O crime de Paulo Guedes destruindo a CEITEC, por Luis Nassif

De descontinuidade em descontinuidade, de despreparo a desprezo pela tecnologia, o Brasil vai destruindo os caminhos do futuro.

Indústria de semicondutores CEITEC.

Um dos maiores crimes contra o futuro foi cometido por Paulo Guedes, ao decretar o fim da CEITEC (Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada).

Ela foi criada pelo ex-Ministro de Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, visando preparar as bases para um polo tecnológico de microprocessadores. 

Uma política industrial consequente teria as seguintes etapas:

1. A empresa adquirindo excelência tecnológica.

2. Transformada em grande fornecedora de chips para a área pública.

3. Conferir agilidade, ou através de PPPs (Parcerias Público Privadas) ou através de uma privatização tipo Embraer, com a empresa ganhando agilidade de mercado sem perder a condição de empresa estratégica.

Ficou apenas na primeira etapa. O grande cliente seria a Casa da Moeda, para a produção de passaportes. O passaporte é preparado por uma empresa privada, com chips importados. Houvesse vontade de governo, a CEITEC passaria a ser fornecedora, já que desenvolveu um chip para passaportes certificado internacionalmente.

Não ocorreu. A troca de governo, em 2010, não garantiu a continuidade do projeto. E a CEITEC passou a buscar mercado, mas da forma mais precária possível. Tornou-se fornecedora de pedágios eletrônicos, de sistemas de rotulagem.

Por ser empresa pública, os pesquisadores eram contratados com salários muito baixos. E o departamento comercial se limitava a um vendedor.

Mesmo assim, houve um esforço que permitiu um crescimento gradativo do faturamento, mas não a ponto de garantir a autossuficiência.

Um estudo elaborado pela ACCEITEC (Associação dos Colaboradores da CEITEC) definia como meta a autossuficiência financeira até 2024. E poderia ter se tornado peça chave no Plano Nacional de IoT (Internet das Coisas), montada pelo BNDES e pelo Ministério de Ciência e Tecnologia, com suas verticais de Saúde e Agronegócio e, depois, com os desdobramentos em Defesa, Indústria e Logística avançada.

A partir do governo Temer, a empresa passou a ser sufocada por redução de verbas. Com Paulo Guedes veio o golpe final, simplesmente acabando com a empresa.

Ora, o valor de uma empresa de tecnologia depende do know how acumulado, do corpo de pesquisadores. O governo Bolsonaro simplesmente acabou com a empresa, dispersando os pesquisadores. Restou um prédio, apenas tijolos, para ser vendido.

A CEITEC nasceu como um movimento civil, através de uma ONG montada por pesquisadores ligados às Universidades Federal do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina.

Quando constatou-se que a empresa seria destruída, e os pesquisadores dispersados, tendo que sair do país para trabalhar, a ACCEITEC (Associação  dos Colaboradores da CEITEC) decidiu suprir a ausência de governo. Enviou propostas para várias empresas estrangeiras, mostrando a possibilidade de abrir uma filial em Porto Alegre para absorver os quadros da CEITEC.

Meia dúzia manifestou interesse e uma delas, inglesa, tomou a decisão de abrir a fábrica e contratar 10 dos pesquisadores.

Ou seja, haveria amplo espaço para uma privatização que permitisse à CEITEC dar um salto, com transferência de tecnologia. Mas Guedes decidiu jogar tudo no lixo.

Mostra, mais uma vez, como historicamente o país foi jogando no lixo as principais ideias.

Nos anos 70, no início da era da expansão da computação, o IPEA (Instituto de Pesquisas Econômico Aplicadas) apresentou um estudo visando casar uma futura indústria de computação com um programa educacional personalizado. O trabalho foi do futuro grande cientista social Wanderley Guilherme dos Santos. Não foi adiante. Na década 2010 esse modelo pedagógico tornou-se sucesso nos Estados Unidos, a ponto da Fundação Lehmann apresentá-lo ao Ministério da Educação.

No governo Sarney, Antonio Carlos Rego Gil, ex-presidente da IBM Brasil e, então, presidente da empresa de microcomputador da Sharp, conseguiu convencer Steve Job – recém demitido da Apple – a se instalar no Brasil. Fez um relatório com as condições (de trabalho) propostas por Job. E jamais obteve uma resposta.

A Secretaria Especial de Informática (SEI) criou um ambiente de enorme controle. Mas legou uma base tecnológica que poderia ter sido aprimorada com a abertura da economia. Tudo foi jogado fora.

De descontinuidade em descontinuidade, de despreparo a desprezo pela tecnologia, o Brasil vai destruindo, ano após ano, os caminhos do futuro.

Aqui, o debate da TV GGN.

Luis Nassif

2 Comentários

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  1. O sujeito que ocupa a presidência da república sempre disse que queria que o país voltasse pelo menos 30 anos. Ninguém votou desavisado. É essa gente que tem que se encontrar com a história.

  2. Nós brasileiros, cada vez mais, colocamos gente estupida para governar o país. Sem critério, sem currículo, sem caráter, sem preparo, enfim medíocre de pai e mãe.
    Foram quatro anos terríveis e perdidos. Destruir um patrimônio estratégico e andar na contramão do avanço tecnológico é no mínimo patético. Não somente essa área de desenvolvimento e fabricação de semicondutores e chips mas outras foram devastadas, possivelmente por puro revanchismo ou para destruir o que o outro fez por vingança.
    Atuo na área da microeletronica a mais de 30 anos e sei a importância que este setor tem, como estratégia para um país.
    Recentemente, países aliados estão proibindo a venda de máquinas de fabricação de chips avançados para a China. Dentre outros motivos, os aliados estão perdendo mercados vertiginosamente para a China.
    O Brasil é recorrente em promover o atraso, por conta desse tipo de gente que colocamos para geri-lo!

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