. “Paralisar uma obra não é como dar um “pause” num filme. Há mudanças de custos da matéria-prima e no tempo de mobilização do canteiro de obras. Na retomada, às vezes o empreendedor tem de voltar uma fase de construção”, diz Eduardo Damião Gonçalves, sócio do escritório Mattos Filho, especialista na área ambiental.

Na Hidrelétrica de Cubatão, em Joinville (SC), as obras ainda não foram iniciadas, mas os prejuízos não são menores. A usina, de 50 MW, foi concedida em 1996 e chegou a ter as licenças prévia e de instalação, cassadas em seguida. “Durante esse tempo, não houve forma para tirar o projeto do papel. A saída foi mudar o projeto”, diz José Antunes Sobrinho, vice-presidente da Engevix, sócia da usina.

Segundo ele, embora esteja numa área de mata reflorestada e não afete espécies em extinção, a usina será subterrânea para não prejudicar o visual da região, uma das críticas da ONGs contrárias a obra. Serão 8 km de túneis e 3 km² de lago. Além de um novo licenciamento, o empreendedor terá de resolver outra questão essencial para a viabilidade da obra: negociar a extensão da concessão da usina, já que se passou metade do prazo sem ter gerado um único MW.

Luis Nassif

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