Depois da farra bárbara, o acerto de contas da crise, por Luis Nassif 

Vai ser curioso acompanhar o movimento de autoridades e comentaristas quando o pêndulo da opinião pública inverter o curso

São curiosos os processos midiáticos de formação de opinião. A invasão da Ucrânia, pela Rússia, produziu uma tragédia humanitária, potencializada pela cobertura intensiva da mídia ocidental.

Cria-se um clamor na opinião pública, que passa a exigir medidas radicais de represália à Rússia. Nos últimos disso, esse movimento gerou alguns dos episódios mais ridículos da história moderna, como a proibição de apresentação da cantora lírica Anna Netrebko, a proibição de participação de atletas russos nas Olimpíadas Paralímpicas até o Restaurante Dona Onça, em São Paulo, que não resistiu ao ridículo e tirou o estrogonofe do seu cardápio.

Acontece que a sensibilidade da opinião pública esgota-se em velocidade inversamente proporcional ao nível de exposição do tema: quanto mais intensa a cobertura, mais rapidamente é o esgotamento da atenção do público.

Em um primeiro momento, o impacto da opinião pública leva os políticos a adotarem medidas radicais, comentaristas de TV a atuarem como populistas da política e animadores de auditório. Entregam o que a opinião pública exige – medidas drásticas, visando destruir a economia da Rússia – e ninguém ousa mostrar a conta: os custos a serem arcados pelas economias ocidentais.

Em um segundo momento, inverte-se-á o movimento. Haverá um esgotamento da cobertura e aparecerá a conta: inflação, preços de combustíveis, estagnação econômica. 

E não apenas isso. Ontem, já começaram a aparecer os primeiros sintomas dos efeitos da crise, com o mercado de zinco. A Rússia produz 17% do zinco do mundo, insumo fundamental para a produção de baterias de carros elétricos. Tempos atrás, o Wisdom Tree Investments lançou o Nickel 3x Dailly Short – um papel que visava entregar 3 vezes o desempenho inverso da cotação.

O empresário chinês Xiang Guangda – conhecido como “Big Shot” – mantinha há meses uma grande posição vendida na LME por meio de sua empresa, Tsingshan Holding Group Co., a maior produtora mundial de níquel e aço inoxidável. Quando os preços começaram a subir, ocorrem as chamadas de margem – isto é, os investidores na ponta errada (no caso, quem vendeu a futuro por um preço menor) são obrigados a depositar a diferença. Um dos corretores de Tsingshan, a China Construction Bank Corp, recebeu um prazo adicional para pagar centenas de milhões de dólares em margem.Um default total terá impactos catastróficos não apenas sobre os investidores, mas sobre consumidores e produtos que utilizam o zinco, como baterias de veículos elétricos.

Um default total terá impactos catastróficos não apenas sobre os investidores, mas sobre consumidores e produtos que utilizam o zinco, como baterias de veículos elétricos.

Na terça-feira, a Bolsa London Metal Exchange suspendeu a negociação do ativo, assim como a Borsa Italiana. O valor do resgate foi calculado como zero, “para que os investidores não esperem receber pelos títulos que possuem”. 

A crise da Rússia ocorre no momento em que o mundo financeiro tornou-se uma bomba relógio, com a financeirização de todos os ativos e a criação de produtos que potencializam em dezenas de vezes movimentos de alta ou de queda.

Vai ser curioso acompanhar o movimento de autoridades e comentaristas quando o pêndulo da opinião pública inverter o curso.

Luis Nassif

12 Comentários

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  1. Falando na opinião da grande mídia, ontem eu vi uma “pérola” na Globonews: esles estavam mostrando, com grande indignação e veemência, como as “oligarquias russas” são ruins pra economia, concentram a riqueza, emviam grande parte dessas riquezas para paraísos fiscais etc. É curioso, pq as “oligarquias” ocidentais nunca foram criticadas. Os escândalos do Pamama Papers, Paradise Papers e Swissleaks nunca aparecem na grande mídia. Eles são muito tendenciosos, cínicos, caras de pau, hipócritas!

  2. Fazendo uma analogia com o que fizeram com o PT, com Lula, não me parece q seja relevante essa inversão acontecer depois que o objetivo dessa mídia empresa criminosa tenha sido alcançado. É uma arma poderosa do ocidente que, por enquanto, não tem míssil hipersônico que dê conta.

  3. Gostei.
    Estou torcendo pra guerra acabar logo, e o presidente da Ucrânia ser deposto.
    Mas a mídia sabe muito bem esgueirar-se. Nunca há contraponto.

