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Leilões de Cepacs e prolongamento da Av. Faria Lima: quem se apropria da valorização territorial?, por Paulo Sandroni

De que maneira construtoras e incorporadoras que pagaram preços tão elevados por cada Cepac conseguem viabilizar seus projetos do ponto de vista dos lucros esperados?

Secovi

Leilões de Cepacs e prolongamento da Av. Faria Lima: quem se apropria da valorização territorial?

por Paulo Sandroni

Os dois últimos leilões de Cepacs na Operação Urbana Faria Lima, em dezembro de 2019 e outubro de 2021, proporcionaram uma receita de cerca de R$ 1,8 bilhão, sendo cada Cepac vendido por R$ 17.601,00. Esta quantidade expressiva de recursos será utilizada no financiamento de várias obras de infraestrutura e urbanização de favelas previstas para o perímetro.

Isto significa que o financiamento das obras ainda restantes (como a urbanização da favela Coliseu que finalmente começou a ser realizada em janeiro de 2020) poderá concretizar-se sem maiores transtornos no campo do custeio das obras.

No entanto, é bom lembrar que na principal obra realizada no perímetro, a extensão da avenida, as desapropriações necessárias realizadas entre 1995 e 1996 (cerca de U$ 150 milhões) foram financiadas com recursos orçamentários, uma vez que as receitas da venda do potencial construtivo adicional recém haviam começado.

O projeto da Redseas

De que maneira construtoras e incorporadoras que pagaram preços tão elevados por cada Cepac conseguem viabilizar seus projetos do ponto de vista dos lucros esperados? Vejamos um desses projetos:

Um dos compradores de Cepacs no leilão de dezembro de 2019 , a RedSeas Investimentos, empresa vinculada à Vitacon, provavelmente irá utilizá-los em terreno localizado entre as ruas Prof. Attilio Inocenti (paralela à Av. Faria Lima), Horácio Lafer (transversal à Av. F.Lima)  e a Av. Faria Lima. Quando o trecho da avenida foi construído e cruzou a Av. Horácio Lafer, os imóveis desta rua passaram a ter seus costado de frente para ela.

A partir de 2015, a Redseas adquiriu pelo menos 7 imóveis – dois na Rua Attilio Inocenti (n.os 32 e 40) e cinco na Av. Horácio Lafer (n.os 253, 245, 231, 263 e  265) compondo um terreno de 2.553m2. Em todos os terrenos, exceto o n° 265, as construções unifamiliares  de baixa densidade eram antigas com mais de 50 anos e, portanto, de pequeno valor remanescente. No entanto, no número 265 havia uma construção vertical, ou seja, edifício residencial de 11 andares ocupando terreno de 1.200 m2 e área construída de 4.720 m2.  Para adquirir o imóvel com a intenção de utilizar o respectivo terreno, a Redseas pagou pelo que nele estava construído; tratando-se de um edifício de 11 andares, evidentemente desembolsou robusta quantia expandindo os custos do terreno a ser utilizado em futuro projeto.  O remembramento de todos estes lotes resultou em área de cerca 2.553 m2, valorizado por ter um de seus lados de frente para a Av. Faria Lima, embora em seu registro possa não prevalecer esta particularidade, e sim sua frente para a Av. Horácio Lafer.

Este aspecto é importante, pois a conversão de Cepacs em metros quadrados é diferente, caso um terreno seja frontal ou não em relação à Avenida Faria Lima: em terreno frontal à avenida, cada Cepac permite a construção entre 1,2 m2 e 0,9 m2 para projetos residenciais e entre 0,6 m2 e 0,8 m2 em projetos comerciais. Ao mesmo tempo, em terrenos não frontais mas no mesmo subsetor, a conversão permite construir 2 m2 por Cepac se o projeto for residencial,  e entre 0,9 m2 e 1,2 m2 em projetos comerciais. Como já assinalamos, o terreno resultante do remembramento não é frontal à Avenida Faria Lima, embora um de seus lados seja. Portanto, é possível que cada Cepac adquirido pela Redseas permita construir 2m2 e, em consequência, o preço pago por cada m2 de direitos adicionais de construção se reduza pela metade, isto é, R$17.601/2 = R$ 8.800 m2. Este valor é compatível com o preço de venda do m2 de construção de cerca de R$ 45.000 nas edificações localizadas em frente da avenida.

O remembramento dos terrenos adquiridos na Av. Horácio Lafer e na rua Atílio Innocenti  resultarão em lote com frentes para ambas e para a Av. Faria Lima. Para todos os efeitos será uma edificação “na Avenida Faria Lima”, o que lhe confere especial valorização. Outra característica interessante é que no caso deste imóvel trata-se de um terreno de 3ª geração, isto, ocupado inicialmente por edificação de baixa densidade que deu lugar a edifício de 11 andares, que por sua vez foi demolido para a utilização do respectivo terreno em outro projeto imobiliário de maior densidade. Não dispomos de informação sobre o preço pago pelos terrenos e construções neles existentes, mas,  especialmente a aquisição do n. 265 da Av. Horácio Lafer – um edifício de 11 andares com a intenção de utilizar o terreno e não a construção –, deve ter encarecido os custos do projeto. Se somarmos o custo dos Cepacs adquiridos para um aproveitamento de maior capacidade construtiva, podemos concluir que o preço de venda do m2  construído futuramente será um dos mais elevados de toda a área da Operação Urbana Faria Lima.

