Coluna Econômica

Lemann produz o maior rombo da história, por Luis Nassif

Jorge Paulo Lemann primou sempre pelas práticas mais nocivas do capitalismo financeiro. Ele não é um semeador de empresas, não é o investidor que desbrava novos mercados.

Na primeira metade dos anos 90, escrevi uma coluna na Folha mostrando como o mercado de capitais poderia ser um grande fator de reciclagem da economia. Estava-se em um processo profundo de mudanças, com setores que desapareciam e outros que nasciam. Obviamente, é tarefa impossível a reciclagem ampla dos setores velhos para setores novos. Aí entra o capital financeiro ajudando a financiar a nova geração de empreendedores ou a reciclagem dos empresários tradicionais.

Na época, ele estava investindo na Companhia de Cervejas Brahma. Recebi um telefonema de Paulo Guedes, que me disse que Lemann tinha lhe telefonado, comentando o artigo. Pela primeira vez, sentia-se participando de algum projeto de construção.

Guedes aproveitou para contar que tinha dito a Lemann para deixar de lado cervejas, porque a rentabilidade da renda fixa era imbatível.

Nem sei se a conversa existiu ou não. Só sei que, logo depois, Lemann adquiriu a Antárctica, em uma das operações mais escandalosas do CADE (Conselho Administrativo de Direito Econômico). Havia um protocolo do CADE analisando a distribuição dos revendedores pelo país, como um dos indicadores de concentração. O então presidente do CADE, Gesner de Oliveira, deixou de lado o sistema e recorreu a um Guia 4 Rodas para aprovar a operação.

Pouco depois foi constituída a Ambev, a rede de distribuidores da Antárctica foi esmagada e Lemann contratou como diretor Milton Seligman, um dos assessores de confiança de Fernando Henrique Cardoso que, a partir daí, tornou-se lobista da empresa.

Pouco depois, o Banco Garantia, de Lemann, caiu em uma armadilha do destino. O Banco Central iria adquirir títulos da dívida externa brasileira – o que elevaria o preço do papel no mercado internacional. O Garantia foi informado antecipadamente (o pai de Gustavo Franco, do Banco Central, tinha participação no banco) se empanturrou de títulos, mas explodiu uma crise na Rússia, não prevista, que derrubou todos os títulos da dívida externa.

O Garantia quase quebrou, Lemann passou para frente e concentrou-se na Ambev e em outras empresas, usando as fórmulas mais deletérias do capitalismo.

Das empresas, queria apenas dividendos elevados. Escolheu setores tradicionais para não ter que investir em pesquisa, inovação e crescimento. Sua estratégia consistia em atuar em mercados cartelizados, valer-se do poder do cartel, cortar custos, não investir em inovação. Só interessava dividendos generosos. Como no caso na privatização da Telemar, em que seu grupo, mais outros três, adquiriram a Telemar e a depenaram.

Seu estilo começou a ser questionado quando adquiriu uma rede de alimentos e, por falta de pesquisas, não percebeu as mudanças trazidas pelo onda da comida natural.

No Brasil, sua atuação sempre foi deletéria. A forma como se apropriou da Eletrobras é indecente, fruto de lobby direto na veia do poder público. Entrou como minoritário, no golpe do impeachment passou a ter poder de indicação dos gestores. Estes reduziram investimentos – que eram relevantes para o país – para garantir dividendos polpudos. A 3G, controlada por ele, produziu uma avaliação do preço da Eletrobras indecente, tomando como base o valor contábil da empresa.

O golpe da privatização ocorreu com a empresa emitindo ações, que diluíram a participação estatal, e impuseram um acordo de acionistas pelo qual a União só tem direito a 10% dos votos, independentemente de sua participação acionária. Depois, com o dinheiro em caixa, proveniente do aumento de capital, a Eletrobrás recomprou suas ações.

A mídia comprou totalmente a tese de que a gestão privada seria mais eficiente.

Agora se tem o maior escândalo financeiro do mercado de capitais brasileiro, com a descoberta de que as Lojas Americanas esconderam passivos equivalentes a metade do seu patrimônio.

Não se trata de um rombo recente, mas construído ano a ano há mais de década. E por que isso? Porque o 3G só se interessava em conferir o balanço trimestral e pressionar a diretoria para melhorar os dividendos. São eles que passam a controlar a Eletrobras, e certamente irão impor o poder de cartel da geração de energia, na primeira crise hídrica.

Ontem, o mercado fechou com a AMER3, o papel das Lojas Americanas, quase virando pó: R$ 2,72, 97% a menos do que o pico de R$ 75,19 de 4 de janeiro de 2021.

Luis Nassif

Luis Nassif

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  • O que Lemann fez nas Americanas não é nada quando comparado ao que ele faz nas escolas administradas por seu conglomerado de educação. Ele destrói as escolas!

