OPEB - Observatório da Política Externa e Inserção Internacional do Brasil
O Observatório da Política Externa e Inserção Internacional do Brasil (OPEB) foi criado no início de 2019 por um grupo de professores e alunos ligados ao curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC), com o objetivo de acompanhar e analisar de forma sistemática a nova dinâmica internacional do Brasil.
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Nas bodas de ouro, um balanço sobre os planos das relações Brasil-China, por Cruz & Santos

Ao Brasil e à China cabe o desafio de continuar com os planos bilaterais e implementá-los de forma mais efetiva, cumprindo melhor com acordado

Nas bodas de ouro, um balanço sobre os planos das relações Brasil-China

por Lívia Romano Fernandes da Cruz e Pedro Gabriel Ferreira dos Santos

O Brasil e a República Popular da China (RPC), em 2024, comemoraram 50 anos de relações diplomáticas. Ainda que elas tenham sido estabelecidas oficialmente em 15 de agosto de 1974, as relações entre os países tiveram seu início no século XIX. A primeira missão oficial do Brasil à China teve duração de um ano, entre 1879 e 1880, e teve o objetivo de reconhecer o império chinês. O resultado foi a assinatura do Tratado de Amizade, Comércio e Navegações, em 1880, e o estabelecimento, em 1893, de uma representação diplomática na China.

Enquanto na primeira metade do século XX as relações pouco se desenvolverem e, após, 1949, o Brasil e a China tenham se afastado no contexto da Guerra Fria, depois da retomada oficial das relações, em 1974, as interações políticas e econômicas se intensificaram.  Atualmente, a China é o maior parceiro comercial do Brasil e, fora os países do Mercosul, não possuímos aparato institucional bilateral tão desenvolvido quanto o que possuímos com a China por meio da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (COSBAN) com nenhum outro país do mundo.

Foi nesse âmbito, inclusive, que Brasil e China desenvolveram vários planos para as relações bilaterais desde 2010. Embora tenham sido planos que não apresentam ações muito estruturadas, explicitam, na verdade, mais intenções firmadas do que metas, em si, eles têm sido importantes para a parceria bilateral.

Histórico das relações

Olhando para o retrospecto, é notório que as relações diplomáticas caminharam por muitas vias até se consolidarem como hoje. As relações sofreram um distanciamento após a segunda guerra mundial, dentro da configuração bipolar da Guerra Fria. O governo brasileiro, sob a presidência de Eurico Gaspar Dutra (1946-1951), não reconheceu o governo da República Popular da China (RPC) formado a partir da Revolução Comunista, em 1949, em razão do vínculo da política externa brasileira aos Estados Unidos.

Posteriormente, os dois países viveram transformações. A China passou a angariar aliados do terceiro mundo e se fez ativa no ideário de coexistência pacífica durante a Conferência de Bandung, em 1955, bem como buscou avançar seu desenvolvimento simultâneo da agricultura e da indústria.  Em 1971, foi admitida como membro da ONU. Sob a liderança de Deng Xiaoping, a partir do fim da década de 1970, passou por um período de reformas econômicas e buscou modernizar-se em termos tecnológicos e industriais.

Já o Brasil seguiu o modelo de substituição de importações, que acompanhou o processo de intensa industrialização. Logo, o país enfrentaria um período de ditadura militar, que embora inicialmente tenha sido hostil a China, criou condições, a partir do “Pragmatismo Ecumênico e Responsável” do governo de Ernesto Geisel (1974-1979), para o restabelecimento das relações diplomáticas. Já durante o período democrático, os laços sino-brasileiros se estreitaram através de mecanismos e protocolos desenvolvidos mutuamente.

Em 1988, foi assinado o protocolo que criou o programa CBERS (China-Brazil Earth Resources Satellite), que trata do desenvolvimento de satélites, importante para que o Brasil entrasse em um seleto grupo de países detentores da tecnologia de geração de dados primários de sensoriamento remoto. Cinco anos após o lançamento do programa de satélites, em 1993, Brasil e China estabeleceram a Parceria Estratégica entre os dois países, marcando profundamente as relações. Esta foi a primeira parceria estratégica da RPC. As relações bilaterais viriam a ser reforçadas com a COSBAN, mecanismo fundado em 2004 que viabiliza reuniões, encontros e estruturação de planos estratégicos visando operacionalizar a parceria. Este mecanismo completou 20 anos em 2024, representando mais um ponto simbólico das relações sino-brasileiras.

As relações, hoje, são balizadas também por uma série de instrumentos diplomáticos bilaterais que sinalizam as intenções de ambas as nações. Segundo o presidente do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC),  Embaixador Luiz Augusto de Castro Neves, “é preciso utilizar precisamente o olhar de longo prazo” nas relações com o nosso principal parceiro comercial. Nesse sentido, tem havido a elaboração de planos periódicos nas relações Brasil-China. Entre os principais, destacam-se: Plano de Ação Conjunta Brasil-China 2010-2014; Plano Decenal de Cooperação Brasil-China 2012-2021; Plano Decenal de Cooperação Espacial; Plano de Ação Conjunta Brasil-China 2015-2021; Plano Estratégico 2022-2031; Plano Executivo 2022-2026. Analisaremos os Planos Decenais de 2012-2021 e de 2022-2031.

