Combate às fake news voltou à pauta da grande mídia depois de anos de silêncio desde o hipe de 2016 e a omissão durante a campanha presidencial de 2018. Volta à pauta com um garoto propaganda: o youtuber Felipe Neto, a versão digital de Luciano Huck em seu momento mercadológico de reposicionamento de discurso, fazendo “mea culpas” e dizendo que “leu muito” e mudou de opinião. Com o influenciador digital, convidado por Rodrigo Maia para debater o tema no Congresso, a grande mídia volta a repercutir o combate às fake news como mais uma bomba semiótica: desviar o foco da atenção do respeitável público para os malvados favoritos de sempre – o “gabinete do ódio” do clã Bolsonaro e as buchas de canhão do “Brasil profundo”. Desviar do quê? Da embaraçosa questão de quem financia as caras táticas digitais e que o Projeto de Lei das Fake News faz parte de um movimento em pinça: hoje, enquadra os perfis “fascistas”. Amanhã, será a mídia alternativa de oposição. Tudo dentro da legalidade. Como sempre, “em defesa da Democracia”.
É previsível que num País cujo monopólio midiático determina os destinos políticos e a agenda pública, a cada temporada surge algum personagem campeão de audiência para arriscar a sorte no cenário político do momento.
Por exemplo, foi assim com o apresentador e dono do SBT Sílvio Santos – passou a cogitar uma vida pública quando um problema nas cordas vocais pôs em risco sua vida de apresentador. A apenas quinze dias da primeira eleição presidencial pós-ditadura militar em 1989, Sílvio Santos já estava entre os favoritos. Uma rasteira jurídica vinda do comitê da campanha de Collor o retirou do páreo com a descoberta de irregularidades no partido de Sílvio, confirmadas pelo TSE.
Entre idas e vindas, aos poucos outro apresentador, Luciano Huck, da Globo, demonstra que almeja horizontes muito além do programa Caldeirão do Huck: ou nos boatos como possível candidato à presidência, ou dando pitacos sobre política, economia e educação na grande mídia e redes sociais ou à frente do seu Instituto Criar.
O atual presidente Bolsonaro e o Governador de São Paulo, João Doria Jr, são produtos midiáticos diretos: o primeiro, praticamente um cosplay do meme “Thug Life” turbinado por programas de TV como CQC e Super Pop, além do que se tornou principal fonte de informação do brasileiro, o WhatsApp; e o segundo, banqueteiro da elite de novos ricos empresariais rentistas cuja imagem construída em programas de TV como Show Business e O Aprendiz criou o herói meritocrático e da suposta excelência empreendedora paulista.
E agora, entra em cena mais um campeão de audiência, dessa vez produto dos novos monopólios das grandes empresas de tecnologia que ameaçam o monopólio das mídias de massas: o youtuber Felipe Neto.
É o personagem midiático-político do momento, com a trajetória recente pela mídia tradicional como o Roda Viva da TV Cultura, o convite do presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia, para debater como combater as fake news e, o ápice, uma entrevista especial ao vivo na GloboNews.
Depois que o “Guerreiro de Bolsonaro” (um tal de “Cavallieri”) gritou nos alto-falantes, na frente da casa do influenciador digital, de que ele é “Pilantra e pedófilo disfarçado de apresentador de crianças” e aparecerem montagens nas redes sociais com mensagens que o acusam de “apologia à pedofilia”, Felipe Neto tornou-se o “case” perfeito para fundamentar o Projeto de Lei das Fake News – entre outras coisas, o texto estabelece o recadastramento de chips de celulares pré-pagos, a proibição de disparos em massa de mensagens e o uso de robôs não identificados para postar comentários em redes sociais. Sem que fique claro para plataformas e usuários como isso será feito. O projeto fala em “entidade de autorregulação” destes serviços…
Algo tão eficiente quanto querer parar um carro segurando o ponteiro do velocímetro – mas, sabemos, que a questão principal está em outra cena: o escopo é mapear, monitorar e censurar a mídia alternativa e, por conseguinte, inviabilizar qualquer possibilidade de discurso de oposição – voltaremos a esse ponto adiante.
