“Onde está esse monstrengo?”: criança com deficiência auditiva é humilhada em orquestra em São Paulo

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Amante da música e da arte, o sonho de Heitor terminou em trauma, quando um senhor humilhou e ofendeu a criança

Heitor, quando chegou na Sala São Paulo para o concerto da OSESP – Foto: Arquivo Pessoal/Facebook

Heitor, de 7 anos, estava realizando o sonho de assistir a um concerto da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, na Sala São Paulo, neste último sábado (02), Dia Mundial da Conscientização sobre o Autismo. Sem diagnóstico do transtorno, o menino tem poucas respostas a estímulos e é portador de deficiência auditiva.

Amante da música e da arte, o sonho realizado pela mãe, Viviane Castro, terminou em trauma para ambos, quando um senhor humilhou e ofendeu a criança que respondia à música clássica com aplausos e reações pontuais de exaltação e alegria, contrastando com o polido e silencioso ambiente da alta sociedade paulistana.

As reações da criança foram recebidas, com sensibilidade, pela equipe de segurança e recepção da Sala São Paulo, e pelo próprio solista trompetista Pacho Flores, que em um momento de improvisação dedicou uma canção de ninar a Heitor, enviando-lhe um beijo com as mãos ao distante Camarote Superior, de onde a mãe com seu filho assistiam ao concerto.

Não foi a mesma receptividade de Jairo José da Silva, professor aposentado do Departamento de Matemática da Unesp de Rio Claro, que durante a pausa do concerto esbravejou gritos às funcionárias do teatro para que expulsassem a criança. Não é a primeira postura ofensiva do professor, que em 2016 protagonizou um ataque a uma estudante que participou dos protestos contra o impeachment de Dilma Rousseff e ficou cega pela repressão policial (relembre abaixo).

Já de volta para a segunda parte da apresentação, dentro da plateia, Jairo da Silva gritava “alguém vai calar a boca desse menino?”, “onde está esse monstrengo?”, apontando para cima e, diante do repúdio manifestado das pessoas ao seu redor, insultando: “parece que não é só ele que é débil mental aqui”.

Em seu relato, a mãe conta que um dos músicos da orquestra também se dirigiu ao camarote onde estavam e gesticulou expressões e sinais para que a Viviane tomasse alguma medida, seja sair do espaço ou silenciar seu filho.

“Ali de cima, coberta em lágrimas, ainda pude ver que outra vezes pessoas esbravejavam, gesticulando para que meu filho se calasse. Não bastasse a dor, diária, da luta contra a discriminação, ontem me senti humilhada, ofendida e acuada. Não conseguia segurar as lágrimas de desespero com a situação, sozinha e com medo”, escreveu a mãe, em suas redes.

Sofrendo com as agressões verbais e humilhação, Viviane chamou a Polícia Militar e a Guarda Civil Metropolitanada. Da plateia, Fábio Gusman, procurador judicial civil da Universidade de São Paulo (USP), testemunhou a cena e ofereceu auxílio, acompanhando os policiais a encontrar Jairo, para levá-lo à delegacia e fazer o boletim de ocorrência.

Ao GGN, Gusman relatou o episódio e afirmou que, se a mãe de Heitor assim desejar, podem ingressar com três vias judiciais: uma administrativa contra o músico da OSESP, que se dirigiu ao camarote da criança; e civil e penal contra o professor pelas ofensas. Gusman se disponibilizou a ajudar a mãe da criança como testemunha ou como advogado, mas lamenta que, provavelmente, em qualquer das opções, o episódio seja minimizado na instâncias judiciais.

Questionamos a OSESP se alguma medida será providenciada sobre o episódio. Até o fechamento da reportagem, nenhum posicionamento foi encaminhado.

“Pode ficar cega, é uma boa notícia”

Jairo José da Silva é professor aposentado do Departamento de Matemática da Unesp de Rio Claro. Em 2016, esteve envolvido em outro episódio que gerou o repúdio da comunidade acadêmica. No dia 1º de setembro, ele havia postado em suas redes sociais um comentário sarcástico relacionado a uma estudante da Unesp, que havia perdido a visão de um dos olhos, após ser atingida por bomba lançada pela polícia, durante uma manifestação “Fora Temer” e contra o impeachment de Dilma Rousseff, em São Paulo.

