Como tornar virtuosa a política de emissão de moeda em lugar de dívida, por Luis Nassif

Tudo cai no orçamento. É o orçamento que define a distribuição tanto da receita fiscal quanto da emissão monetária.

Vou insistir no tema da Teoria Monetária Moderna (MMT) que defende o poder do governo de emitir moeda para atender a demandas prioritárias do país.

Ontem abri novo debate com André Roncaglia, da Universidade Federal de São Paulo, e Fábio Terra, da Universidade Federal do ABC e presidente da Associação Keynesiana Brasileira.

Em geral concordam que o único inconveniente da emissão seria provocar a desvalorização da moeda. A desvalorização é medida ou pela inflação (desvalorização em relação aos produtos internos) ou pela taxa cambial (desvalorização em relação a outras moedas).

A inflação interna ocorre quando há choques de oferta (quebra de safra, por exemplo) ou de demanda (aquecimento excessivo das compras). A emissão de moedas aquece a economia. Se já estiver aquecida, mais aquecimento provoca inflação. Com a economia em processo de deflação (sinal perigoso de cair em depressão), não há a menor possibilidade de aquecer a economia a ponto de haver aumentos de preços.

Portanto, a regra número 1 da emissão de moedas é que seu limite é dado pela ocupação da capacidade instalada do país e pela queda drástica da taxa de desemprego. Chegando aí, para a emissão.

Do lado cambial, o risco maior é o da fuga de capitais – fenômeno que já ocorre desde fins do ano passado. Não haveria razões reais para a emissão de moedas levar a uma fuga de capitais. Pelo contrário, o que poderia espantar os investidores seria um aumento da dívida pública – a alternativa à emissão de moedas.

No entanto, o efeito Pavlov do mercado criou expectativas bizarras, de que qualquer flexibilização das metas fiscais produzirá fuga de investimentos. Essa crença cria a chamada profecia auto realizada – isto é, ocorre não por qualquer relação de causalidade, mas por efeito manada: eu sei que a emissão da moeda não é inflacionária, mas não sei o que os outros investidores acham.

Administra-se a expectativa com um discurso racional, lógico e com controle de capitais – uma possibilidade à mão do Banco Central.

Outra preocupação é em relação ao controle sobre a emissão monetária. Nos países de economia de mercado – e mais acentuadamente no Brasil – as políticas fiscal e monetária sempre foram apropriadas por grupos de interesse. Daí a enorme regressividade na política fiscal, na qual quem ganha menos paga proporcionalmente mais impostos sobre seus ganhos. A possibilidade de se contornar empecilhos fiscais com a emissão de moedas não atrapalharia a busca da justiça fiscal? E como definir controles, para impedir a apropriação indevida dessa flexibilização monetária?

Tudo cai no orçamento. É o orçamento que define a distribuição tanto da receita fiscal quanto da emissão monetária. A emissão, em si, não mudará o quadro atual, de apropriação de parcela relevante do orçamento pelos juros da dívida pública.

Portanto, são duas questões distintas. Uma, é a emissão monetária. Outra, são as formas democráticas de controle do orçamento, que dependem de um avanço da opinião pública, facilitado, agora, pela exposição das iniquidades fiscais pelo Covid-19.

Recorrer à emissão exigirá regras transparentes de aplicação dos recursos em áreas prioritárias.

Por enquanto, há que se suportar analistas despejando de forma uníssona na mídia o discurso de que o rigor fiscal – em uma economia em queda – é essencial para sua recuperação, um discurso tão científico quanto o terraplanismo do gruop político de Bolsonaro.

Mais cedo ou mais tarde, o tema entrará na pauta.

 