  4. Operação “Toma que batata quente é tua”.
    Desde a prisão de Napoleão Bonaparte que o capital tem assumido cada vez mais a governança no mundo e a própria governança mundial.
    O engraçado é que as moedas são instrumentos estatais; mas os financistas viraram dono, apossaram-se delas, destronando os políticos e generais e tiranos comuns em geral, a começar pela realeza mais pomposa – a primeira a cair. Tornaram-se o Estado.
    Até aí, tudo bem: seria a troca de seis por meia dúzia; porém, banqueiros só querem saber de lucros imediatos, mesmo que realizáveis a média e longo prazo. Então, dominaram a imprensa e a academia, reduziram a religião ao que ela é, mas também cuidaram de destruir a cultura política. E nada de assumir responsabilidades além do lucrar.
    E têm uma tendência miserável de acreditar na racionalidade matematizada, atualmente expressa nos algoritmos.
    Vem muito choro e ranger de dentes pela frente.

  5. A guerra, que existe desde que o mundo é mundo, entre outras coisas, porque é lucrativa, como todo fenômeno capitalista (todos os fenômenos são, ou acabam por se tornar um), se espraia pelos diversos ramos da atividade econômica; porque o mercado financeiro, as bolsas, os mercados de futuros, haveriam de ficar de fora?
    Desde o fim da segunda guerra mundial, as guerras são travadas em razão das disputas por áreas de influência (leia-se, por mercados consumidores e áreas com vastos recursos naturais), e áreas estratégicas (militares e econômicas), além de manter (e ampliar) a força econômico-financeira da indústria bélica, que vai da fabricação de armas (de fogo e químicas), a toda a cadeia produtiva que a serve.
    Ora, essas atividades movimentam bilhões. E como o capitalista tem a sua própria sanguessuga (sempre teve, mas hipertrofiou-se de maneira assustadora, tão assustadora que nem eles sabem ao certo o tamanho), ou seja, o mercado financeiro, porque este também não se mobilizaria para botar a mão no quinhão que lhe cabe dessa farra?
    A guerra, tal como se trava nesses tempos, é uma grande jogada na Bolsa, uma grande movimentação especulativa, uma asquerosa manipulação da opinião pública. Assim como é ótimo fazer filantropia com o dinheiro dos outros, é ainda melhor obter lucros gigantescos com a guerra, já que a mercadoria desta é a morte, e a morte é sempre dos outros. A guerra dá lucro? A morte também. Há alguns anos atrás, estávamos todos universalmente comovidos com a visão do corpinho do menino árabe, inerte, morto na orla de uma praia; quantos e quantos libelos percorreram a mídia mundial, protestando contra a iniquidade da guerra e suas consequências, a morte, os refugiados, a destruição…mudou alguma coisa? Os mesmos ghost-writers que escreveram comovidas elegias ao menininho morto, agora escrevem bestiários para retratar os russos, com os olhos fechados aos verdadeiros causadores de mais essa tragédia – e para os mesmos patrões. Que, adivinhem (!) são uma única e a mesma pessoa: O CAPITAL – cadela no cio (para utilizar uma imagem de Sartre), prenhe de lucro.
    Sim, a opinião pública vai mudar. Vai? Quando tínhamos gasolina a R$ 4,00 – há não muito tempo atrás – os escândalos da tal opinião pública (na verdade, a classe média que ainda tinha carro, e agora não tem mais) pululavam pelos postos do país. Agora, ela está a R$ 8,00…e os postos estão vazios, de carros e classe média vociferante.
    Não sei. Para que a opinião pública mude, é necessário que ela saiba, de fato, o que está acontecendo. E o que ela vê, ouve, e lê, não é o Jornal GGN. É a Globonews, Estadão, Folha…não, não vai mudar.
    O que vai mudar é o comportamento do mercado, dos especuladores – gente que também não lê o Jornal GGN, nem Globo, Estadão, Folha – gente cuja informação, quando não é produzida por eles mesmos, vem de dentro, de dentro das estranhas da cadela no cio.
    E o ser humano, debaixo das bombas e mísseis, ou olhando para a tela do celular, seguirá sendo o que hoje, basicamente, é: ações ordinárias, ora valendo um pouco mais, ora valendo quase nada. Guerra só é guerra quando pessoas morrem, de bala, bomba, fome, doença, ou miséria. Esses somos nós: os que morrem adoecem, ou passam fome, para que a cadela continue parindo seus filhotes: LUCROS.

  6. Bem, com todo respeito a sua coluna, que gosto bastante, acho que o relação é diretamente proporcional nao inversamente como vc fala no texto.

  7. Pois é, Nassif, eu fui criticado por não entrar na esparrela em demonizar a Rússia, fui rotulado de ser a favor do Putin e da guerra e todas as idiotices de quem adora ser manipulado por esta mídia. Já quebraram a cara com “o PT isto o PT aquilo” e não aprenderam. Agora, mais uma vez, arcaremos com todos os problemas a serem enfrentados porque a opinião pública costuma ser conduzida como manada. E o mais irônico, muitos que denominam os eleitores do atual presidente de gado agiram, e agem, da mesma forma neste caso.

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