A relação entre desigualdade e criminalidade

Desigualdade entre ricos e pobres é a causa maior da criminalidade

LUIS HENRIQUE AMARAL

(Jornal “Folha de São Paulo, 03/09/95)

Raciocine: um país onde cada habitante recebe em média US$ 3.000 por ano e produz riqueza econômica próxima à do Canadá, nação de Primeiro Mundo, deve ter índice de criminalidade muito menor do que um outro, miserável, que gera 65 vezes menos riqueza e tem renda por habitante abaixo de US$ 500?

A resposta é não. O Brasil, o primeiro país do exemplo acima, tem, proporcionalmente à população, 10 vezes mais homicídios por ano do que Gana, o país pobre.

A principal causa da criminalidade não está na pobreza em si, mas na disparidade entre ricos e pobres num mesmo lugar.

É isso que explica, segundo especialistas em segurança pública de vários países, porque a sociedade brasileira tem a maior média de homicídios do mundo, entre os países que não estão em guerra ou sofrendo com guerrilhas.

O Brasil detém também o título de campeão mundial da desigualdade social, conferido pelo Banco Mundial, que divulgou estudo no mês passado informando que, aqui, os 20% mais ricos concentram 32 vezes mais renda do que os 20% mais pobres.

Cresce a desigualdade e cresce a violência. Na Grande São Paulo, por exemplo, a taxa de homicídios anual por grupo de 100 mil habitantes aumentou 83% entre 1984 e os primeiros meses de 95.

O nível de desigualdade social é uma das poucas causas da criminalidade que podem ser quantificadas. Tabela feita pela Folha, com alguns países que possuem estatísticas sobre homicídios, demonstra que, quanto maior a desigualdade social, maior a violência.

Outros fatores, como racismo, alcoolismo, drogas, facilidade de comprar armas e o baixo índice de escolaridade também pesam e agravam o problema. Mas o fato é que as cidades mais violentas do planeta têm como característica comum a desigualdade acentuada entre ricos e pobres.

Pelas estatísticas, nos países onde não há grandes diferenças sociais, mesmo que sejam muito pobres, a criminalidade é baixa. O exemplo de Gana, localizado no oeste da África é eloqüente, com 2,1 casos de homicídio para cada 100 mil habitantes. No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, a média de casos de homicídios, por ano, por grupo de 100 mil habitantes, é 19,4. Este dado é de 1990. Hoje, estima-se em 21.

A constatação completa-se quando se observa países com melhor distribuição de riqueza, como a França, Inglaterra ou o Japão. Todos têm baixa criminalidade.

Paris, a capital da França, tem baixos índices de violência concentrada nos bairros de imigrantes pobres, principalmente argelinos_ e um nível de desigualdade muito inferior ao de São Paulo.

Segundo o estudo do Banco Mundial, os 20% mais ricos da França concentram 6,5 vezes mais renda do que os 20% mais pobres. Em Paris, o número de casos de homicídio por grupo de 100 mil habitantes em 93 foi 1,2.

No Rio de Janeiro, foi 56. Nos EUA, em 93, a média de homicídios foi de 8,4. No Japão, de 1,2.

Segundo o médico e pesquisador do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea, Marcos Akerman, que esteve em Acra, capital de Gana, para comparar a cidade com São Paulo, “não é a pobreza absoluta que causa a violência, mas a pobreza relativa, quando um tem mais do que o outro”.

É o caso do México, onde a crise econômica tem aumentado o fosso entre ricos e pobres, fazendo crescer a criminalidade.

A informação é do criminalista e professor de direito da Universidade Nacional do México, Rafael Ruiz Harrell.

“Nos dois últimos anos, temos tido uma crise severa. Em 94, cresceu 27% a delinqüência em relação a 93. Este ano, nos primeiros sete meses, a delinquência deve aumentar 50% em relação a 94, na Cidade do México”, diz.

Ainda segundo Harrell, o índice de homicídios na Cidade do México começou a subir em 1980.

Em 94 foram registrados 16,4 casos por grupo de 100 mil habitantes. Em 95, esta média subiu a 17,1.

Segundo ele, no México, em 1950, os 5% mais ricos ganhavam o mesmo que os 40% mais pobres. Em 1990, os 5% passaram a ganhar o mesmo que os 62% mais pobres.

Para a professora de sociologia econômica da Faculdade de Economia e Administração da USP, Ana Maria Bianchi, “quando há riqueza e opulência convivendo com a miséria, aumenta o sentimento de privação do indivíduo, levando-o à violência”.

Segundo Ana Maria, a “sociedade exige o sucesso e a ascensão de seus membros, mas não oferece oportunidades, levando as pessoas a buscarem isso de forma ilegal.”

Na mesma linha, Akerman cita um estudo feito no Rio indica que a criminalidade também aumenta por ser a “única instituição” a oferecer um projeto de ascensão social para negros e mulatos.

