Damares: Autoritarismo não!, por Leo Pinho

Damares Alves, criou um grupo de trabalho para modificar unilateralmente a Política Nacional de Direitos Humanos atualmente em vigor, a PNDH-3.

Agência Brasil

Damares: Autoritarismo não!

Por Leo Pinho

A ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, criou um grupo de trabalho para modificar unilateralmente a Política Nacional de Direitos Humanos atualmente em vigor, a PNDH-3. Como presidente da Unisol Brasil (Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários), entidade com assento hoje no Conselho Nacional de Direitos Humanos, afirmo peremptoriamente que vamos lutar com todas as nossas forças contra este despropósito da ministra.

Mesmo que considerássemos apenas a decisão de Damares localizada no tempo (as últimas semanas) e no espaço (o Ministério que ela dirige), o grupo de trabalho formado por ela já simboliza um retrocesso perigoso para os direitos dos brasileiros. Damares Alves está usando apenas membros do poder executivo – ou seja, do governo que ela própria representa – para decidir o que nós, brasileiros, poderemos ou não fazer na condição de pessoas humanas.

Um trabalho como esse não se faz sozinho, a salas fechadas, com a um único grupo social ali representado. Nunca foi assim. A primeira Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão foi criada na França em agosto de 1789 – ou seja, em pleno processo revolucionário –, e se diferenciava de todas as leis anteriores a ela por, pela primeira vez, ouvir a parte da população não inserida nos corredores do poder antes de ser formulada.

Ela nascia em resposta à repulsa causada pela Terreur francesa, o processo que levou milhares de pessoas, muitas delas apolíticas, à guilhotina. Desde então – e nisso muita gente não reflete – os direitos humanos são usados para evitar abusos que possam ser cometidos não contra ladrões ou assassinos, mas contra todos e cada um de nós.

A primeira Declaração Universal dos Direitos Humanos nasceu sob o choque de um terror mais abjeto ainda, o do Holocausto judeu criado pelos nazistas durante a II Guerra Mundial. Assinado em 1948, é o primeiro e mais importante produto da então recém criada Organização das Nações Unidas (ONU). Em outras palavras, foi um diálogo aberto entre todas as nações do mundo – mesmo que entre elas algumas não suportassem as outras – que instituiu os direitos humanos que nos protegem até hoje. E agora, aqui no Brasil, a ministra quer modificar esses direitos sem diálogo nenhum.

Mas não é só a unilateralidade da decisão da ministra que assusta. Os precedentes que a própria Damares Alves e seu grupo apresentam em sua trajetória são suficientes para desconfiar de absolutamente tudo o que ela propuser – ou impuser.

Em primeiro lugar, o óbvio, o gritante: o Brasil tem nesse momento 240 mil mortos por uma pandemia e a maioria destas mortes teria sido evitada se tivesse havido uma preocupação legítima por parte do governo, do qual a ministra faz parte, com a vida humana. Ou seja, com o nosso direito à vida e a uma política humanitária de Saúde. Só isso já descredibiliza o ministério para modificar qualquer virgula na PNDH-3.

Mas tem mais. Este governo surgiu sob a égide de uma interpretação propositadamente errônea, ainda que popular, do que são direitos humanos. Na verdade, eles são os direitos de todos nós. Cada vez que você não apanha na rua, cada consulta que faz no SUS, cada aula que o seu filho tem na escola pública, cada momento de lazer, tudo isso são você e os seus entes queridos gozando dos direitos da pessoa humana que existem, sob diferentes formatos, há 232 anos. Aliás, se você acha que direitos humanos servem para defender bandidos, um corolário bolsonarista desde que o presidente nasceu, imagine uma sociedade em que o bandido tivesse direito de fazer com você o que ele quisesse – essa seria uma sociedade sem direitos humanos.

No entanto, desde que Damares Alves, uma das intocáveis do governo, apossou-se do ministério, foi pródiga em declarações e políticas contra as pessoas humanas. Para começar, para uma república federativa que era para ser secular segundo os próprios princípios positivistas – iluministas, racionais, científicos –, a ministra trouxe o dogmatismo e o discurso panfletário religioso, obscurantista e, pior, de uma única religião. A dela.

Podia-se esperar pelo menos que ela se movesse pelos princípios morais dessa religião. Mas não. Há preconceito em cada uma de suas ações, e como resultado os grupos mais vulneráveis da nossa população estão carentes dos serviços mais básicos para protegê-los. Enquanto Damares diz que “menina veste rosa, menino veste azul”, as denúncias de violência contra a mulher cresceram 40% durante a pandemia e o número de feminicídios no Brasil está em dois por dia. Os programas de acolhimento e de inserção da população LGBT+ foram paralisados, assim como as discussões por leis que permitam a união civil de pessoas não cisgêneros. Ligado ao mesmo Executivo, só que ao Ministério da Cultura, o presidente da Fundação Palmares, que devia lutar pelos direitos dos grupos recriminados por sua etnia, não passa um mês sem emitir uma declaração abertamente racista.

E isso sem contar que esse governo, somando-se ao anterior – de Michel Temer –, já tomou providências abertamente contrárias aos direitos da pessoa humana. Até cinco anos atrás, todos os trabalhadores e trabalhadoras brasileiros tinham direito a férias remuneradas, 13º salário e aposentadoria. Hoje esses direitos – humanos – ainda existem no papel, mas realidade viraram uma quimera. Como se não bastasse, o quadro inflacionário criado pela dupla Bolsonaro/Guedes já está retirando um dos direitos mais básicos das populações mais vulneráveis, o direito à alimentação, e o Brasil está de volta ao Mapa da Fome da ONU.

E então eu pergunto: podemos confiar a revisão dos nossos direitos para essas pessoas, ainda mais de maneira exclusiva? Não mesmo! Por isso é que a Unisol, juntamente com mais de 400 entidades, assinou um manifesto contra a medida unilateral tomada pela ministra Damares Alves. Toda lei ou aplicação da lei imposta para a sociedade sem o devido debate é um ato autoritário. E, sra. Damares, autoritarismo, aqui, NÃO!

Leo Pinho é presidente da Unisol Brasil (Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários e Ex Presidente do Conselho Nacional dos Direitos Humanos – CNDH) 

Redação

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