Luis Nassif

11 Comentários

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  1. Vejo amigos debatendo – e com razão, o tema não é simples, ao contrário, complexo ao extremo… – a questão da “segurança das pessoas e seus familiares X a necessidade de boa parte da população de sair para não passarem fome…” – É óbvio que a maioria insiste, que o valor da saúde, da vida, é superior a qualquer outro! Mas sim, resta um dilema: e quando a fome, o corte da luz pelo não pagamento, batem à sua porta, o que fazer?!? – A questão, É QUE EM UM PAÍS GOVERNADO COM COMPETÊNCIA E REALMENTE VOLTADO PARA AS URGENTES NECESSIDADES DE SEUS CIDADÃOS E EMPRESAS, A PREMÊNCIA DESSE DEBATE SE ESVAZIARIA, AS PESSOAS ESTARIAM DEBATENDO “COMO APRIMORAR AS MEDIDAS JÁ TOMADAS POR ESSE GOVERNO PARA MINORAR OS DANOS ECONÔMICOS ADVINDOS DA PANDEMIA! – Essa é a questão! – Nos falta GOVERNO, governo digno, sério, competente, comprometido, pró-ativo……. Mas o que temos? Um louco, que nega a gravidade da doença, oferece de modo inacreditável, de tão perverso, a quantia miserável de 200,00 para autônomos e desempregados, tendo o Congresso Nacional que intervir para chegarem a 600,00 (até FHC daria mais diante da gravidade da situação…) e, mesmo assim, criando dificuldades intransponíveis para milhões de brasileiros…..
    Bresser Pereira, assim como o Nassif, nesse artigo simples e direto, e muitas outras vozes, oferecem “de bandeja” a solução mais prática e menos onerosa para o país: a emissão de moeda com o fim específico de combater a miséria, a fome, o aumento do desemprego, combatendo JUNTAMENTE COM ISSO, o dilema cruel, DESUMANO, onde dezenas de milhões de chefes de família ficam entre o desejo de seguir a quarentena e necessidades absurdamente prementes.
    Enquanto isso, debate-se o presidente para salvar seu governo e seus filhos, a Globo brinca de destruí-lo, por já ter entregue quase tudo o que interessava às oligarquias sórdidas do Brasil, enquanto repagina a imagem de Moro, de novo o herói, de novo “o destruidor de presidentes corruptos”, o “homem de bem do século!”……..
    Pobre Brasil, cujas elites e classes médias banhados em ódios e nojos de Lula e do PT, celebraram a destruição de nossa democracia, apoiaram a quebra de todos os direitos e garantias fundamentais da Constituição (porque usados contra o PT, o “satanás de suas almas fanáticas…”) por Moro e a Lava Jato em geral, tiraram uma presidente HONRADA do poder, jogaram Lula na cadeia, colheram Temer e sua quadrilha de ladrões, e agora, o ser demente-bestial por excelência……
    E agora, qual o sentimento dessa turma? “2022, Moro vem aí”……
    Pobre Brasil, sem civilidade, sem Educação, sem cognição com a realidade, sem apego à verdade e à justiça…..
    .
    O grande tema a ser discutido, além, é óbvio, de como minorar a dor dos mais vulneráveis HOJE, é: “COMO CHEGAMOS ATÉ ESSE PONTO VEXAMINOSO, EM QUE SOMOS OLHADOS COM ESPANTO E ATÉ DESPREZO POR TODO O PLANETA…?”
    .
    Lembrando, que há apenas uma década, Lula terminava seu segundo governo, aclamado como um dos maiores estadistas do século…….
    .
    Globo, mídia e nosso Judiciário corrompido, apoiados pela parcela cega e manipulada de nossa sociedade nos trouxeram a esse horror.
    E apesar de tudo, soluções há para o momento dramático que nos atinge a todos., Uma delas está expressa nesse artigo.

    1. Onde está a GASOLINA de 1,50 ou 2 REAIS? Bolsonaro acerta mais uma. Petrobrás já deu mais de 60% de desconto no Preços da Gasolina e Diesel. Mas as quadrilha lideradas por Governadores de Estado, em especial João Dória, mantém preços elevados artificialmente para sustentação de suas astronômicas Cargas Tributárias e manutenção de Monopólios e Oligopólíos Estrangeiros.

  2. Com essa turma aí na direção da economia, esquece, é mais prudente se preparar, não só para o fundo do poço econômico, mas também pra uma gravíssima desintegração social. Depois, dependendo de quem venha assumir a massa falida, seja lá se de forma autoritária ou democrática, se esse debate estiver amadurecido, pode-se ver o que vai dar.

    Por enquanto, seria muito bom se não deixassem de apontar que na depressão nem todos se dao mal ou se afundam de modo igual: empurrar perda pros outros é um expediente usual dessa elite do atraso.

  3. Nassif,
    Com essa turma no comando, não há o risco de impressão de moeda pra pagar juros de banco (ou pior, para “salvar” o risco bancário)? Como evitá-lo?