  • Esse deveria ser o momento dos desenvolvimentistas, estatistas e que tais nadarem de braçadas, mas preferem adiar compromissos com os setores mais vulneráveis, como o novo salário mínimo o programa desenrola e os R$ 150,00 para crianças.

    Tá difici!

  • Não há fraude no sistema financeiro; o sistema financeiro é, em si, uma fraude.
    A fraude começa no dinheiro, que não é valor, mas um símbolo de valor; valor é o valor de uso - o de troca é um símbolo, e símbolos são, em última análise, uma fraude: representar uma coisa por outra, cujo desfecho inevitável é tomar uma coisa pela outra. O dinheiro, em si, pelo valor. Eis o sistema financeiro. Já se chamou senhoriagem, hoje chama-se mercado financeiro.
    Paulo Guedes: “Deixe de lado as cervejas, porque a rentabilidade da renda fixa é imbatível.” Desenhou.
    O primeiro vírus que acomete esse admirável mundo novo das finanças: a inflação, que é um imposto que não ousa dizer o nome. O segundo: a guerra.
    Ernest Hemingway: “A primeira panaceia para um país mal governado é a inflação da moeda; a segunda é a guerra. Ambas trazem uma prosperidade temporária; ambas trazem uma destruição permanente. Mas ambas são o refúgio de oportunistas políticos e econômicos.”
    E tem sido assim desde que o mundo entrou no período D.D.: depois do dinheiro.
    Não é o que estamos vivendo hoje? A inflação americana, a guerra na Ucrânia, em metástase pelo mundo sob as roupagens habituais, ou seja, miséria, fome, pobreza, desemprego?...
    Não é isso que está acontecendo no mundo, nesse instante?
    Para os mais antigos (que reconhecerão a alusão), é como se Jorge Paulo Lemann estivesse dizendo: Quem, eu me preocupar?
    Como se sabe, o dinheiro do contribuinte não some nem desaparece; está sempre aí, para socorrer esses perpétuos fraudadores da economia. Economia popular, bem entendido; a outra segue em perfeito estado de saúde.
    Eu costumava citar uma outra frase, de Henry Ford: “É bem verdade que as pessoas não percebem o nosso sistema bancário e monetário, pois se percebessem acredito que teríamos uma revolução antes de amanhã de manhã”, mas creio que ela já terá perdido a validade. A anestesia do consumo, e, agora com as redes sociais transformando qualquer zé mané em astro e estrela de sua própria vida, não haverá mais nenhuma revolução. O pobre sempre quis ser rico, e não solidário, e o oprimido sempre quis ser opressor, e não libertador. E agora, não há mais alternativa. Seremos o que o sistema (principalmente o financeiro) nos impele a ser: zumbis. E como há uma crescente e inevitável escassez de cérebros por aí, logo estaremos todos morrendo de fome.
    Credo.

  • Sobre a privatização da Eletrobrás, um dos pontos elencados por Gilberto Bervovici em:

    https://portalclubedeengenharia.org.br/2018/03/05/consideracoes-sobre-a-privatizacao-da-eletrobras-por-gilberto-bercovici/

    e no texto anexo:

    https://www.portalclubedeengenharia.org.br/arquivo/1520263864.pdf

    é justamente a respeito dos investimentos em pesquisa e tecnologia:

    "A ojeriza do Projeto de Lei nº 9.463/2018 ao planejamento é tanta que não preserva sequer o Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (Cepel), cuja manutenção por quem adquirir o controle da Eletrobrás só está garantida pelo prazo de 4 anos a partir da desestatização (artigo 3º, VII do Projeto). Ou seja, mais um núcleo de pesquisas estratégicas para o país será desestruturado e provavelmente extinto por
    puro preconceito ideológico dos idealizadores da privatização da Eletrobrás."

    Além disso, Nassif poderia relembrar a forma como Lehman e associados assumiram o controle da própria empresa Lojas Americanas.

  • Não é só a questão de sugarem até a última gota de sangue como predadores que só estão pensando na próxima presa. Nesse caso da Americanas, parece que o rombo oculto vinha crescendo há anos, enquanto os controladores vinham reduzindo sua participação societária. Pulverizar as ações na bolsa para ir saindo de fininho pode ser um novo modus operandi. Tem que ver ainda se a AME financeira não foi usada para manobras contábeis pela empresa mãe, como nas maracutaias de SBF entre a FTX exchange e seu fundo de investimento. CVM precisa apurar este caso minuciosamente, ou será atropelada pelas class actions dos acionistas americanos.

  • Só queria alertar que a tese dos dividendos nas Americanas não próspera. A Americanas nos últimos anos não pagou um mísero real aos seus acionistas...

  • A Auditoria independente deixou passar.
    No fim não dá em nada pois em 2157 o STF vai condenar, mas ainda cabendo recurso.
    Teremos um capitalismo de verdade no Brasil quando o inferno congelar.

  • Esse nóia tentou expandir os negócios num país cujo mercado interno ele mesmo ajudou a destruir. Gênio ou jumento?

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