Porque não privatizar os Correios, por Luís Nassif

Os Correios, públicos, serão essenciais para colocar o modelo de pé. Hoje em dia, o maior diferencial das grandes plataformas é a distribuição

Fernando Frazão – Agência Brasil

Atenção, presidente Lula.

Sua gestão, até agora, tem sido a de reconstrução institucional e do Estado brasileiro. Isso significa entender a relevância de instituições, empresas públicas ou privadas, na construção do futuro.

Há uma ênfase relevante na reindustrialização, na transição energética etc.

Mas há uma bandeira poderosíssima, que o fará se aproximar dos pequenos empreendedores, pequeno comércio e indústria, enfrentando o novo perfil da economia digital.

A lógica é simples.

  1. O comércio de produtos caminha cada vez mais para as grandes plataformas, tipo Amazon, Mercado Livre ou Magalu, e das entrantes chinesas.
  2. O maior diferencial de uma plataforma é a rapidez e a segurança da entrega,
  3. Centralizando as compras, e com o controle do varejo, as plataformas passaram a trabalhar com estoques zero, impondo baixos preços aos fabricantes de produtos populares (tecidos, roupas, manufaturas em geral), especialmente às Pequenas e Médias Empresas e o MEI.

A melhor maneira de fortalecer as pequenas empresas será através de consórcios, os chamado Arranjos Produtivos Locais (APLs) ou, na versão nova, de Arranjos Produtivos Digitais (APLD).

O funcionamento dá um pouco de trabalho, mas o país possui as instituições e as organizações necessárias para o desafio.

Os passos são os seguintes:

  1. Cadastram-se em um portal (da CNI, do Sebrae, do Ministério, pouco importa), empresas interessadas em participar das plataformas digitais.
  2. Os candidatos passarão por treinamento e certificações do Senai e do Sebrae, para saberem se estão aptos a aceitar encomendas para o tipo de produto trabalhado pelo portal.
  3. Nesse modelo, pequenas empresas têxteis de todo o país se cadastram em um único ponto de venda.
  4. Depois, convoquem-se escolas de designers, tragam os artesãos do nordeste, as bordadeiras de Minas, beba-se na cultura nacional, e criem-se linhas de design para produtos brasileiros.
  5. Tragam um banco público nacional – Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal – para, junto com o Sebrae, identificar o melhor arranjo para o grupo: constituir um APL para uma linha própria de designers; ou um APL para fabricar o que lhes é pedido.
  6. Funcionários de agências ou de associações de funcionários, sairão a campo, identificando, entre seus clientes, aqueles aptos a entrar no APL.
  7. Os bancos públicos, com aval do Sebrae, poderão oferecer capital de giro para as melhores; e os fundos de pensão poderão criar uma área para investimento em startups promissoras.
  8. Finalmente, toda essa produção será distribuída, ou para exportações ou para o mercado interno.

Onde está o busílis da questão?

Ao longo das últimas décadas, o Brasil jogou fora inúmeras oportunidades para políticas duradouras e de fortalecimento dos pequenos. Mas nada se equipara à tentativa de privatizar os Correios, anunciada recentemente.

Os Correios, públicos, serão essenciais para colocar esse modelo de pé. Hoje em dia, o maior diferencial das grandes plataformas é a distribuição, a entrega imediata do produto adquirido. E a única empresa capaz de permitir aos pequenos produtores ingressarem no mercado é justamente os Correios.

Em vez desse desperdício de pretender privatizar os Correios, melhor faria o governo em promover grandes acordos com distribuidoras internacionais, como o Fedex, para colocar produtos brasileiros no exterior.

Em meados dos anos 90, apresentei essa ideia para o Banco do Brasil, Ministério das Comunicações e Apex. A ideia era estimular os funcionários do banco a identificar empresas candidatas – e ninguém conhece melhor o potencial das pequenas empresas do que os bancos públicos. O presidente Ximenes comprou a ideia.

 Ao Pimenta da Veiga – que assumiu o Ministério das Comunicações no lugar de Sérgio Motta – sugeri uma negociação com a Fedex. A empresa estava querendo entrar no país associada aos Correios. Que o governo exigisse dela, como offset (compensações) abrir seu banco de dados de clientes em vários países, para trabalhar produtos brasileiro. Era o início de uma era em que começa a operação de serviços de courier internacional. Foi como falar com uma pedra.

A Apex estava recém criada, entregue a um diplomata burocrático. Um mês depois, voltei à Brasília para conversar com ele e fui apresentado a uma ideia que ele acabara de ter: o meu projeto.

Obviamente, a ideia  jamais saiu do papel.

