Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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O que tem a ver queda de aprovação do governo Lula com o hype do filme ‘Ainda Estou Aqui’?, por Wilson Ferreira

Enquanto a esquerda terceiriza a defesa no Judiciário, a grande mídia bomba a inflação dos alimentos: ninguém come Democracia!

no Cinegnose

O que tem a ver queda de aprovação do governo Lula com o hype do filme ‘Ainda Estou Aqui’?

por Wilson Roberto Vieira Ferreira

Nessa noite o filme “Ainda Estou Aqui” disputa três estatuetas do Oscar: Melhor Filme, Atriz e Filme Internacional. Que este humilde blogueiro consegue lembrar, nenhuma indicação brasileira ao Oscar nos anos 1990 como “O Quatrilho”, (1996) “O Que é Isso Companheiro” (1998) e “Central do Brasil” (1999) mereceu tal comoção típica de uma final de copa do mundo – pelo contrário, eram vistos até com ceticismo. Por quê? Quase como marketing involuntário ao filme, um homem foi preso por tentar invadir STF; polícia achou bomba com suspeito. De repente, o filme criou uma unanimidade: a agenda da urgente necessidade de defender a Democracia. Enquanto a esquerda terceiriza a defesa no Judiciário, a grande mídia bomba a inflação dos alimentos: ninguém come Democracia! E a pesquisa Quaest divulga que a aprovação do Governo Lula desce a ladeira. “Ainda Estou Aqui” se aproveita do zeitgeist pós-8/1, aumentando a paranoia do golpismo. Resultando num governo perdido entre duas agendas: a macro (Democracia, direitos humanos etc.) e micro (carestia, políticas de distribuição etc.). Quaest e “Ainda Estou Aqui” são uma infernal dobradinha psyOp.

Não preciso lembrar que o dia de hoje (domingo de carnaval, 02/02) está sendo encarado, por todos os lados, como uma final de Copa do Mundo – o filme Ainda Estou Aqui disputa três categorias Oscar: Melhor Filme, Atriz e Filme Internacional.

Apesar do tema espinhoso sobre violência política (prisão, tortura e desaparecimento do ex-deputado federal Rubens Paiva na ditadura militar em 1971), conseguiu criar uma unanimidade (como veremos voluntária e involuntária) dentro do espectro político:

(a) Para a Globo (“revolucionária” de primeira hora ao participar da gestão da derrubada do presidente Goulart em 1964 desde o início), a chance de se reinventar com a Globo Filmes e conquistar espaço comercial no mercado internacional de cinema e audiovisual. Isto é, ir além do modelo mercadologicamente ultrapassado da TV aberta.

(b) Para a direita-centrão, o filme é um documento sobre algo que não queremos que retorne. Não porque seja ideologicamente contra militares dando golpes de Estado. Mas porque descobriram algo melhor: as relações perigosas entre extrema-direita e Big Techs – golpes sem a sujeira e estardalhaço da presença dos milicos.

(c) A Extrema-direita entra involuntariamente nessa unanimidade. Para ela, Ainda Estou Aqui é a confirmação da paixão esquerdista da “Globo lixo”. O que acaba dando à Globo o álibi necessário da “luta pela Democracia” – aos olhos progressistas, de repente a Globo virou um aliado contra a extrema direta.

(d) E para a Esquerda, o filme seria uma advertência sincera não só de que aqueles tempos podem voltar, como também a necessária agenda urgente da Esquerda de defender as instituições democráticas. Em constantes ameaças vindas da extrema direita.

Ao lado dessa unanimidade, tivemos um evento tão sincrônico que, alguém mais cínico, diria que foi uma ação de marketing para promover o filme:

Homem é preso por tentar invadir STF; polícia achou bomba com suspeito – O suspeito pulou a cerca do tribunal e tentou entrar no prédio na última quarta-feira. O homem, que não teve o nome revelado, “proferiu diversas ameaças, ofensas e hostilizações a ministros do Supremo”, segundo a Polícia Civil do DF. O homem foi preso dois dias depois da invasão. Ele foi encontrado ontem em sua casa em Samambaia, na região metropolitana de Brasília, após a investigação apontar que ele “planejava ações extremistas” – UOL, 01/05/2025 – clique aqui.