“Quando a pessoa se pergunta qual a melhor forma de resolver o problema da falta de mobilidade social, a única resposta que encontra é a criminalidade”, diz ele.

Para o psicólogo britânico especializado em violência, Oliver James, 41, a crescente desigualdade social e seu reflexo no relacionamento familiar são os principais fatores da criminalidade na Inglaterra. “Ela prejudica as relações familiares”, diz.

Luis Nassif

8 Comentários

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  1. Desigualdade vs Impunidade
    Não acho que pobreza e nem mesmo a desigualdade tenha uma correlação linear com a violência. Aliás, precisamos destrinchar aquilo que no todo se chama de criminalidade. Se um individuo não tem comida, nem oportunidade lícita de obte-la, é de se esperar uma tendência a rouba-la, mas daí pra matar alguém existe uma grande diferença. Um estudo da OEI sugeriu que a única variável realmente relacionada com a criminalidade é a impunidade. Vejamos, por exemplo, a Síria antes da guerra civil: ouro exposto em feiras, quase zero índice de latrocínio, assalto e furtos. Essa práticas são severamente combatidas pelo estado e a punição é até exagerada. Agora no mesmo lugar existindo um alto índice de estupro e outras violências contra mulheres, algo pelo qual ninguém é punido. A desigualdade não é causa de crimes em todos os povos, a pobreza também não, nem mesmo a ausência de sistema educacional de qualidade. A UNICA variável presente em todos os povos relacionada à criminalidade é a IMPUNIDADE, produto complexo que envolve religião, cultura, qualidade das instituições e presença do estado de direito (e mais o que você quiser!), para aquele determinado tipo de crime. Veja se no Brasil um indivíduo não pensará duas vezes antes de decidir pelo nao pagamento de pensão ao seu filho… Quanto mais a Lei funciona, quanto mais é efetiva e trazer ao indivíduo consequências pelos seus atos, menos praticado aquele ato se torna. Acho que é simples e complexo assim.

  2. Pobre e Marginal?

    Quem acha que a criminalidade não tem relação com desigualdade social, basta ir em todos os presídios brasileiros e fazer uma pesquisa simples. De onde eles vieram? Do apartemento do Leblon ou da Favela?

    É lógico que a desigualdade não é por si só, o único fator que leva até à criminalidade.  Temos a falta de estrutura familiar, falta de educação (e nesse campo quero dizer sobre educação cívica, política e etc.), Falta de perspectiva… Porém todos esses fatores são reflexos de um só: CORRUPÇÃO.

    Um país corrupto não gerencia suas finanças adequadamente
    Acaba por disparar a discrepância entre pobres e ricos
    Não oferece educação e escolarização de qualidade
    Não oferece perspectiva de vida nem melhora no quadro social.
    A criminalidade aumenta.

    Marginais não são coitadinhos, mas se pudéssemos oferecer faculdade de medicina e apartamento no Leblon pra todos no Brasil, aí sim, saberíamos quem é criminoso porque quer. Antes disso, não tem como negligenciar o fator desigualdade social. 

  3. Inclusão e Educação

    É preciso continuar investindo em programas de transferência de renda para que a camada mais pobre possa sonhar com uma vida melhor e não parta para a criminalidade. Também tem que investir em educação e preparar esses jovens para o dia de amanhã.

  4. Criminalidade e desigualdade

    Discordo totalmente quando você relaciona a criminalidade com desigualdade.

    Criminalidade está ligada à valores e justiça, Só para citar um exemplo, a Índia tem o

    segundo menos índice de criminalidade do mundo e com uma das maiores desigualdades

    sociais,

    O brasileiro não tem educação/valores, coisa que se aprende em casa e se tem os lideres

    como referencia, o que não é o caso.

    Nao vamos buscar justicativas na desigualdade. Precisamos ver as coisas como elas sao

    pars poder mudá-las.