Agora, tem-se à mão os principais ingredientes para uma grande política de digitalização capaz de mobilizar sistema S, associações comerciais, agricultura familiar.

Tudo isso poderá ir água abaixo se persistir nessa loucura de privatizar os Correios. Os Correios pertencem a restrito e relevante campo das estatais essenciais.

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18 Comentários

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  1. É de conhecimento de todos a força dos correios em países desenvolvidos, fico pensando a que ponto ingerências políticas (a começar pelo loteamento de cargos), pesa contra.
    Sem mencionar as aventuras que dão em nada aos aventureiros. Está aí vá Postalis que não me deixa mentir.

    1. Tomara que esse apelo chegue aos ouvidos da assessoria do presidente. Você entrega de bandeja uma visão moderna capaz de diluir de uma vez o pensamento neo liberal de entregar os Correios.
      A ideia tá pensada pronta, é só coloca-la em prática.

  2. A função de um governo é governar; e não bancar o boneco de posto, enquanto malandros de todos os naipes surfam, e ao mesmo tempo preparam colossais desastres, às vezes fatais a um país; a um povo. O Brasil pós-30 conseguiu criar um sistema de contrapesos invejável; que, bem ou mal, tem trazido o país, espremido entre a idiotice e estupidez reinante em sua elite, e o interesse estrangeiro, ao patamar das nações médias. Os Correios, entidade, por natureza, militar estratégica, jamais poderá sair sob controle privado sem causar mais um desastre na logistica governamental de controlar o Estado, obbrigação constitucional. Não “se ensina” o pulo do gato.

  3. Fiquei com vontade de comprar os Correios o governo vende a quanto?Só ira precisar esperar eu ganhar na Mega,nada de dinheiro fácil de bets e esse Thuamp doidão taxando tudo até o vento e aqui não se pode taxar rico q não paga nada de imposto, AFF !!!

  4. De onde o Nassif tirou essa informação de que há, por parte do governo, interesse em privatizar os Correios? O que há é uma pressão externa, por parte da logística da Magalú e o site que ela banca, o poder360, nesse sentido. Seria bom o presidente da ECT contactar o jornalista para esclarecer.

    Sou ex dirigente e anistiado político dos Correios, acompanho via sindicatos informações da empresa e não e não se de nada a respeito.

  5. Estive dia destes pensando alto com meus botões: A quem interessa a compra a crédito pelo pix? “Quem dentre vós, ao arrepio da lei vende mais caro para quem, mesmo pagando à vista, não opta pelo pix?”.
    Aha! respondi-me. Ela tem banco, empresta dinheiro, tem estoque, fornecedores, lojas em todos os cantos e um verniz de socialismo. É “self made woman” e já quis comprar os correios…Quem adivinhar ganha um doce.
    Sobre o diplomata da APEX apossar-se desavergonhadamente das idéias do Nassif ele, enquanto poderoso, pôs em prática a sétima lei do poder, mais especificamente:
    “LEI 7
    FAÇA OS OUTROS TRABALHAREM POR VOCÊ,
    MAS SEMPRE FIQUE COM O CRÉDITO
    Use a sabedoria, o conhecimento e o esforço físico dos outros em causa
    própria. Não só essa ajuda lhe economizará um tempo e uma energia valiosos,
    como lhe dará uma aura divina de eficiência e rapidez. No final, seus ajudantes
    serão esquecidos e você será lembrado. Não faça você mesmo o que os outros
    podem fazer por você.”

  6. Uma pessoa monta uma empresa. Assume todos os riscos. Investe durante décadas. A empresa torna-se viável e muito lucrativa e as vezes líderando o setor, até virando referência mundial. Ai aparece outra pessoa ou muitas outras pessoas e diz que você tem que vender a empresa que seria a melhor situação, logicamente vendendo para os que aconselham. Por que que não arriscaram desde o inicio? este investidor foi o estado brasileiro que com os impostos pagos pelo povo construiu Petrobras, Eletrobras, Sabesp, vale, correios, Cesp e etc., quando nenhuma capital privado se arriscou. Agora investimentos consolidados e muitos lucrativos devem serem obrigatoriamente vendidos. Que iniciativa privado que gosta de assum8r riscos KKKKKKKK

  7. Concordo plenamente. Os Correios precisam de investimentos para voltar a ser o que era antes, correspondências sendo entregues aos destinatários em 24 ou 48 horas nas grandes cidades. Isso já ocorreu em um passado bem próximo.

