Holanda tira o Estado da cena da assistência social e cria a ‘obrigação moral’

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Jornal GGN – A Holanda promove mudanças expressivas nos serviços sociais. Agora o Estado de bem-estar social se tornou ‘sociedade participativa’ envolvendo cortes orçamentários e grandes mudanças. O auxílio aos idosos e pessoas dependentes de ajuda, incluindo aí crianças incapacitadas, se tornam ‘obrigação moral’ das famílias, amigos e vizinhos diante do Estado. Não há punição para o descumprimento da obrigação, pelo menos por enquanto. Se a situação chegar a um ponto da pessoa não ter como se cuidar, poderá ter acesso a um centro subvencionado. Aí entra a prefeitura, que com a recém-criada Lei de Cuidados de Longa Duração deverá proporcionar o atendimento com financiamento estatal. Leia a matéria do El País.

Manifestação contra os cortes do Governo, em novembro em Haia. / MARTIJN BEEKMAN (EFE)

Sugestão de Alfeu

do El País

Holanda corta serviços sociais e os transfere aos municípios

Por Isabel Ferrer, El País

Depois de quase meio século de funcionamento intensivo, o Estado de bem-estar social muda de nome na Holanda e passa a chamar-se “sociedade participativa”. A medida envolve cortes orçamentários e grandes mudanças para a população. Desde o dia 1º de janeiro o auxílio aos idosos e às pessoas dependentes de ajuda, incluindo as crianças incapacitadas, se transforma em uma “obrigação moral” das famílias, amigos e vizinhos. E o descumprimento desse novo dever não está sujeito a punição legal, pelo menos por ora.

Somente quando a situação for insustentável, as pessoas que não têm como cuidar de si mesmas poderão ter acesso a um centro subvencionado. A recém-criada Lei de Cuidados de Longa Duração estabelece que caberá às prefeituras proporcionar o atendimento, para o qual receberão financiamento estatal.

O primeiro discurso da Coroa do novo rei holandês, Willem-Alexander, introduziu em setembro de 2013 a ideia da sociedade participativa, em forma de advertência e, também, de desafio. Por um lado, mostrava a insustentabilidade de manter, com a crise, um sistema de cuidado que em 2010 custou 23.500 bilhões de euros (75,9 bilhões de reais) ao erário público –com esse orçamento foram atendidos 250.000 dependentes em instituições públicas e outros 350.000 por meio de ajuda paga aos domicílios. Considerando o envelhecimento crescente nesse país de 16,7 milhões de habitantes, o desafio consiste em convencer os cidadãos de que têm de apoiar-se e ser responsáveis pelos que os rodeiam. A questão é saber se eles o farão espontaneamente. Porque, a partir de agora, o direito histórico de receber atendimento somente poderá ser exercido quando a pessoa não puder cuidar de si mesma e carecer de uma rede informal de apoio. Com essa mudança, o Estado pretende economizar 2,3 bilhões de euros este ano.

A Actiz, uma empresa dedicada a proporcionar ajuda a idosos e dependentes de qualquer idade, e com cerca de 2 milhões de clientes, teme que com a reforma possam ser cortados 55.000 empregos. Em conjunto, trabalham no setor 1,1 milhão de pessoas, e os sindicatos generalistas preveem a perda de até 100.000 empregos.

As primeiras mudanças começaram a ser notadas já no final do ano passado, antes de entrar em vigor a lei sobre os cuidados. Os idosos “que conservam sua vitalidade e podem cuidar de si mesmos” –segundo a definição da norma– foram abandonando as residências onde eram atendidos em grande parte à custa do erário público. Depois de uma avaliação de suas necessidades, seu novo domicílio é uma casa de aluguel baixo. Antes, eles pagavam a residência em função de suas pensões e o Estado completava o restante. Agora se espera que sejam ajudados, gratuitamente, por seus parentes, conhecidos ou vizinhos. Também podem acorrer em seu auxílio voluntários que receberão um pagamento simbólico para fazer compras, limpar, cozinhar, dar-lhes banho ou lembrá-los de tomar seus remédios.

“Nosso centro cuida de pacientes com Alzheimer e contava também com uma casa de repouso para idosos, que desapareceu. Há pessoas de 80 e 90 anos que tiveram de ir para um apartamento, na dependência da família. Não sei. Há famílias comprometidas, claro. Mas a sociedade está acostumada a pagar impostos para resolver o atendimento aos idosos. Veja que os parentes nem sempre moram perto”, diz uma enfermeira de Haia, que pede anonimato.

Os pacientes com Alzheimer não entram no contingente dos que serão enviados a casas de aluguel baixo. Também não haverá mudanças para as 200.000 pessoas (mais 10.000 crianças e adultos incapacitados, com assistência permanente em suas casas) atendidas em instituições especializadas.

