A polêmica questão da auditoria da dívida pública, por Luis Nassif

Há um preço pesadíssimo que o país pagou ao longo de décadas, com a subordinação ignorante e interessada a teorias monetárias que visavam exclusivamente proporcionar ganhos ao capital em períodos inflacionários, com as jogadas sucessivas de juros e câmbio. Mas não há maneira de recuperar o leite derramado.

Um tema que tem merecido muita polêmica é o da auditoria da dívida pública. Parte da dívida pública foi constituída com títulos sem valor legal. Uma auditoria consistiria em expurgar da dívida esses títulos sem validade ou de procedência duvidosa.

Ao longo dos tempos, houve inúmeros golpes com as chamadas “moedas podres”. Aliás, acho que fui o primeiro a cunhar o nome, na primeira coluna que marcou minha ida à Folha no início dos anos 90.

Na época, Fernando Collor permitiu que títulos da Siderbrás, Sunamam (Superintendência da Marinha Mercante) pudessem ser utilizados nos leilões de privatização. Foi uma das grandes tacadas do período porque incides se anteciparam e compraram títulos pagando merreca.

Houve muitas outras tentativas de golpes com títulos vencidos, como foi a tentativa de escritórios de advocacia dos anos 90 de quitar passivos fiscais com títulos públicos do início do século. O principal mentor do golpe terminou preso.

Em uma fase complexa para o país, de moratória da dívida externa, Oswaldo Aranha teve a ideia de exigir dos credores a autenticidade dos títulos de cobrança, a ser conferida pelos países de origem. Conseguiu reduzir substancialmente a dívida.

Mesmo assim, o tema da auditoria é complicado pelo seguinte.

Lá atrás, algum aventureiro bem posicionado conseguiu transformar títulos sem valor em certificados de dívida pública. Esses títulos foram incorporados à dívida e passaram a ser negociados no mercado. A partir dali, rodaram de mão em mão. Se a origem foi um título podre, não há como desfazer todos os negócios que foram fechados em torno dele, nem mapear o roteiro percorrido pelo títulos desde que estou no circuito da dívida pública.

Ora, a dívida pública serve para remunerar capital de giro das empresas, fundos de investimentos, de investidores pessoa física. Como fazer para separar a moeda podre da real? Não tem jeito.

A auditoria só teria alguma razão se feita em cima do titular final da dívida. Por exemplo, alguém que anuncia um precatório contra a União sabidamente superfaturado ou falso.

O grande peso da dívida pública se deve às taxas de juros praticadas ao longo de várias décadas. A título de exemplo. No plano Real a dívida de São Paulo era de R$ 50 bilhões. Os títulos estaduais pagavam um percentual a mais do que as taxas do Tesouro. Mário Covas começou a negociar com a União. Quando terminou a negociação, meses depois, a dívida tinha dobrado. Quando a negociação foi finalizada, tinha triplicado.

Há um preço pesadíssimo que o país pagou ao longo de décadas, com a subordinação ignorante e interessada a teorias monetárias que visavam exclusivamente proporcionar ganhos ao capital em períodos inflacionários, com as jogadas sucessivas de juros e câmbio. Mas não há maneira de recuperar o leite derramado.

Luis Nassif

3 Comentários

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  1. Confesso que, em outros tempos, eu me sentiria entusiasmado com a oportunidade de fazer algum comentário a respeito desse assunto, que tem prendido minha atenção, desde que me tornei, de acordo com a atual nomenclatura, um desalentado.
    Já vou perdendo a disposição. Acho que me sinto, mais ou menos, como o Armando Coelho Neto.
    E não por preguiça, mas por perceber que não é útil, não ajuda ninguém.
    Ou talvez o peso do mantra que venho repetindo, em alguns comentários aqui no GGN, e que há anos pipoca na minha mente:
    ‘Não há fraude no sistema financeiro. O sistema financeiro é, em si, uma fraude.’
    E a essa fraude estamos, todos, submetidos.

  2. O ponto principal deveria ser uma auditoria da divida CIDADÃ, onde se verificasse os juros de agiota dos bancos e simplesmente eliminasse as dívidas de cartões, cheque especial e outros empréstimos ao cidadão.

  3. Tenho feito comentários críticos à tal Auditoria da Dívida. Até recebi uma resposta bronqueada da professora que lidera o movimento em algum fórum.
    Minha postura é de aposentado que se tornou credor do estado e portanto, rentista. Se algum dos títulos que possuo foi emitido em substituição a um esqueleto do passado, terei que perder o dinheiro que ganhei com trabalho para comprar tal título? O post do Nassif cobre muito bem esta minha preocupação.
    A turma do exército contra o sistema da dívida nunca me responde esta questão. Qual a chance de uma auditoria descobrir uma maracutaia na origem? Alguém que conheça como são feitas auditorias acredita mesmo que este tipo de atividade consegue encontrar coisas bem escondidas? Na minha experiência, os grande bodes sempre foram revelados por um não auditor. O auditor vem depois apenas para formalizar o processo.
    Que tal os economistas gastarem seu tempo bolando um programa para fazer com que o país elimine sua dívida pagando-a. Tenho certeza que é possível e o mal feito pela dívida ficaria no passado, para ser explorado pelos historiadores e advogados. Isto foi feito com a dívida externa, não foi? Que tal chamar de volta para o governo aqueles que provaram que sabem fazer isto?

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