  8. Parabéns Luís Nassif pela matéria, Correios público é essencial ao desenvolvimento da malha postal brasileira, dá um exemplo aqui quem conhece uma cidade chamada de Urupês ? Os correios estão presentes lá por ser uma empresa pública as d mais empresas que prestam serviços postais jamais irá instalar- se lá pois não dá lucros, más pela constituição federal ela é obrigada a está presente em todos os municípios do Brasil e prestar serviços sociais aos brasileiros.

  9. O busílis da questão
    O busílis está no item 5:
    “Tragam um banco público nacional – Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal – para, junto com o Sebrae…”
    Aí é que está, o Banco do Brasil deixou de ser e se reconhecer como banco público há mais de 20 anos, por livre e espontânea decisão e interesse de suas cúpulas hierárquicas. Ser visto como executivo de um banco público depõe contra o currículo e atrapalha a porta giratória.
    Afinal, há que se preservar os interesses dos acionistas. O controlador, Governo Federal? Não, longe disso, mas Sua Excelência O Mercado.
    Pouco a pouco, na surdina, foram moldando a cabeça das novas gerações dizimando uma cultura organizacional de 150 anos. Cultura organizacional: “é o conjunto de valores, crenças, normas, atitudes e comportamentos que definem uma empresa. Ela é a identidade da organização e orienta as ações dos colaboradores. A cultura organizacional é exclusiva de cada organização e se baseia nos objetivos e valores traçados desde o início das suas atividades. “
    O PIX e suas revelações
    Nas pequenas cidades, constata-se, usando o PIX, que 100% do comércio está sendo atendido na conta corrente e no crédito não pelo Banco do Brasil, mas pela…Sicredi!!!! Todo o comercio usa as maquininhas do cartão de crédito com o logo da Sicredi. A mesma Sicredi que anuncia oferta de crédito rural nas redes sociais.
    O BB retirou-se completamente do atendimento das MPE/MEI, não tem mais o mínimo interesse. Emprestar para pequenas empresas tem um risco muito alto, daí vem a inadimplência e o acionista da Faria Lima fica zangado.
    Em 2012, conversei longamente com um executivo médio do BB, um autêntico Faria Limer que quando conheci em 1995, já adorava falar em Taxa Libor de Londres. Discorri sobre as linhas de crédito voltadas para as MPE/MEI, e o que o banco poderia fazer para turbinar a Economia atendendo esse público. Respondeu que o banco estava muito “elitizado”, e que isso era coisa para a Caixa Econômica Federal, que tinha “expertise em pobreza”. Expertise em pobreza. A lavagem cerebral estava consumada.
    Assim como os generais jamais aceitaram a chegada do PT ao governo – leia-se Lula -, as cúpulas hierárquicas do BB também não aceitaram. Ambos fingiram aceitar. Qualquer programa social para qual o banco seja solicitado a participar é visto como “interferência inaceitável” na gestão do banco que um dia foi público.
    Vivi para ver o Bradesco anunciando crédito rural no intervalo do Jornal Nacional. O BB sumiu da mídia e redes sociais. O negócio é não fazer marola e esperar 4 anos que passam logo, para que o banco não tenha mais “ameaças”. Enquanto isso, as agências vão sendo fechadas na surdina.
    Li tempos atrás que os Correios estavam pensando em lançar o Banco Digital. Se isso acontecer, o BB transfere o pagamento dos velhinhos do INSS/BPC para os Correios e adeus agências de pequenas cidades, que serão fechadas às centenas Brasil afora. Não há interesse, para isso tem a Sicredi, que está ampliando a presença em todo o país, na contramão do Banco do Brasil.
    Chega por hoje, daria um livro.
    O que vai abaixo explica tudo e mais um pouco. Caberia ainda um subtítulo “Em linha com O Mercado”.
    BB passa a omitir proposta salarial para presidente da instituição
    Andreza Matais – Colunista do UOL – 06/04/2025 12h49
    O Banco do Brasil passou a esconder, neste ano, qual é a sua proposta de reajuste salarial para a presidente da instituição, Tarciana Medeiros, e seus demais executivos.
    No ano passado, o valor era apresentado em documento interno de forma individualizada. Após a coluna revelar a proposta que elevaria o valor de R$ 74.972 para R$ 117.470 (57% de reajuste), a Assembleia Geral dos Acionistas só concedeu 4,6% em 2024. Na ocasião, Tarciana ironizou a repercussão ao afirmar que sua “mãe pediu para aumentar o Pix dela” e que os questionamentos eram machismo.
    Neste ano, o BB apresentou em documento interno apenas o valor global que pretende pagar para os altos executivos (diretoria-executiva e conselho de administração), que passaria de R$ 76 milhões para R$ 93,8 milhões.
    A coluna procura o BB desde quinta-feira para questionar qual o valor proposto para o salário da presidente, mas o banco se recusa a informar.
    Sobre a mudança na divulgação do pedido de reajuste, que não expõe mais os valores individualizados, o BB diz que “segue em linha com as práticas de mercado e a proposta considera as orientações emitidas pela Sest (Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais ), responsável por instruir o voto da União na Assembleia Geral de Acionistas, e segue todos os trâmites legais de apreciação”.
    Outros braços do próprio BB, contudo, mantiveram a transparência. O BB Seguridade, por exemplo, informa detalhadamente e de forma individualizada para quanto irão os vencimentos de cada um dos seus executivos, caso a proposta de reajuste seja aprovada.
    Para setembro, está acordado que os funcionários do BB terão ganho real de 0,6%.
    Salário secreto
    Quando assumiu o cargo, Tarciana disse, em discurso, que sua gestão seria de transparência. Ela foi indicada para o cargo pelo presidente Lula. O salário atual da executiva é de R$ 78.435. A remuneração da presidente do BB inclui, ainda, participação em conselhos, que lhe rendem cerca de R$ 125 mil por mês. Ou R$ 2,5 milhões ao ano.
    A proposta para o período de abril/25 a abril/26 foi apresentada pelo comitê de remuneração e aprovada pelo conselho de administração do banco. Cinco dos oito integrantes do colegiado são ligados a Tarciana. A presidente do BB integra o conselho, mas, devido a regras estatutárias, ela não pode participar da reunião que discute o reajuste de seu próprio salário.
    A próxima etapa é a aprovação pela Assembleia Geral de Acionistas. A reunião está agendada para o próximo dia 30. É essa instância que dá a palavra final sobre a proposta.
    Atuação estratégica
    Por meio da assessoria, o BB informa que o reajuste “visa reforçar a competitividade do BB, considerando sua atuação estratégica em um mercado altamente concorrencial, como é o segmento financeiro”.
    E acrescenta que “a proposta do montante global de remuneração da diretoria e do conselho de administração considera, entre outros aspectos, a defasagem em comparação a empresas do mesmo porte do BB no segmento financeiro e que pode chegar a quase 95%, como já foi divulgado por outros veículos de imprensa.”