Os candidatos à transferência pela nova lei têm muito claro o que querem. Segundo uma pesquisa da União Geral Holandesa para os Idosos, 65% preferem pagar profissionais para serem cuidados. “Eles têm a sensação de que, se vier um parente ou amigo, terão de ser muito agradecidos. Se pagam, ficarão mais à vontade para pedir o que precisarem. Mas, claro, tudo depende de suas pensões”, afirma a diretora desse sindicato, Liane den Haan.

Evelien Tonkens, professora catedrática, especialista no assunto, afirma: “Quem quer que o vizinho lhe dê banho?”. Em sua opinião, o desmantelamento do Estado de bem-estar visa à criação de uma espécie de “cidadania afetiva, na qual os voluntários sejam vistos como heróis”. Entre os riscos que aponta aparece a sobrecarga de trabalho para as mulheres.

Ben Paulides, vereadora do partido Democratas Liberais, em Wassenaar, município contíguo a Haia, se pergunta: “Haverá menor orçamento municipal para pagar às entidades assistencialistas. Se aqueles que atendem os idosos oferecem serviços a preços baixos, estarão qualificados?”.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

17 Comentários

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    1. Farra? Qual foi a parte da perda dos empregos que você não entendeu??? Sabe, empregos geram consumo que geram mais necessidades dos “empresários”, mesmo holandeses…. É de dar pena esse tipo de comentário!!!

  1. Tenho 2 dúvidas

    1) Será que o Estado vai também parar de contribuir “socialmente” para a rainha?

    2) Não seria o Estado a representação da sociedade através de sua “participação”?

    Afinal, se não tivermos governo, impostos, organização e pública e quetais, destruindo o “Estado”, o que sobra é a savana social do “cada um por si”. 

    Será este o coroamento de milhares de anos de lenta “civilização”?

  2. A próxima etapa será abolir

    A próxima etapa será abolir os direitos conquistados pela Revolução Francesa? Porque as conquistas da luta socialista estão sendo abolidos um a um.

    O Estado agora só serve às grandes corporações financeiras? Voltamos ao Absolutismo?

    FDP.

  3. Fim da monarquia na Holanda

    Nós vamos cuidar de nossos velhos, de nossos amigos.

    E o rei da Holanda vai existir apenas nas cartas de baralho.

    Isso é uma ameaça?

    Longe disso, quem escreve este texto é um monarquista, que sempre comemorou o Koninginnedag — Dia da Rainha, em holandês — mas que também que se a realeza abandonar o povo, ela estará liquidada.

    O rei Willem-Alexander está caindo no canto de sereia dos representantes locais de Wall Street — “Big Fish Eat Little Fish” — e acha que será salvo por eles.

    Doce engano.

    Na hora decisiva, ao longo da História, fomos nós que sustentamos a monarquia. Primeiro, para repelir o domínio externo, em seguida, para construir uma identidade como país e finalmente, construir um tecido social robusto.

    E o rei, seguindo suas sereias do mal, está desmontando tudo isso. Não vão durar muito.

    1. Pergunta.

      Prezado Hans, 

      Me explica um negocio que devido a minha estultice iberica não percebi…Se o Rei está “rifando” os “velhinhos” e “incapazes” ele tambem está rifando os impostos tambem? Pq se um Rei está promovendo esta “campanha de marketing” eu começava já uma campanha pela Republica…Um abraço Holandes Voador…

  4. Margareth Thatcher salvou a

    Margareth Thatcher salvou a Inglaterra da decadência atacando de frente o Estado do Bem Estar Social, o paraíso de sindicque alistas e vadios.

    Um dia a conta chega, e pelo visto está chegando nos nórdicos. 

    Muito do chamado BES europeu norte é mantido por latinos europeus, latinos sulamericanos e africanos ganhando 2 mil euros para sustentar “o loiro de zóio azul” que ficam em casa fumando maconha ou viajando pelo mundo para conhecer favela.

     

  5. Aahahahhaaha ……….., a Monarquia !!!!!!!!!!!

    Sempre a repetição dos papagaios : ” Não existe almoço gratis”, e eu complemento – Existe somente o Saque e a Butim !!!!

    Praticados por quem ? Todos  sabemos muito bem por  quem !!!!!!!!!!!!!!!!!!!

  6. Esquecem que a economia é integrada

    Esses centros de atenção, além da óbvia importancia humanitária e social, também desempenham um papel econômico importante. O tempo e os recursos financeiros que eles poupavam às famílias era canalizado para atividades produtivas ou de lazer, movimentando a economia.

    Se as familias passarem a assumir esse encargo, tais recursos serão agora consumidos nos cuidados aos idosos, desviando demanda e produtividade da economia.

    Além disso, haverá desemprego, ou seja, menos demanda ainda e menos recolhimento de impostos.

     

     

  7. De volta ao século XIX

    Estão retomando o sistema de coletivização privada da assistência social vigente em vários países europeus antes da consolidação “recente” do Estado de Bem-Estar Social atual (ocorrida no pós-1945).

    Nada como ser saudosista e voltar ao século XIX 🙂

    Feliz Ano Novo!

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