É verdade que o remembramento de terrenos torna a área resultante muito valorizada, uma vez que possui lados voltados para as avenidas Faria Lima, Horácio Lafer e para a rua Prof. Atílio Innocenti. Este projeto dá uma ideia da valorização obtida por construções lindeiras à Avenida Faria Lima: mesmo comprando Cepacs pelo preço mais elevado registrado até agora, e pagando por um edifício de 11 andares já demolido para viabilizar o uso do respectivo terreno, ainda assim, o projeto apresenta aparente  rentabilidade, o que significa dizer, como já assinalamos, que o preço esperado de venda do m2 construído deve alcançar níveis muito elevados. Para a construtora terá sido um bom negócio adquirir terreno na Av. Horácio Lafer e transformá-lo em terreno lateral/frontal à Av. Faria Lima. Talvez o diferencial de preços de venda de edificações frontais à Avenida Faria Lima compense pagar por Cepacs (convertidos segundo os índices da Av. Horácio Lafer) preços tão elevados como os praticados nos dois últimos leilões.

A Utilização dos Recursos Obtidos nos dois leilões

No leilão de Cepacs de outubro de 2021, o preço oferecido por alguns dos participantes alcançou níveis mais elevados do que o inicial conforme pode ser observado no quadro abaixo:

CorretoraQuantidadePreço R$ 
Rico117.601 
BTG2.03717,901 
ITAU4.07018.502 
BRADESCO4.27217.601 
    
Total10.38017.601 

O preço final foi de R$ 17.601 (o mesmo do leilão anterior) porque as compras não consumiram a totalidade da quantidade oferecida e, nesse caso, o preço do comprador do maior lote (Corretora Bradesco) é atribuído a todos os demais compradores. É possível que a pequena quantidade total ofertada tenha levado investidores a oferecer preço maior do que o inicial, como foi o caso da corretora ITAU (R$ 18.502) para garantir a aquisição, temendo que a demanda fosse superior à oferta – o que acabou não acontecendo. Porém, este comportamento revela que algum investidor imobiliário, mesmo pagando um preço ainda mais elevado do que o recorde alcançado no leilão de dezembro de 2019, ainda se encaixaria em seu plano de negócios.

O Prolongamento da Avenida Faria Lima: quem se beneficia com a valorização dos terrenos lindeiros?

Uma das obras a serem financiadas com estes novos recursos é o prolongamento da Avenida Faria Lima até a  Avenida dos Bandeirantes (Praça Roger Patti). Este projeto é interessante, pois se realiza depois da Operação Urbana ter sido aprovada e com recursos oriundos da própria operação, ao contrario do que aconteceu com a primeira fase de extensão da avenida como indicamos anteriormente.

O projeto é interessante também por outra razão: o novo trecho da avenida cruzará uma área cuja ocupação se assemelha à existente antes da primeira fase da extensão, isto é, constituída por residências unifamiliares de baixa densidade em pequenos terrenos que se valorizarão muito com a construção do novo trecho da Avenida, especialmente os imóveis que o novo traçado situar em posição frontal a ela. Duas opções técnicas foram apresentadas como pode ser visto na.

A solução proposta originalmente seria o prolongamento da Faria Lima a partir do ponto de enlace com a av. Hélio Pelegrino e em diagonal até a rua Gomes de Carvalho e a conjunção desta com a rua Ribeirão Claro ligando-se, a partir dali, com a av. dos Bandeirantes; a alternativa (que parece ser a mais viável) seria utilizar um pequeno trecho da av. Hélio Pelegrino e dela uma ligação em linha reta com a rua Ribeirão Claro até a av. dos Bandeirantes. A primeira solução demandará a desapropriação de 95 imoveis a um custo aproximado de R$ 133,1 milhões e a proposta alternativa – desapropriações de 78 imoveis – a um custo de R$ 89,4 milhões. Qualquer das duas soluções deverá contar com longo trecho da rua Ribeirão Claro, sendo que a maioria das desapropriações para o alargamento da rua será feita pelo lado esquerdo (ímpar). No lado direito (par) – que se tornará frontal ao prolongamento da Av. Faria Lima– vários imóveis já estão em poder de pessoas jurídicas, a maioria empresas construtoras e incorporadoras como pode ser observado no quadro II abaixo:

                                       Quadro II

Imoveis da rua Ribeirão Claro em poder de Pessoas Jurídicas especialmente construtoras e incorporadoras: área do terreno, área construída, valores e grau de obsolescência.

