O cristianismo surgiu como movimento revolucionário?, por Hans Küng

A tese de que Jesus teria sido um revolucionário político-social foi defendida esporadicamente depois do estudo de S. Reimarus

The dead Christ and three mourners *tempera on canvas *68 × 81 cm *1470-1474

Enviado por Felipe A. P. L. Costa.

O cristianismo surgiu como movimento revolucionário?

por Hans Küng [*].

Aqui também não se trata de anacronismo. A ‘teologia da revolução’ não é produto de nossos dias. Na história do cristianismo, esse tipo de revolução é representado pelos movimentos apocalípticos ou catárticos da Antiguidade, pelas seitas radicais da Idade Média (com ênfase no movimento político de Cola de Rienzo) e na esquerda da Reforma (sobretudo Thomas Münzer). A tese de que Jesus teria sido um revolucionário político-social foi defendida esporadicamente depois do estudo de S. Reimarus ([falecido em 1768]), incentivador da pesquisa histórico-crítica dos Evangelhos, e de K. Kautsky, líder socialista austríaco, até Robert Eisler, seguido, em nossos dias, por J. Carmichael e S. G. F. Brandon.

Ora, não há dúvida de que a Galileia, pátria de Jesus, era sobremodo sensível a ideias revolucionárias e se considerava terra de origem do movimento revolucionários dos zelotes (zelotes = ‘Zelosos’, com conotação de fanáticos). E, no mínimo, um dos seus sequazes tinha sido um zelote – a saber, Simão, cognominado exatamente de ‘zelote’ e, se formos julgar pelo nome, também Judas Iscariotes e, quiçá, os dois ‘filhos do trovão’, João e Tiago. Finalmente o fato de, no processo de Jesus diante de Pôncios Pilatos, ter representado papel decisivo o título ‘rei dos judeus’, de modo que Jesus foi executado por motivos políticos, submetido à forma de morte reservada a escravos e sediciosos políticos. A acusação poderia encontrar alguma base nos acontecimentos da entrada triunfal em Jerusalém e da purificação do templo, pelo menos se considerarmos a maneira como nos foram transmitidos.

Nenhum outro povo mais do que os judeus ofereceu resistência política tão persistente ao domínio romano. Os temores de revolta eram mais do que reais para as tropas de ocupação. Desde mais tempo viam-se frente a uma situação revolucionária aguda na Palestina. Crescia a influência do movimento sedicioso que, em oposição ao establishment de Jerusalém, repelia qualquer tipo de colaboração com os ocupantes, chegando a sonegar impostos e mantendo numerosas ligações secretas com o partido dos fariseus. Sobremodo numerosos eram os guerrilheiros nacionalistas ativos na Galileia, contra os quais já o idumeu Herodes, nomeado ‘rei dos judeus’ pelo senado romano e em cujo tempo Jesus havia nascido, devia apelar ao recurso da pena de morte. Depois da morte de Herodes, que marcou seu reinado com um governo de mão de ferro e velhacaria, tornou a haver desordens que foram abafadas, sem dó nem piedade, pelas tropas comandadas por Quintílio Varo, cabo de guerra que iria fazer triste figura na luta contra os germanos. Conseguiu-se fundar um partido revolucionário na Galileia, sob a chefia de Judas de Gamala (cognominado ‘o Galileu’), quando, pouco depois, no ano 6 da nossa era, o imperador Augusto depôs Arquelau (não ‘rei’, mas ‘etnarca’ da Judeia), brutal filho de Herodes. A Judeia foi colocada sob a administração direta de um procurador. O imperador ordenou a Sulpício Quirínio, governador romano da Síria, que recenseasse a população, visando melhor controle fiscal – fato a que Lucas faz vaga alusão em nexo com o nascimento de Jesus. A Galileia governada por Herodes Antipas sofreu as consequências apenas indiretas – mas os zelodes enfurecidos tentaram revoltar-se. Durante as arruaças tombou seu líder e o restante dos sediciosos dispersou-se.

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NOTA.

[*] Hans Küng (1928-2021). Publicado originalmente no livro Ser cristão (Imago, 1976 [1974]), o excerto acima foi extraído do blogue Poesia Contra a Guerra. (Para artigo anterior do autor publicado neste GGN, ver aqui.)

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