Lula falou e disse, por Guilherme Scalzilli

Curioso é ver analistas "democratas" reagirem à denúncia misturando o discurso de Netanyahu com relativizações semânticas de seus crimes.

Ricardo Stuckert

Lula falou e disse

por Guilherme Scalzilli

Lula às vezes comete erros falando de improviso. A maioria deles é irrelevante e serve apenas para o comentarismo de direita marcar posições letradas e “corretas” que aliviem seus hábitos peçonhentos. A repercussão dura pouco e nada produz.

Nos casos incômodos, a forma ruim prejudica um conteúdo louvável. Foi o que ocorreu na recente declaração sobre Gaza. Lula deveria ter sido mais cauteloso para abordar o tema, nas atuais circunstâncias, independentemente de seus bons propósitos.

Mas os rigores sisudos que valem para sua opinião valem para a opinião dos críticos. É fácil refutar enunciados inexistentes. O contrário do que Lula não afirmou pode ser inquestionável e não ter relevância alguma no debate. Sejamos, então, rigorosos.

Lula não citou o Holocausto, menos ainda o associou a Gaza. Não sugeriu que todo judeu é israelense. Não poupou o terrorismo. Não relativizou os campos nazistas de extermínio. Não menosprezou a dor de milhões. Não igualou bombas a câmaras de gás.

O único paralelo feito por Lula envolveu Hitler e Netanyahu. De modo mais literal, os massacres de Gaza e um embreante cronológico indeterminado (“quando Hitler resolveu matar os judeus”), remetendo a decisão necessariamente anterior ao Holocausto.

Do projeto ignominioso de Hitler à sua obra nefasta muita coisa ocorreu. A omissão da comunidade internacional, por exemplo, metida em polêmicas inúteis sobre como qualificar o óbvio. E o cinismo dos apaziguadores que tripudiavam dos “alarmistas”.

Sim, logo adveio o Holocausto. Mas quem recusa reflexões alusivas às suas origens nega-lhe a historicidade que o torna irrefutável e que o legitima como referência para as gerações atuais. Os massacres de todas as épocas têm algo em comum.

Curioso é ver analistas “democratas” reagirem à denúncia misturando o discurso de Netanyahu com relativizações semânticas de seus crimes. Diante de um genocídio bárbaro, apoiado pelos EUA, o problema foi Lula abominá-lo mencionando Hitler.

Em outra lógica tortuosa, a imparcialidade se confunde com equivalência grotesca. Seu raciocínio condena Netanyahu e Lula igualmente, admitindo o morticínio deliberado “mas” rejeitando também as palavras de indignação. É uma escolha muito difícil.

Ainda que o próprio Lula endossasse as leituras adotadas, continuaria sendo ridícula a interpretação automática, negativa, de seu apelo humanitário. A intuição de garimpar vestígios antissemitas em desabafo que pedia solidariedade por civis inocentes.

Tudo que a celeuma produziu foi a consolidação da imagem de Lula como defensor de uma causa justa. No polo oposto, um aliado de Bolsonaro o substitui no papel de “vilão útil” da direita midiática. O tom religioso das análises não deveria causar surpresa.

Guilherme Scalzilli é historiador e escritor. Mestre em Divulgação Científica e Cultural, doutor em Meios e Processos Audiovisuais. Website: www.guilhermescalzilli.blogspot.com

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