  10. Desculpa, mas discordo, primeiro porque governo não deveria brincar de empresário.
    Segundo e mais importante, você errou no princípio básico, não é entrega que está o valor agregado e sim tecnologia. Essas empresas só montaram entrega porque o correios não atende. A Amazon vive no prejuízo, quem paga as contas e gera lucro é a AWS. No caso do mercado livre é o mercado pago.
    Então qual vai ser o próximo passo do correios? Virar data center ou banco?

    1. Pode-se estudar o caso alemão ou o ingles, mas França e Eua são serviço público, sem esquecer que o processo de privatização demandou anos.

  11. Mas o governo não tinha retirado os Correios do programa de “Desestatizaçao” (entrega do patrimônio público) do desgoverno da caquistocracia?

  12. Tomara que esse apelo chegue aos ouvidos da assessoria do presidente. Você entrega de bandeja uma visão moderna capaz de diluir de uma vez o pensamento neo liberal de entregar os Correios.
    A ideia tá pensada pronta, é só coloca-la em prática.

  13. Luís, gostei imensamente do seu artigo. O seu conhecimento sobre este assunto surpreende. Todavia, a impressão que o Estado brasileiro tresloucado é de que as estatais são uma fonte inesgotâvel para o desvio de dinheiro público, empreguismo, incompetência gerencial e aparelhamento das empresas públicas. Nada funciona, os prejuízos de gestões temerárias são muitos: investimentos ideológicos, desvio de verbas públicas, financiamento eleitoral e enriquecimento ilícito. E tudo isso regido pela impunidade que persevera neste país. Sua proposta é séria, bem desenhada e com perspectivas para gestores competentes, bem intencionados e governos sérios. Tudo o que tem nos faltado. Somos regidos pela demagogia e um populismo desrespeitoso, que é levado à frente por marketing político pago com dinheiro público. Parabéns pela matéria. Infelizmente, você continua pregando no deserto. Não desista!

  14. Nada disso teria o menor efeito prático. O que o autor se esquece é de que continuaria mais barato trazer uma blusinha da China do que produzir aqui. Lá os caras não tem férias remuneradas, não tem INSS, não tem FGTS, não tem licença maternidade, auxílio doença, salário desemprego, etc, não tem nada disso que tem aqui, além de trabalharem até mais de 12 horas sem reclamar. São muito mais produtivos e baratos. Só tem um jeito de nos tornarmos mais competitivos: reduzindo impostos internos! E não imposto de importação como o Haddad está fazendo.

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