“É uma boa notícia”, havia dito o professor. “De vez em quando tem notícia potencialmente boa. Uma garota ficou ferida na esbórnia pro-Dilma em São Paulo. Pode ficar cega. Se for petista é uma boa notícia, mas não vai fazer muita diferença, já que já são cegos como toupeiras.”

Após a publicação do comentário, à época, a universidade, a Comissão de Ética da Unesp, o Observatório de Educação em Direitos Humanos, a Associação dos Docentes da Unesp (Adunesp), a Congregação do Instituto de Geociências e Ciências Exatas da Unesp de Rio Claro e a ADUNESP Sindical se manifestaram repudiando, veementemente, as ofensas do professor.

Leia também:

Osesp lamenta humilhação de criança com deficiência auditiva em concerto em SP

Publicada originalmente em 5 de abril de 2022

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

15 Comentários

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  1. Sou assinante da OSESP a mais de 20 anos e repudio uma ação vil como esta, mais grave ainda por se tratar de um professor aposentado de uma universidade importante de São Paulo. Acho que a a administração da OSESP deveria evitar que este professor frequentasse a sala e se fosse assinante não mais renovar as suas assinaturas. Uma pessoa dessa causa mais dano do que a presença de um menino na sala, há já celulares que tocam ou caem no chão durante as apresentações e sempre em momentos que a orquestra está tocando partes bem baixas e delicadas. Um professor esbravejando já é demais.

  2. Meu filho autista de 16 anos frequenta o osesp desde os 6. Vou deixar uma coisa bem clara: jamais deixaremos de frequentar a orquestra, é nosso direito e quem se sentir incomodado que durma na pia. Se tivesse acontecido comigo, esse ser estaria em outro plano… como diz a Andréia Werner , agressiva sou eu, meu filho é um amorzinho. Lugar de nazista e fascista é na cadeia ou no hospício.

  3. Eu que acompanhei o Heitor em sua conquista, sendo músico, fico indignado com essa situação e quero prestar minha solidariedade ao pequeno Heitor.
    Não se sinta acuada ou permita que sei filho seja humilhado. Seja além de tudo forte o suficiente para chamar a polícia quantas vezes for necessário.
    Diz os grandes teóricos a cerca da essência da música: “A música é a arte de expressar os diversos sentimentos da alma através do som…” (Osvaldo Lacerda). Mas para que expressar os sentimentos? Para quem ouvir? Um público sem alma? Pois quando uma criança, de alma pura, se empolga com a beleza da arte, vem alguns desalmados e a querem calar.
    Precisamos ser mais humanos, ou diria: menos humanos, talvez. Se o fato de ser humano se resume em rejeição e ódio.
    Respeito é necessário!!!
    O pequeno Heitor que carrega em si, o nome de um dos maiores músicos brasileiros, no qual a Sala São Paulo, com todo seu requinte, tem emprestado entre outras, as obras de *”Heitor* Villa Lobos” obra para ser reproduzida em seu espaço, não pode permitir tanta insensibilidade. Tal qual Beethoven, um dos maiores nomes da música erudito, ficou surdo, mas nunca, deixou de tocar por isso, chegando em momentos da fase de maior surdez encostar os ouvidos no piano para sentir as vibrações das notas, grande músico que era. Assim também o pequeno
    Heitor, pode ser surdo em sua fisiologia, mas sua alma tem sede de música, de som, de essência de alma de pessoas puras.
    Lúcio Batista – Músico e Fonoaudiólogo do Heitor em algum momento da sua vida.

  4. Concerto de orquestra sinfônica é um espetáculo que exige o mais absoluto silêncio da plateia.
    Se a orquestra ou os organizadores tivessem a intenção de homenagear crianças com deficiência deveriam fazê-lo em seção especial. Uma matiné, por exemplo. Um absurdo o que ocorreu.
    O professor Jairo apenas exigiu que os organizadores tivessem consciência do que estava ocorrendo.
    Não se deve levar crianças pequenas a concertos noturnos. Simples assim.

  5. Eu também estive na plateia neste dia, e presenciei esse ato infeliz. Foi muito triste e repudiante. Fiquei tão abalada, que me senti mal pela mãe do menino e não aguentei até o final do concerto. Fui embora antes. Quem estragou a minha noite foi esse ser humano obscuro com seus gritos e “ordens” nojentas. Foi uma situação horrorosa. Sinto muito por essa mãe e seu pequeno.

