As lições do fracasso do ultraliberalismo latino-americano

O despertar do Chile, as eleições na Bolivia, o fracasso de Macri, na Argentina, ainda não foram suficientes para despertar a chamada inteligentzia brasileira.

Arte Brasil de Fato

A definição abaixo está em um blog de Análise de Economia em Tempo Real.

O aluno entra no curso de economia e aprender como agentes racionais atuam em mercados sem atrito, produzindo um resultado que é melhor para todos. Só mais tarde aprender as distorções e perversidades que caracterizam o comportamento econômico real, como práticas anticompetitivas ou mercado financeiros instáveis. Conforma os alunos avançam, há uma tendência crescente para a elegância matemática. Quando o mundo real, mais feio, se intromete, levanta-se uma questão central: isso está muito bem na prática, mas como funciona na teoria?

Há muito tempo, a economia tornou-se uma arma de guerra ideológica. Por analisar fenômenos complexos, permite as chamadas carteiradas acadêmica, o sujeito escudando-se em um diploma em faculdade conceituada, expondo relações de causalidade claramente falsas, que não resistem à mais leve observação empírica.

Foi assim no Chile de Pinochet. Se reduzir o Estado, privatizar a Previdência, os serviços de saúde, as estatais, haverá um dinamismo econômico em que todos ganharão. 40 anos depois, os chilenos encaram o fracasso e a incapacidade do Estado nacional de oferecer segurança aos seus cidadãos.

Um plebiscito aprovou uma Constituinte exclusiva para definir um novo modelo de país, reinstituindo direitos e garantias fundamentais, abolidos com a privatização selvagem que acometeu o país.

Mas chama a atenção a demora em reverter o desenho instituído pelo ditador Pinochet. Passaram pelo poder vários presidentes de centro-esquerda. Qual a razão para tanta demora em corrigir falhas que eram nítidas há décadas?

Aí entra um ponto complicado. O modelo Pinochet consolidou grandes grupos financeiros, que adquiriram enorme poder de influência no Estado. Foi necessário uma crise da proporção da atual para remover essas resistências.

O mesmo aconteceu com o Brasil em todo o período Lula-Dilma. Avançaram-se em várias políticas sociais relevantes. Mas os pontos macroeconômicos centrais – políticas monetária e cambial – foram mantidos intocados, para não descontentar o enorme poder político conquistado pelo setor financeiro.

Acontece que esse tipo de modelo ultraliberal – inaugurado mundialmente no Chile de Pinochet e na Argentina dos generais e, depois, de governos peronistas, não tem viabilidade política porque não atende a dois princípios básicos: 1. Promover o desenvolvimento; 2. Promover bem estar social.

Não se alcançam esses objetivos, devido ao foco central dessas políticas, que é atender às demandas dos grandes grupos, o que passa pela redução dos gastos sociais, pelos cortes em políticas de desenvolvimento, pela privatização selvagem, sem analisar os impactos sobre a economia em geral. Sem a atuação do Estado, o capitalismo tende à concentração econômica e não há maneiras de consolidar políticas sociais.

As políticas econômicas se tornam totalmente subordinadas aos interesses imediatos do capital financeiro e a incapacidade de afrontar esses interesses faz com que os governos não se vejam com condições de corrigir o rumo da política econômica, para impedir grandes desastres. Foi assim com José Alfredo Martinez de Hoz, Ministro da Economia do regime militar argentino; e com Domingo Cavallo, Ministro da Economia do governo Menem. O objetivo único é subordinar as políticas monetária e cambial aos interesses dos grupos de influência e desmontar todo serviço público que possa interessar ao setor privado, como educação, saúde, segurança.

Por isso mesmo, esse modelo só consegue ter vida longa em regimes ditatoriais.

A repetição dos erros se deve, primeiro, à dificuldade do cidadão comum entender relações de causa e efeito de medidas econômicas. Por exemplo, como explicar ao cidadão americano comum que a economia explodindo no início do governo Trump se devia a medidas tomadas, antes, por Barak Obama?