  4. Belo debate. Só me pergunto por que demorou tanto para acontecer.

    Todas as questões que você levanta na coluna são pertinentes. E podem se resumir a relações de poder agrupadas em 3 grupos:
    a) Financeiro-midiático-institucional (Judiciário, MPF, PF, Militares, BC, Fazenda);
    b) Político-empresarial (Centrão, PMDB, médio e pequeno empresários);
    c) Esquerda-trabalhista e população difusa (que se informa pela mídia/redes sociais e que vota).

    Hoje, o Tesouro Nacional está na mão do primeiro grupo. Basta ver o lucro dos bancos, o discurso da mídia, quem está no “super ministério da economia”, BC, BNDES, CEF, BB, etc., as palestras de alguns ministros do Supremo (antes também do MPF) e, por fim, mas não menos importante, a preocupação dos militares ao fazer um plano de investimentos sem afetar a “regra de ouro”.

    Então, sua preocupação de que imprimir moeda pode gerar inflação diz respeito ao segundo grupo (lembrando do governo Sarney/PMDB). Isso porque o primeiro grupo, como foi dito, já tem esse controle (basta ver o lucro dos bancos e a concentração de renda). E essa concentração de moeda não gera inflação porque não afeta a demanda e assim não há elevação de preços. Repare que aí há uma diferença entre moeda e “economia real”.

    Enfim, para resolver essa mega equação é preciso fazer uma engenharia nas relações de poder entre esses três grupos. Lembrando que isso traz implicações no modelo de desenvolvimento, do ponto de vista interno e externo.

    Outra questão para refletir: O Estado não gasta o dinheiro que arrecada de impostos, mas o dinheiro que ele cria a partir do orçamento.

  5. Com o poder computacional que já dispomos (chegando no quântico), há supercomputadores e redes deles, já passou da hora de cientistas econômicos, matemáticos e assemelhados construírem modelos que representem sociedades ou até a humanidade e fazerem inúmeras simulações com as mais diversas variáveis (ex. emissão, dívida, PIB, renda, comércio doméstico e internacional, produção, consumo, etc.) e demonstrarem seus efeitos.
    Tais simulações podem ser mais fáceis que as meteorológicas, já em uso há bastante tempo.
    Ou será que os interessados em mera acumulação, que hoje patrocinam universidades, professores, cursos e formandos, depois aliciados, não deixam tal “perigosa” prática prosperar?
    E desmascarar esse perverso e maroto sistema de “divida”, de todos para alguns?

    PS: Um documentário que todos deveriam assistir e que no final sugere uma transição para sair dessa armadilha da divida pode ser encontrado dublado e legendado. Pesquisem: The Money Masters (ou Mestres do Dinheiro).

  6. A economia está desaquecida porque o cenário é desfavorável. O boom das commodities ficou na década passada. A estantes das lojas não estão cheias de mercadorias encalhadas esperando que o governo emita moeda para que alguém vá comprá-las. Se o governo emitir moeda, é 100% haver inflação.

    A inflação aquece a economia, mas é só no primeiro momento, assim como acontece quando se recebe um empréstimo. A inflação cria uma dívida interna, que a população paga com a perda de seu poder aquisitivo. Tendo perdido o poder aquisitivo, o consumo cai, a produção cai, as empresas quebram e mandam todo o mundo embora.

    Não ocorre inflação em alta com taxa cambial estável, a não ser por breves momentos. Uma puxa a outra, e a outra puxa a uma.

      1. Apesar de não entender desse assunto, não é difícil perceber que a prática do exercício da economia se assemelha com um jogo de tabuleiro dentro de um luxuoso cassino repleto de rentistas espertos e sempre mal intensionados. Também se percebe que quando se fala em taxar grandes fortunas, em reduzir as possibilidades dos bancos continuarem a auferirem lucros assombrosos e imorais, na verdade mais parece que está se propondo a prática de um crime hediondo e repugnante. A divisão da conta futura que a emissão das moedas, por menos impactante que seja sobre qualquer índice econômico e financeiro atingirá grande um número da população mas passará muito longe do casino paradisíaco dos rentistas heróis da nação.

  7. Nassif, creio que é preciso considerar mais um fator no debate da emissão de moeda. O multiplicador bancário.

    Após alguns anos de política econômica restritiva, é de se imaginar que a base monetária foi restringida até o ponto em que provocou a retração pretendida. Com o agravamento da crise anterior e após a eclosão da pandemia, o multiplicador bancário deve ter se reduzido muito. Portanto, uma emissão de moeda agora não é só possível mas também mandatória para fazer com que os meios de pagamentos retornem ao menos ao nível anterior.

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