  6. Essa criança tem sorte de ter uma mãe tão dedicada, que entende a importância da cultura para o desenvolvimento completo da criança e proporciona e ele esse contato. É direito dele ter acesso a esses espaços de experiência e de convivência. Eticamente, a sociedade tem muito a avançar, é lamentável ver esse tipo de coisa ainda acontecer.

  7. As pessoas estão cada vez mais egoístas e acham que podem fazer o que quiserem. Já pensaram que na sala estavam mais de 1000 pessoas que pagaram seus ingressos para um concerto, sem saber que teriam uma situação de inclusão? Muitos são frequentadores assíduos, acostumados com o “protocolo” da apresentação, das exigências de silêncio, isso se chama educação e respeito. Sinto muito pela mãe, mais ainda pela criança, mas não era um lugar para levar o menino. Existem projetos de inclusão, onde organizadores são preparados para situações como essa, com público sabedor do que vai encontrar. Tem coisas que são imiscíveis. Pelo visto, nem plateia, nem orquestra, nem organizadores estavam preparados para uma situação dessas.

  8. Infelizmente uma parcela dos brasileiros estão contaminados com falta de amor
    Muitos estão focados em criticar atacar e trazer angústia e tristezas ao seu próximo
    Mas o Heitor vencerá por que , a pequena parcela nunca apagará o amor caridade e compaixão que está no coração dos brasileiros que seguem os princípios e condutas cristãs

  9. Eu assisti ao espetáculo, e cheguei a pedir à Sala que isso não se repita. O menino acabou com o concerto.Aceito inclusão, é óbvio. Mas lamento não estar de acordo com o fato. Levem-no no ensaio, onde isso é mais aceito. Num ambiente onde tossir incomoda a todos, ouvir aquela gritaria e paus batendo acabou com o espetáculo para mim. E não sou bolsonarista, tenho ódio ao homem e seu séquito. Se fosse um show de rock tudo bem. Mas num local onde nos pedem para desligar celulares para não atapalhar platéia e músicos, sinto muito, não dá. Só não sai pq estava com um acompanhante cego a quem prometera dar carona. Aliás, ele ODEIA ser chamado de deficiente visual.

  10. só para deixar bem claro para quem acha q o que aconteceu é normal
    não é normal
    não é normal acuar uma criança, não é normal acuar uma mãe em troca do que você acha q é somente seu direito – fique claro: VOCÊS ESTÃO ERRADOS – apesar das suas “opiniões” existe a lei, a constituição, o ECA e até a paciência da maioria.

    Sugiro mais cautela com suas manifestações facistóides de repúdio e lamentos às diferenças…
    um dia, vcs podem encontrar um “doido” mais doido que vocês… ou mesmo alguém mais violento que vocês na sessão. Esse é um caminho que deveria ser escolhido com cuidado.

    já pensou se no momento da manifestação bizarra do senil professor houvesse alguém mais doido q ele?

    ACHO BOM PENSAR MELHOR NO QUE VOCÊS ACHAM CERTO

  11. Dezio R. Legno ao defender esse professor, que é reincidente em seu preconceito e arrogância, você se torna igual a ele. Caso o teu bolsonarismo enrustido não te deixe pensar, há uma GIGANTESCA diferença entre protestar contra gritos de uma criança autista em um show e ofendê-la, humilhá-la com palavras que machucam.

  12. Ninguém parou para refletir que os gritos do menino autista indicavam que ele estava em sofrimento? O autista percebe o mundo de forma enviesada, e reage conforme. Para a plateia, deleite para os ouvidos. Para o menino autista, sons do fim dos tempos. Uma incrível mistura de uma mãe que violenta o próprio filho com um professor que elogiara truculência policial revela a falta de modos e o desprezo pela alta cultura vigente entre muitos que assistem as apresentações, ao defender o indefensável em nome de uma suposta inclusão. Inclusão de quê, exatamente? Ah, sim, do direito de uma família destruir uma refinada obra de arte.

  13. Nossa, quanto obscurantismo. A OSESP deveria convidar a criança a um proximo concerto. No mínimo. E se desculpar. Quanto ao professor brucutu, que gritou na sala deveria ser convidado a sair. Ele pagou, mas não é dono do espetáculo.

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