Às vésperas da noite do Oscar, eventos como esse comprovariam a atualidade e urgência de Ainda Estou Aqui – aqui em 2025, como lá em 1971, a Democracia é uma instituição em perigo que ainda precisaria ser defendida.

Logicamente isso jamais vai sensibilizar o colegiado em Los Angeles que aponta as produções premiadas. Mas vai reforçar a PsyOp brasileira interna daquilo que conceituamos como “pedagogia do medo” – paralisar estrategicamente a Esquerda mediante a paranoia de um suposto golpe de Estado que pode vir de algum lugar. Resultando na alteração da práxis política: o ativismo político dando lugar à terceirização através da judicialização… Somente Xandão e o STF poderão nos salvar das aventuras golpistas.

Sem uma filosofia da práxis, a Esquerda docilmente cai nas chantagens do Centrão e do “parlamentarismo orçamentário”.

A questão é que Ainda Estou Aqui se promove como um alerta de como, se ficarmos desatentos, tempos de violência ditatorial podem voltar O problema é que nunca se foram – nas favelas e periferias, o drama da família Paiva continua exponencialmente. Não é algo que “pode voltar”. A continuação híbrida da ditadura militar elegeu um novo inimigo interno, não mais os “comunistas” das classes médias: agora são os pobres, negros e periféricos que tomam bala, bomba e porrada.

Pesquisa Quaest e Ainda Estou Aqui

Não é por menos que acendeu a luz vermelha no Governo após a última pesquisa Quaest dando conta de que a desaprovação a Lula ultrapassa 60% em SP, RJ e MG; além aprovação cair mais de 15 pontos na BA e em PE, tradicionais redutos eleitorais do PT.

Não é mera coincidência, de um lado, o hype em torno do Ainda Estou Aqui; e, do outro, a queda da aprovação de Lula nas pesquisas – ambos os temas, lado a lado, repercutidos com toda pompa e circunstância pelo jornalismo corporativo.

É inegável que o filme brasileiro reforçou a percepção da ameaça à Democracia num contexto pós-8/1.

Ardilosamente, a pedagogia do medo levou Lula e o PT a se concentrarem em temas, por assim dizer, macro: a defesa da Democracia, a campanha pela punição dos golpistas do 8/1, o crescimento dos índices macros econômicos como o PIB e a queda do desemprego – o que confirmaria a tese de que a Democracia faz bem à economia.

Mas a grande mídia sabe que tudo isso é etéreo para a maioria silenciosa – aquele espectro amplo da população alheio às polarizações e atento apenas com as contas no final do mês: ninguém come “democracia”, e toda relação causa-efeito entre democracia e economia cai por terra com o novo hype: a inflação dos alimentos – crise potencialmente autorrealizável ao sabor do escândalo midiático que molda expectativas, misturando sazonalidade com estrutural.

Que este humilde blogueiro consegue lembrar, nenhuma indicação brasileira ao Oscar nos anos 1990 como O Quatrilho, (1996) O Que é Isso Companheiro (1998) e Central do Brasil (1999) mereceu tal comoção típica de uma final de copa do mundo – pelo contrário, eram vistos até com ceticismo.

Mas Ainda Estou Aqui surge num momento bem especial. 

Para além das suas ironias inerentes que revelam como a luta de classes brasileira é cordial: diretor Walter é um dos herdeiros da família Moreira Salles, dona do Itaú-Unibanco, o maior banco do país, com os maiores lucros proporcionais do planeta, cuja fortuna veio da escravidão e da reforma bancária da ditadura militar. 

Além do filme buscar o reconhecimento no braço ideológico do Império, Hollywood – cujas produções fílmicas e audiovisuais serviram de cimento ideológico para a classe média brasileira apoiadora do “Milagre. Econômico” da ditadura militar dos anos 1970.

Mas, principalmente, Ainda Estou Aqui surge quando o fusível Bolsonaro está sendo devidamente queimado.

E Tarcísio de Freitas, blindado como “O Moderado” (clique aqui e veja alguns exemplos da construção semiótica da blindagem), para 2026 enquanto PT, Lula e esquerda estão sendo docilmente levados para o abatedouro eleitoral.

Tudo porque a pedagogia do medo alterou profundamente a práxis política. Como as ameaças à Democracia saltam de todos os lados, nada melhor do que judicializar ou terceirizar a ação política.

Enquanto a grande mídia diz aos brasileiros que ninguém come Democracia.