Plano Decenal de 2012-2021 e 2022-2031

O Plano Decenal de 2012-2021 destaca os seguintes tópicos: Ciência e Tecnologia; Energia, Infraestrutura e Transportes; Investimentos e Cooperação Industrial; Cooperação Econômica e Comercial; e por fim, Cooperação Cultural, Educacional e Intercâmbio entre os povos. Destacam-se, no setor econômico e comercial, os seguintes pontos:

● Duplicar os fluxos bilaterais de comércio até 2016, em base equilibrada, em comparação com os dados de 2011;

● Duplicar os fluxos bilaterais de comércio até 2021, em base equilibrada, em comparação com os dados de 2016.

A meta otimista para o futuro não foi atingida da maneira esperada ao ponto de se duplicar os fluxos bilaterais de comércio de maneira equilibrada e diversificada. De acordo com dados do MDIC, de 2011 para 2016, houve uma queda no comércio bilateral, que passou de US$ 80,3 bilhões em 2011 para US$ 61,2 bilhões em 2016, quando o comércio foi afetado pela crise econômica e política brasileira.

Contudo, houve um aumento significativo no saldo comercial em 2020, quando o comércio bilateral atingiu US$ 105,4 bilhões, o que representou um aumento de 72,22% em relação a 2016. Até 2021, os fluxos comerciais continuaram a crescer, com o total ultrapassando US$ 138,2 bilhões no ano. No entanto, o foco em commodities como soja, minério de ferro e petróleo somaram mais de 70% das exportações brasileiras para a China, o que representou a falta de cumprimento das metas em termos de diversificação do valor agregado do comércio. Ainda assim, é válido ressaltar que o fluxo comercial sino-brasileiro segue em ascensão desde 2019 e no ano de 2023, o comércio entre os dois países representou cerca de 27,50% do total das importações e exportações brasileiras em valor FOB.

O plano deu ênfase à diversificação de exportações realizadas do Brasil para a China que, ainda hoje, segue um padrão agroexportador. Ademais, o plano incluiu menções ao apoio da China em investimentos de infraestrutura. No entanto, tais ações são vistas ainda de forma incipiente em proporção a capacidade produtiva das nações. Projetos como o da construção da bi-ocenância, que ligaria a costa atlântica brasileira à costa pacífica peruana, têm sido sempre mencionados, mas sem sair do papel.

Em comparação, o Plano Decenal 2022-2031 tem orientações que se moldam não unicamente em relação ao desenvolvimento e ao estreitamento das relações, mas apresentam-se em maior consonância com metas de desenvolvimento sustentável. É sob esse pilar que se sobressaem duas alas: investimentos em infraestrutura de energia; e os investimentos na indústria de carros elétricos, com particular interesse em estruturas industriais decorrentes de antigas concessionárias. Aqui, destaca-se o interesse de gigantes chinesas como BYD na compra da planta da antiga fábrica da Ford em Camaçari, na Bahia, além do interesse na região do Grande ABC, na região metropolitana de São Paulo.

Balanço

Os planos tentam colocar algumas metas a serem angariadas durante os anos subsequentes, embora o que mais se observa são intenções mais do que metas estabelecidas. No geral, os documentos não explicitam meios concretos para se alcançarem elas e, de fato, não há nenhuma força vinculante que force a sua realização. Antes, elas passam pelo crivo prático dos interesses das relações bilaterais, nem todos institucionalizados nos documentos.

Por um lado, a flexibilidade permite que qualquer ação atingida possa ser declarada como vitória dos planos de cooperação. Por outro, questiona-se o quanto são realmente eficazes em condicionar e direcionar as relações bilaterais. Em diplomacia, contudo, planos importam. Como afirmou recentemente Celso Amorim, em uma reunião da Comissão de Relações Exteriores no Senado, estabelecer datas e muitas especificidades para a conclusão de planos pode não trazer bons resultados, uma vez que cria posições enrijecidas. Ao Brasil e à China cabe o desafio de continuar com os planos bilaterais e implementá-los de forma mais efetiva, cumprindo melhor com o acordado, ao mesmo tempo em que não se tira a flexibilidade que as relações precisam.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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O que é a COSBAN e qual a sua importância para as relações Brasil-China. In: Ibrachina. Publicado em: 4 mar. 2024. Disponível em: https://ibrachina.com.br/o-que-e-a-cosban-e-qual-a-sua-importancia-para-as-relacoes-brasil-china/. Acesso em: 27 jun. 2024.

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