NúmeroATACPJ e Const. Incorp.$T m2$C m2OBSol.
1942.9763.502Evans Importadora372716240,59
440300160Amira Incorporação e emp.326610740,39
468400210Vitacon  0,57
470182130Vitacon326611890,39
456200190Vitacon326617260,42
448200100Vitacon326610740,48
345426371Lumare Adm e Part334724570,45
658100120Tebas Emp. Part34121816,0,39
  60230120Sedalapi Const. Part.28451726,0,39
  30  9592ACL Incorp. Adm.2845,17260,32
134350282Ipiranga prod. Petroleo.283111890,91
       

Fonte PGV 2020

É interessante observar que construtoras e incorporadoras adquiriram terrenos em ruas e avenidas transversais à rua Ribeirão Claro, constituindo uma continuidade de áreas e resultando – uma vez remembrados – em glebas maiores compatíveis com projetos verticais de grande porte característicos da Avenida Faria Lima. No Quadro III são registradas os proprietários destes imóveis.

Quadro III

Imoveis (número da rua) em poder de imobiliárias nos cruzamentos da Av. Dr. Cardoso de Melo e das ruas Gomes de Carvalho, Prof. Vahia de Abreu e Alvorada com a rua (lado par) Ribeirão Claro.

ConstrutoraAv. Dr. Cardoso de Melo-númerosR. Prof. Vahia de Abreu NúmerosR. Gomes de Carvalho númerosR Alvorada   números 
Vitacon564, 570, 639, 633 640, 666, 676 
Amira  531, 541, 551,  555  
Área Total m24202251.2008402.685

Fonte PGV 2020

Além dos imoveis registrados no Quadro II, no lado par dos quarteirões da rua Ribeirão Claro que passarão a ser frontais à Av. Faria Lima, cerca de 23 deles (do número 432 ao 696, segundo registros da PGV 2020) ainda se mantém em poder de pessoas físicas, embora já possam ter sido transacionados com empresas imobiliárias, uma vez que os registros dos novos proprietários podem demorar algum tempo. Estes imóveis são antigos e construídos em terrenos de pequena dimensão como pode ser observado no quadro III abaixo:

                                Quadro III

Imoveis do lado par da rua Ribeirão Claro em mãos de pessoas físicas:

 Terrenos Área menos de 100 m2De 100 a menos de 150 m2 de 150 ate 360 m2Total
Quantidade de imoveis     6      14323
Área m25101.9789703.458
     

Fonte PGV 2020

Observa-se que são imóveis de mais de 50 anos em terrenos pequenos (menos de 200 m2) e coeficiente de aproveitamento efetivo em média inferior a 1,0. Provavelmente, estes imóveis serão adquiridos – se é que já não foram (a PGV de 2021 ainda não foi publicada) – por construtoras e incorporadoras que os remembrarão e construirão edificações verticais contando com duas vantagens importantes para os investimentos imobiliários: por tratar-se de área pertencente ao perímetro da OU Faria Lima, o CA Máximo pode alcançar 4,0 e, sendo a área do setor Olimpíadas e do subsetor no qual cada Cepac pode equivaler a um máximo de 2,5 m2 (para fins residenciais), resultaria em preço por m2 de direitos de construção de R$7.040  (R$ 17.601/2,5), compatível com a lucratividade de empreendimentos imobiliários frontais à Av. Faria Lima, os quais podem alcançar preços variando de 40 a 45 mil reais o m2.

Também é possível que o prolongamento da avenida permita a ampliação da quantidade de metros quadrados de construção na área da operação urbana, fato que contribuirá para o aumento da oferta de Cepacs e manutenção de seus preços de venda que se situam em patamares elevados, impedindo que aumentem ainda mais. Para que se tenha uma ideia dos diferenciais de valores, basta observar que em 2020 a PGV registrava na Av. Faria Lima valores do m2 de terreno que variavam entre R$ 17.606 e R$ 9.989 e na rua Ribeirão Claro valores variando entre  R$ 3.727 e R$ 2.831.

Os proprietários de terrenos que passarão a ser frontais ao prolongamento da Avenida Faria Lima serão beneficiados com a valorização de seus terrenos e não existem instrumentos imediatos para a captura da mesma (ou, pelo menos, parte dela) pela administração municipal, embora este investimento (o prolongamento da avenida) seja financiado pela venda de potencial construtivo em leilões de Cepacs. Creio que seria importante alterar os índices de conversão de Cepacs em m2, rebaixando-
-os de 2,5 para 1,0 e/ou instituir um mecanismo semelhante ao de contribuição de melhoria para que esta valorização criada exclusivamente pelo investimento publico possa ser recuperada e utilizada em beneficio da população.

Paulo Sandroni é economista, Graduado pela FEA-USP em 1964, mestre em Economia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Foi professor da Faculdade de Economia da PUC-SP e da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro, trabalhou na Universidade do Chile e na Universidade de Los Andes, em Bogotá. Atualmente é professor da Escola de Administração de Empresas , da Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo e da Faculdade de Economia e Administração da PUC-SP, também é fellow do Lincoln Institute of Land Policy e colaborador da Rede BrCidades.

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

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