    1. Bem, pelo que eu coletei aqui

      Bem, pelo que eu coletei aqui no Google Public Data, a India possui o coeficiente de Gini em 35,15 (muito próximo ao da frança que é de 33,55) enquanto o Brasil possuia na mesma época o Gini em 53,09. Essa impressão que a Índia é um país muito desigual se dá pela imagem muito difundida por aqui que eles possuem até hoje uma sociedade dividida em castas. As castas ainda existem no interior, mas elas determinam posições políticas e culturais na sociedade e não exatamente riqueza econômica (que é o que o gini mede). As castas estão muito mais próximas socio-econômicamente do que as classes sociais das sociedades industrais. O que faz das castas serem símbolo de desigualdade é que elas são rigidas e barram a mobilidade social. Porém existem uma tradição milenar que legitimava esse sistema e uma série de valores religiosos ligados à exatação da pobreza e isso gera até hoje um efeito negativo não apenas nas taxas de criminalidade na índia, como uma dificuldade dos valores ocidenatais e capitalistas se aprofundarem no interior do país. Outra coisa curiosa é que dos anos 90 até 2014, o índice de Gini do Brasil caiu de 60 pra aproximadamente 51, mas a criminalidade violenta passou por cíclos de crescimento explosivo. Tudo isso indica que apesar da correlação entre desigualdade violenta e desigualdade, existem outros fatores (explicitamente culturais, como o caso da India). No caso do Brasil parece tudo estar ligado à fenômenos mais complexos do que a desigualdade, como o aumento da cultura consumista nas periferias que acompanhou as políticas redistributivas de você sabe qual governo. Porém essas políticas redistributivas não acompanharam o crescimento de tais valores consumistas e por sí só eram insufiientes, já que nas esferas estaduais e municiapais, a administração pública local sucateou ao extremo a educação pública e manteve um modelo de segurança pública retrógrado e desatualizado (muito mais voltado para a simplês repressão violenta do que para a inteligência e investigação). Isso levou, junto com nossa tendência cultural ao fisiologismo e a cultura da apropriação da máquina pública para interesses mesquinhos à óbivia corrupção das forças de segurança e a impossibilidade desta de combater o crime organizado, já que tal combate exige um forte aparato investigativo – e nossas polícias cívis estão totalmente sucateadas, enquanto dão verbas pras militares, pois culturalmente o brasileiro acha que PMs subindo no morro todo dia com fuzis é sinônimo de segurança, quando na verdade, apesar de muitos policiais não imaginarem e serem realmente honestos, estão fazendo o jogo sujo de algum secretário de segurança que recebeu propina de uma facção pra limpar a área para ela. Tudo isso somado que leva ao problema do aumento da criminaldiade. Repressão extrema por parte do estado inibiria isso pelo medo em um primeiro momento, mas em um segundo momento tudo tenderia a voltar como antes, já que o fisiologismo não iria acabar e os tribunais e aparatos de repressão estatais não estariam a serviço do bem comum, mas sim de interesses escusos, que sempre vão favorecer algum grupo criminoso ou político que costumam usar a máquina pública para eliminar os adversários.
      Quer diminuir a criminalidade violenta? Trabalhe para reduzir a violência na nossa cultura e para a construção de uma sociedade de cidadãos e não de vassalos que esperam receber sempre favores de seus senhores (além de continuar reduzindo a desigualdade).+

  5. Esse pessoal repete mentiras pensando que são Goebbels. Os problemas do Brasil, a grosso modo, são:
    1º- Cultural.
    2º- Certeza da impunidade.
    Os intelectuais geniais brasileiros, apoiados pela Imprensa e demais interessados na propagação de mentiras, bradam diariamente que a criminalidade no Brasil deve-se, principalmente, à desigualdade social. Uma piada cretina, sem vergonha e mais uma grande mentira! Para desmentir essa farsa repetida mil vezes cito diversos países, mas, especialmente, a Índia: uma população quase 7 vezes maior que a nossa, desigualdade social muitíssimo maior que a brasileira, miséria para todos os lados, uma cultura milenar e índices de criminalidade dentre os menores do mundo. Que os gênios da sociologia desmintam o óbvio!

    O que falta no Brasil são livros e porretes! Principalmente estes últimos!

  6. Típica falácia de correlação e causalidade e argumento elitista.
    Ninguém comete crimes por existirem pessoas que estão em uma situação melhor (esquerda), nem porque ela possui uma perversão moral (direita).
    Dizer que a causa da criminalidade é a desigualdade é a mesma coisa que dizer que gente rica não comete crimes (e isso é elitismo puro).
    A natureza humana não se baseia em um juízo de valor arbitrário sobre inveja ou maldade. E sim que o indivíduo busca sair de seu estado de satisfação atual para um mais satisfatório utilizando os meios disponíveis.

    Assim como qualquer empreendimento, é tudo uma questão de custo e risco.
    Não estou falando apenas de impunidade, e sim das barreiras que o Estado cria para dificultar a mobilidade social. Com tanto imposto e regulação, fica difícil enriquecer de maneira licita e fácil de maneira ilícita (e aqui estou me referindo também à lobby e corrupção de grandes empresários junto com o governo).
    O Brasil é um dos países com menor liberdade econômica do mundo.

    Desigualdade não é o problema. O problema é a dificuldade em ascender social e economicamente.

  7. Muitos crimes nascem da competição desenfreada por bens materiais, cultura consumista, status social definido por riqueza, desigualdade e falta de oportunidades combinados. Um sistema que se baseia na competição e coloca o ter acima do ser sempre criara criminosos. É comprovado que em países onde há maior bem estar social, onde as pessoas podem mais facilmente satisfazerem suas necessidades sem recorrerem à violência, fecham prisões por falta de crime.

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