Wilson Roberto Vieira Ferreira – Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no “Dicionário de Comunicação” pela editora Paulus, organizado pelo Prof. Dr. Ciro Marcondes Filho e dos livros “O Caos Semiótico” e “Cinegnose” pela Editora Livrus.

6 Comentários

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  1. O Brasil fala de inflação, mas foge de resolver os problemas que causam inflação. Porque devem existir causas para o piso colocado à inflação no País. Interessante é que nunca nenhum governo tem qualquer mérito acerca de eventual melhora seja ela em que área for. Mas quando o assunto é inflação, não existem outros culpados. Os setores da economia brasileira não são, ou não estão melhores única e exclusivamente por causa dos governos e da inflação. A inflação no Brasil é tratada como se fosse uma infecção e o único medicamento existente é o antibiótico dos juros. O País inteiro aceita isso. O receio desse monstro obriga tudo e todos ao sofrimento preciso da elevação dos juros. Enquanto isso o País pouco sai do lugar. Uma coisa é a decisão do FED sobre a taxa de juros dos EUA, que por causa do dólar interessa a todo mundo. O Brasil pára a cada 45 dias esperando , esperando, esperando e vai continuar esperando. A taxa de juros não vai produzir o Brasil, quem tem que produzir a taxa de juros é o País. Esse e outros governos cortaram pra fazer ajustes fiscais, e a economia do País continua como antes.

    1. Os Brasileiros copiam os estadunidenses em muitas coisas… ruins. Mas quando o que vem dos EUA é bom, os brasileiros rejeitam. Por exemplo:

      “Nesta terça-feira (25), o deputado Frank Lucas, chefe de um novo painel do Congresso norte-americano que está se preparando para fortalecer a supervisão do BC dos EUA pelo Capitólio, disse à Reuters que planeja uma ampla revisão de como a instituição toma suas decisões sobre juros, INCLUINDO SE O CONTROLE DA INFLAÇÃO DO PAÍS DEVE SER PRIORIZADO EM RELAÇÃO À PROTEÇÃO DO EMPREGO”.

      Aqui nestes Tristes Trópicos elevam-se os juros prá estratosfera, arrefecendo a economia e, em consequência do arrefecimento da atividade econômica, dispensam-se trabalhadores, enquanto os especuladores se locupletam (com as absurdas taxas de juro) e a inflação, que segue seu curso independentemente da elevação da taxa de juros, piora o poder de compra dos trabalhadores.

      Galípolo, quando o Senhor for tomar suas decisões sobre a taxa de juros, pense se o controle da inflação (fake) e o consequente locupletamento dos especuladores devem ser mais importantes do que a proteção do emprego.

  2. “Se a inflação voltar a subir muito acima da meta do Fed, a instituição pode promover novas altas nos juros do país. Juros maiores tornam a tomada de crédito pela população e empresas mais caro e, por isso, o consumo tende a reduzir, tirando a pressão sobre a inflação”.

    Esqueceu de complementar que a redução do consumo arrefece a economia, gerando menos negócios, fechando empresas e causando desemprego.

    1. A presidente do Federal Reserve de San Francisco, Mary Daly, disse nesta terça-feira (18) que, embora não haja motivo para desanimar com o progresso instável e às vezes imperceptível em direção à meta de inflação de 2%, o banco central dos Estados Unidos deve manter os custos dos empréstimos no nível em que estão no momento até que o progresso seja mais visível.
      “A política monetária precisa permanecer restritiva até… eu ver que estamos realmente continuando a progredir em relação à inflação”, disse ela em uma conferência de bancos comunitários organizada pela American Bankers Association.
      “A meu ver, queremos ser cuidadosos… antes de fazermos o próximo ajuste” para garantir que haja pressão suficiente para a queda da inflação sem prejudicar o mercado de trabalho.

  3. Para a imprensa golpista, a situação na Argentina está bem melhor. Lá não há mais inflação. A demanda foi zerada, pois, à exceção de meia dúzia de privilegiados, a população argentina está vivendo na miséria. Se aqui houvesse fila para comprar ossos, como no tempo do Bolsonaro, a imprensa estaria feliz.

    Quanto à terceirização da defesa no Judiciário pela esquerda, o Alexandre de Moraes é o nosso herói. Infeliz a Nação que precisa de heróis

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