O despertar do Chile, as eleições na Bolivia, o fracasso de Macri, na Argentina, ainda não foram suficientes para despertar a chamada inteligentzia brasileira. A enorme mediocridade dos principais poderes – Supremo, mídia, Congresso, Forças Armadas -, a influência intocada do mercado, fará com que a ficha só caia mais adiante, após mais alguns anos do mais longo processo de recessão inútil da história.

10 Comentários

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  1. A direita ganhou muito dinheiro no governo do PT. Só que ela não aceita ser governada por um nordestino que não faz parte do grupelho deles… esse é o grande problema.

  2. A defesa de um keynesianismo nacional desenvolvimentista é comovente, mas inútil.
    A queda histórica e continuada das taxas. de lucro do capital, associadas às permanentes e correlatas depreciações rendas do trabalho, ao mesmo tempo que o antivalor cresce exponencialmente alertam que:
    O nacional e o desenvolvimento baseado na organização capitalista de produção (cada vez mais desorganizada) estão no fim.

  3. O grande problema a ser enfrentado é essa gentileza que se tem com usurpadores do Estado. Não dá para qualificar golpistas e assemelhados como ultraliberais.
    Esse pessoal que assacou o Estado precisa ser tratado como tal.ao rotularmos como ultraliberais possibilitamos a eles que continuem o seu trabalho incessante de manipulação de grande parte da população que ainda acredita tratar-se de uma outra forma de governo,o que é um equívoco.
    São assaltantes do poder do Estado.
    Outro fator determinante,juntamente com essa rotulação de passar o pano,é o papel preponderante da mídia não somente na formação do pensamento como na eliminação de opositores através da censura.
    Também não dá para creditar todas as falhas somente ao “ultraliberalismo” sem avaliar a questão preponderante no enorme poder político e econômico dos falcões do norte.
    Somente para termos uma ideia do que estamos falando basta lembrar que o PIB boliviano é de pouco mais de US$45 bilhões,o chileno de quase US$300 bilhões,o colombiano de pouco mais de US$300 bilhões,o argentino de US$550 bilhões e o brasileiro de pouco mais de US$1,8 trilhão,contra mais de US$20 trilhões dos falcões do Norte.
    Só com esse dados já é possível entender a força de uns e a fraqueza de outros.dá para entender,por exemplo,porque os falcões do norte precisaram e precisam do Brasil como sua arma de dominação não somente na América Latina mas também em boa parte dos países em desenvolvimento.
    São esses falcões,aliados aos falcôezinhos de cada um dos países carinhosamente chamados de ultraliberais que determinam o fracasso das políticas públicas voltadas ao bem estar do Estado e o assaltam todoas os dias com o beneplácito da mídia e dos incautos por ela enganados.

  4. As Elites Tupiniquins só enxergam aquilo que o cabresto permite. O raio de visão é sempre o mesmo. A América Latina está dando um chute na bunda do Caudilhismo, no DonSebastianismo, nos Projetos Ditadores Esquerdopata – Fascistas, que cooptam Sindicatos Pelegos e Entidades de Classe com Verbas, Cargos e Ministérios em Governos Absolutistas fingindo uma farsa de Democracia. A Opinião Livre, Soberana, Democrática, Facultativa do Povo promove revoluções na Bolívia, Paraguai, Chile, Argentina, Peru,….O ‘Anão Diplomático’ que deveria ser o carro-chefe de toda região, novamente dormindo em ‘berço esplêndido’. Pobre país rico. Doutrinados esperam pela volta de Dom Sebastião Criminoso, quando este se livrar das Condenações e Justiça. Mas de muito fácil explicação. .

  5. Ao desdemocratizar o Estado o neoliberalismo transformou as eleições num ritual vazio. A fórmula lapidar desse fenômeno foi dita a Yanis Varoufakis pelo representante alemão numa reunião do Eurogrupo: “Elections cannot be allowed to change economic policy.”

    Desde que foi criada a principal característica da democracia é justamente o contrário dessa formula.: “Elections are the only way to change economic policy.” Ao perpetuar a crise distributiva impossibilitando à democracia cumprir sua principal função, o neoliberalismo cria um paradoxo. Só é possível se libertar dele restaurando o regime democrático. Mas para fazer isso é preciso destruir as democracias ocidentais desdemocráticas.

