Dorotéia, uma farsa irresponsável

Cena da peça Dorotéia, com Mariana Zanette e

A obra teatral de Nelson Rodrigues exibe o olhar irônico e satírico deste dramaturgo genial sobre um país e uma sociedade em transformação vertiginosa. Nas 17 peças que escreveu ao longo de sua carreira, ele inaugurou e consolidou o modernismo no teatro brasileiro. Em Dorotéia, uma farsa irresponsável em três atos, Nelson coloca diversos mitos nada prodigiosos: o de sexo envolto na idéia de pecado; o de beleza ligado a maldição; a doença como purificadora da alma; a feiúra como espantalho do demônio; a condenação do filho rebelde a retornar ao útero materno; a recusa do próprio corpo conduzindo à rigidez da morte; o artifício como antônimo de vida. Nelson recorreu a personagens arquetípicas, avessas às oscilações psicológicas, e apelou para simbolizações de admirável poder sintético.

Dorotéia, ex-prostituta que largou a profissão depois da morte do filho, vai morar na casa de suas primas, três viúvas puritanas e feias que não conseguem enxergar os homens e não dormem para não sonhar. Ao contrário das mulheres da família, Dorotéia é bonita, exuberante e não tem aversão aos homens. Inicialmente, as três viúvas, no entanto, a repudiam por causa de seu passado e por julgarem que sua beleza atrai o pecado. Para aceitá-la, elas lhe impõem uma condição – precisa ficar feia. Dorotéia, que estreou em 1950, é uma das míticas peças de Nelson Rodrigues. Nela os homens estão ausentes: eles só aparecem na fala das personagens femininas.

A montagem da Santa Produção que estreou no último dia 2 de agosto e vai até o dia 25 na Cia dos Palhaços, com direção de Mariana Zanette, muito além da tragicomédia farsesca rodriguiana, acrescentou mais humor negro, com mais ousadia do que poderia sugerir a própria falta de pudor do texto. Com o olhar arguto e a concepção criativa de Mariana Zanette,  mais a fantástica cenografia de Aorélio Domingues e o trabalho dos atores, a qualidade do espetáculo foi elevada ao incomparável.

Mariana avisa, no programa da peça, que não obedeceu às rubricas de Nelson Rodrigues. E, a começar pelo cenário, dois armários redondos, gigantes, giratórios com detalhes que servem à projeção de imagens, como porta de entrada, com trapézios e até estantes, o espetáculo mistura cinema, circo e teatro, fundindo várias linguagens para contar uma história de terror familiar.

Mariana, além do surrealismo inscrito no texto de Nelson, amplia com linguagens de hoje e de ontem, acrescentando o conceito de horror cinematográfico engendrado na Cia Vigor Mortis, da qual Mariana Zanette é co-fundadora (N.A. A companhia Vigor Mortis foi criada em 1997, em Curitiba, Paraná, pelo diretor teatral Paulo Biscaia Filho, dois anos depois de ele defender sua tese de mestrado sobre Grand Guignol na Royal Holloway University of London. O Grand Guignol é também o foco principal da companhia, que adota um gênero subestimado que usa a violência e o naturalismo explícitos como meios narrativos).

O texto é forte, um dos melhores e mais ousados de Nelson Rodrigues, e Mariana deu o seu toque à altura,  a começar do cenário, uma casa de chão frio, sem leito,  que é bem o símbolo da morte, mas com dois enormes armários vivos, com uma dicotomia que faltava para dar maior robustez à peça.  

O espetáculo conta com um elenco premiadíssimo; Ludmila Nascarella, Mariana Zanette, Marvhem Hd, Thadeu Perone, o acrobata John Salgueiro e a musicista Marcela Zanette que também assina a direção musical. A direção é de Mariana Zanette, cenografia e cenotecnia Aorelio Domingues e iluminação de Wagner Corrêa.Serviço:Dorotéia, uma farsa irresponsávelLocal: Teatro Cia dos Palhaços – Rua Amintas de Barros, 307Datas: de 02 a 25 de agosto de terça a domingo as 20h00Ingressos: 14,00 e 10,00 com bônusClassificação: 16 anosProdução: Santa Produção!

 

 

Redação

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