Felipe Neto é mais um produto midiático, dessa vez de um novo monopólio (redes sociais se tornaram a fonte de informação mais barata para o brasileiro), que se torna pivô do cenário político. Com mais de 35 milhões de seguidores, depois de em 2016 ter dito que “a Dilma escarrou na sociedade brasileira” (clique aqui) e engrossar a lama psíquica do Brasil Profundo que agora bate à porta da sua casa, põe em ação uma estratégia mercadológica de reposicionamento de discurso.
Fez mea culpa admitindo que 2016 foi um “golpe político” e na GloboNews passou uma sabão na própria emissora por ter convidado o negacionista Osmar Terra para um debate. Admitamos: um reposicionamento confortável – a não ser o núcleo duro alt-right, quem consegue ser a favor de Bolsonaro?
Esperto, Felipe Neto utiliza a velha tática do kit semiótico de manipulação: a tática do Sim!: quando o emissor elenca uma série de questões que necessariamente resultarão em resposta positiva do público, compondo slogans ou temas de fácil adesão. Quem pode ser contra a Ciência? Quem pode ser a favor do negacionismo? Quem pode ser a favor do discurso estrategicamente caótico de Bolsonaro?
É o modus operandi do youtuber como declarou em entrevista a Danilo Gentille no “The Noite” do SBT, em 2016. “Você não tem medo de que o Felipe Neto do futuro veja o que você está fazendo agora?, perguntou o apresentador. “Eu vou viver o presente… faço hoje o que eu acho certo… se eu mudar depois eu falo que eu era um babaca…”, afirmou dando de ombros.
Em meio ao convite de Rodrigo Maia para debater no Congresso e o tema das Fake News voltarem repentina e tardiamente à pauta da grande mídia (tema mantido em silêncio durante dois anos depois do verdadeiro estrago que provocaram nas eleições presidenciais de 2018), a entrevista à GloboNews no domingo último foi uma levantada de bola para o youtuber dar a cortada na rede: um peça de propaganda para justificar o seu expertise como assessor ao maroto Projeto de Lei aprovado no Senado.
Durante a entrevista, o influenciador digital deu quatro “carteiradas” para dizer o quanto é íntimo dos bastidores digitais: “em uma reunião que tivem com executivos do Facebook e Instagram…”, repetia aqui e ali o articulado youtuber.
Porém, o mais interessante é o segredo de polichinelo que Felipe Neto revelou para as atônitas entrevistadoras – Natuza Nery era a mais aturdida ao descobrir que disparos de mensagens e robôs já estavam superados pelas ferramentas digitais mais modernas.
Na verdade, o que ele revelou foram informações que já foram didaticamente explicadas em documentários desde 2018, como o francês Driblando a Democracia: Como Trump Venceu (Unfair Game, 2018) ou mesmo o longa-metragem Brexit (2019).
O que lembra o episódio dos documentos da NSA vazados por Edward Snowden em 2013 que ganharam repentino espaço no horário nobre da Globo no JN e Fantástico: projeto Echlon, Prism, escritórios da CIA e NSA em Brasília e mecanismos algorítmicos de vigilância já eram conhecidos por qualquer pesquisador de comunicação há no mínimo 30 anos!
Mas, claro, a intenção secreta foi a de criar mais uma bomba semiótica da naquele momento para acusar Dilma Rousseff de ser uma presidenta de frágil e incompetente, que supostamente não se preocupava com a segurança dos e-mails presidenciais e própria segurança nacional.
E por que agora a Globo quer inflar a versão digital de Luciano Huck, Felipe Neto, em seu momento mercadológico de reposicionamento de discurso? Por que as fisionomias “baba ovo” de Natuza Nery e Cristiana Lobo na Globo News, como se estivessem praticamente diante de um cientista computacional do Vale do Silício? Claro, o viés da pauta é turbinar o Projeto de Lei 2.630/2020 das Fake News num amplo movimento tático em pinça na guerra híbrida do amplo consórcio militar-judiciário-midiático.
A grande mídia quer criar a percepção de que a promulgação do Projeto de Lei é uma “derrota do governo” por atingir em cheio o chamado “gabinete do ódio” do clã Bolsonaro.
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Mais importante do que o próprio artigo do Wilson é o artigo por ele citado do Piero Leirner na revista Ópera. Indispensável, e que ajuda a elucidar os eventos presentes do ponto de vista militar.