    Esse paradoxo sugere duas questões intimamente ligadas delicadas. A primeira diz respeito à politica. A segunda diz respeito à economia.

    O neoliberalismo operou o deslocamento do poder do Estado (esfera pública) para os Bancos (esfera privada). Como fazer a política penetrar num ambiente dominado pela propriedade sem causar uma ruptura com o próprio conceito jurídico de propriedade? Fenômeno global, o neoliberalismo criou uma relação permanente de dependência entre os Estados desdemocratizados endividados e os fluxos financeiros que não respeitam as fronteiras nacionais. É possível restaurar a democracia num único Estado?

    O que ocorreu na Grécia é extremamente significativo. A vitória da extrema esquerda resultou numa capitulação quase imediata. O internacionalismo parece ser a solução. Mas ele esbarra tanto na falta de financiamento quanto na dependência das redes de comunicação virtuais que estão em condição de frear a circulação circular de conteúdos considerados indesejados pelos proprietários dos novos meios de comunicação.

    Uma catástrofe global (estou me referindo aqui à III Guerra Mundial e não à Pandemia, pois ela já está sendo utilizada para reestruturar, consolidar e reforçar o poder neoliberal) me parece ser a única coisa capaz de desativar e/ou destruir os mecanismos que possibilitaram o sequestro da política pela economia e a submissão total dos Estados aos Bancos que governam tudo e todos em quase todos os países. Esse conflito me parece inevitável, mas ele não será o resultado de uma disputa ideológica (como no caso Guerra Fria) e sim da ganância pelo controle das reservas petrolíferas da Venezuela e do Irã.

    Aristóteles acreditava que a amizade era a única coisa capaz de preservar a paz social entre ricos e pobres, possibilitando algum tipo de redistribuição de riqueza através da política. A história prova satisfatoriamente que a crença dele nunca se transformou em realidade, pois os gregos eram humanos essencialmente humanos. Os conflitos entre nós não são diferentes daqueles que existiam entre eles. O resultado deles, porém, será muito diferente.

    O Estado de bem estar social foi criado sob os escombros da II Guerra Mundial. A III Guerra Mundial, que começará com o uso de armas convencionais e evoluirá rapidamente para um suicídio planetário termonuclear provocará o colapso de todos os Estados, o fim da economia e da política, a destruição do conceito de propriedade e o inevitável comprometimento da vida no planeta. A outra alternativa seria substituição do medo (sentimento que engendra tanto o direito de propriedade quanto o desejo de agredir qualquer um que o desrespeitar) pela esperança (sentimento que permite a cooperação e o compartilhamento pacífico de recursos escassos).

    Uma paz permanente no cemitério planetário parece ser o único futuro plausível.

  6. Também considero uma limitação tratar política monetária (juros e câmbio) como as únicas armas da gestão econômica. Tem a política de rendas, que é muito mais importante e até certo ponto contém o neoliberalismo do campo monetário. Aí reside o sucesso dos governos petistas. A economia respondeu à corrente da renda mesmo com enormes restrições monetárias e cambiais.
    O ultra liberalismo se manifesta no Brasil mas não conseguiu subordinar tudo, como no Chile. Não seria o caso de afirmar a força de resistência do povo brasileiro que, se não eliminou a ameaça ultra liberal, foi capaz de limitar seus ímpetos? Não estamos esquecendo que fomos capazes de resistir, correndo o risco de desaprender como se enfrenta?

  7. A grande tática do neoliberalismo, que na América Latina deveria mudar de nome para Esseanonaodeuanoquevemvai, é inventar problemas que eles possuem a solução, desviando o foco da grande atrocidade da desigualdade social.

  8. Eu penso que a eleição do Bolsonaro foi um acidente na história do Brasil. Ninguém esperava, começando por ele. Lembro bem quando saiu uma pesquisa em que ele passou de 23% para 28%. Ficou todo mundo perplexo. Era pra ser Geraldo Alckmin o presidente, tanto que ele já tinha levado todo o Centrão. A implosão do PSDB foi absolutamente inesperada.
    Não será por muito tempo esse quadro danoso.

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