As vantagens do investimento público sobre o externo, por Luís Nassif

Falta Lula entender que sua dimensão internacional tem que ser aproveitada, agora, para a montagem de um plano de desenvolvimento legitimador

Os cabeças de planilha como o pensamento político da era FHC repetiu os equívocos de Rui Barbosa

Ontem, me excedi em relação ao Ministro Fernando Haddad devido a um mal entendido recíproco. Já nos acertamos e peço desculpas pelo meu desabafo. Haddad é um homem público impecável, o melhor Ministro da Educação que o país teve. Mas mantenho as restrições à sua atuação como Ministro da Fazenda.

Há décadas o país está preso à armadilha das políticas de austeridade, todas tendo em vista agradar o grande capital, na ilusão de que, abrindo espaço para o livre fluxo de capitais, ele transbordaria dos países centrais para os periféricos, trazendo desenvolvimento. Desde Campos Salles vive-se essa fantasia.

Nos anos 50 o país desenvolveu-se enfrentando crise cambial e fiscal. Nos anos 80 cresceu apesar de uma dívida externa sufocante. De 1995 em diante, a economia estagnou, devido à aplicação ininterrupta de políticas de austeridade. Quem não se lembra de Pedro Malan ou Antonio Palocci afirmando que o país tinha que fazer a “lição de casa”. E o resultado seria o pote de ouro no final do arco-íris?

A lição de casa consistia em cortar gastos sociais, reduzir investimentos públicos, comprimir salários do funcionalismo, permitir livre fluxo de capitais e juros altos para apreciar o câmbio. Enfim, penalizar todos os fundamentos de desenvolvimento econômico, tornando o Estado disfuncional, ignorando seu papel em indutor do crescimento, financiador da inovação, garantidor de direitos sociais.

A dicotomia Estado x setor privado é uma das tolices mais bem sucedidas da história da economia. O grande desafio das Nações é encontrar a melhor maneira de complementar Estado e setor privado. Especialmente nas nações emergentes, o Estado é fundamental para alavancar o setor privado com seus gastos em investimento, crédito, financiamento da inovação, redução das disparidades sociais, fortalecimento do mercado de consumo.

Ontem, Haddad concedeu uma entrevista à Reuters, anunciando nova ferramenta sendo desenvolvida, em conjunto com o Banco Central, visando assegurar aumento dos investimentos externos ao país.

Investimentos externos são essenciais quando o país não dispõe de reservas cambiais e amarga déficits comerciais expressivos. Aí havia a necessidade de dólares para garantir as importações.

E agora, em um regime de reservas cambiais robustas e superávits comerciais crescentes?

Confira as semelhanças e diferenças entre investimento externo e investimento público. Ambos desaguam no investimento privado, já que gastos público é receita do setor privado. Mas há diferenças e semelhanças nos impactos macroeconômicos.

Investimento externo

  1. O investidor externo traz os dólares e troca por reais no Banco Central.
  2. O BC emite reais para efetuar a troca e, em nome das políticas de austeridade, emite títulos de dívida para enxugar a liquidez. Pelos títulos, pagará juros e aumentará a relação dívida-PIB, já que os juros serão superiores aos obtidos pela remuneração das reservas cambiais.
  3. O investidor externo aplicará em atividades internas e terá a garantia de um hedge contra variações cambiais, garantidas pelo BC ou pelo Tesouro. Ou seja, em caso de perdas, é um passivo a mais para o Estado.
  4. É mais provável, porém, que o dinheiro entre para a compra de ativos, não significando nenhum aumento na capacidade produtiva do país.
  5. Lá na frente, haverá um fluxo constante de dividendos sendo remetidos para fora.

Gastos públicos

Qual a diferença de um modelo de gastos públicos?

  1. O BC emite reais para financiar obras ou garantir financiamento para o setor privado, da mesma maneira que emite para converter dólares em reais. Mas, como são gastos dirigidos, não haverá pressão sobre o consumo.
  2. Se quiser seguir a austeridade fiscal, emitirá títulos da dívida para enxugar a liquidez, da mesma maneira que faria com investimentos externos.
  3. Os gastos públicos poderão ser focados em prioridades definidas pelo Estado, obras de infra-estrutura, investimentos em energia verde.
  4. Na frente, o captador do dinheiro começará a quitar a dívida, devolvendo os recursos.

Nos dois casos, o impacto monetário será idêntico.

Em relação à destinação dos investimentos, os gastos públicos poderão ser direcionados de acordo com prioridades definidas pelo governo, levando em conta o aumento da competitividade da economia. No caso do investimento externo, haverá a busca de ativos de maior retorno, em geral empresas já existentes na economia.

Poder-se-ia dizer que, no caso do investimento externo, haveria mais discernimento na seleção de empresas? Mais do que o BNDES, com sua experiência de 70 anos conhecendo e financiando a indústria?

Haveria vantagem do externo apenas se viesse para atrair empresas de outros países, com inovação tecnológica. Mas há inúmeras outras maneiras de atrair essas empresas, especialmente uma economia em crescimento e a possibilidade de se beneficiar da energia limpa brasileira.

O investimento externo exigirá que o governo corra riscos, garantindo o hedge. No caso dos investimentos internos, não existe risco cambial.

No caso de alguma crise grave na economia, haverá o risco de fuga dos capitais externos, não dos investimentos internos.

O grande problema é que essas questões não são decididas pela lógica, mas pelos interesses da financeirização. Criou-se uma lógica férrea, fundada na ideologia mais rasteira, de que não existe nenhuma outra alternativa do que seguir as regras do mercado, as políticas de austeridade, a garantia do livre fluxo de capitais – mesmo sabendo-se de sua atuação deletéria sobre o câmbio, e do câmbio como principal ponte de importação das crises internacionais para o campo interno.

Mas, obviamente, para romper com essas algemas ideológicas, haverá a necessidade de muito mais tempo de estagnação, de muito mais crises, já que a de 2008 não foi suficiente, e a que aparece no horizonte não acordou ainda os ministérios econômicos.

O país precisa de estadistas. Haddad é um grande e sério técnico, não um demolidor de dogmas. Falta Lula entender que sua dimensão internacional – o maior ativo que o país dispõe – tem que ser aproveitada, agora, para a montagem de um plano de desenvolvimento legitimador, que garanta crescimento e justiça social, para capitalizar a enorme necessidade do arco democrático de promover o grande pacto civilizatório nacional.

PS – Por acúmulo de trabalho deixo para o início da próxima semana a coluna com os argumentos dos críticos do NAF (novo arcabouço fiscal).

2 Comentários

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  1. Preciso. Os investimentos externos têm que ser “carimbados”, isto é, entrar para finalidades específicas e congruentes com um plano nacional de desenvolvimento: criação de plantas industriais novas (preferencialmente com parcerias em C&T também), infraestrutura nova. Não para “fazer a feira”. Na prática, continuamos a aplicar por conta própria as políticas do FMI, difusor das ideologias de interesse dos países hegemônicos (que obviamente desejam chutar a escada), mesmo sem qualquer necessidade disso; por mero subdesenvolvimento intelectual e venalidade de nossas elites, corretores da venda do país.

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