Uma história ridícula do Plano Real, por Luís Nassif

Acompanhei de perto o Real, e posso assegurar algumas verdades conhecidas de todos os jornalistas que cobriram o plano

A Casa das Garças, centro de lobby financeiro dirigido por Edmar Bacha, decidiu lançar um livro sobre os 30 anos do Real. Até aí, nada de mais. O problema é a seleção de autores: o próprio Edmar Bacha, Pedro Malan, Pérsio Arida e Armínio Fraga. De fora, deixaram o verdadeiro pai do Real, economista André Lara Rezende.

A vaidade é irmã gêmea do ridículo. Acompanhei de perto o Real, e posso assegurar algumas verdades conhecidas de todos os jornalistas que cobriram o plano.

Primeira, Edmar Bacha não teve a mínima participação no Real. Edmar era um economista estruturalista, que enveredou pelo monetarismo, mas era constantemente escrachado por Dionisio Dias Carneiro, o mais sólido dos monetaristas da PUC-Rio de Janeiro, berço do Plano. A não ser alguns trabalhos sobre os chamados déficits gêmeos, no começo dos anos 90, Bacha era mais conhecido por sua atividade sindical – de defensor da classe dos economistas, antes de se tornar mero propagandista do mercado.

Mais tarde, ganhou uma função no BBA – o banco de investimento criado por Fernão Bracher – que lhe permitiu enriquecer, como os colegas.

O mesmo ocorreu com Pedro Malan. Antes, teve atuação sindical na Ordem dos Economistas. Depois, foi negociador-chefe da dívida externa brasileira, de 1991 a 1993 e representante do Brasil na Diretoria Executiva do Banco Mundial e do BID em Washington. Nessa condição, encaminhou muitos projetos para a Hidrobrasileira, empresa de Sérgio Motta, um dos fundadores do PSDB. Foi o que garantiu os recursos iniciais para o lançamento do partido. Reside aí a única contribuição de Malan ao futuro Plano Real.

Gustavo Franco, na época, era um jovem economista que se especializara na hiperinflação alemã. Aliás, a primeira vez que se apresentou em Sâo Paulo foi em um seminário organizado pela Agência Dinheiro Vivo, justamente para falar sobre o tema. Para contornar a hiperinflação, os alemães criaram uma moeda referenciada em custo de energia elétrica. Apesar desse seu conhecimento, Gustavo também não teve nenhum papel na formulação inicial do Real.

Pelo menos restou Pérsio Arida, este sim, um dos formuladores do Plano Real, coadjuvando André Lara.

Há duas maneiras de ver o plano. A primeira, sua concepção. A engenhosidade da URV, a maneira como foi implementada, usando o dólar como referência, mas a URV como mediadora, foi uma obra de arte econômica.

A partir daí, houve o jogo político, de submeter toda a economia ao mercado financeiro. Mudaram a composição do Conselho Monetário Nacional, deram plena autonomia ao Banco Central, mantiveram as taxas de juros em níveis estratosféricos por meses e meses.

A questão dos precatórios

Estão corretos os que afirmam que o pagamento dos precatórios beneficiou os grandes investidores – especialmente o mercado financeiro. Foi esse o estratagema de Paulo Guedes. Primeiro, atrasou os precatórios – em grande parte, precatórios alimentícios. Com dificuldades, os titulares originais acabaram vendendo no mercado com enormes descontos.

Guedes pretendia que os precatórios pudessem ser utilizados para o pagamento de concessões e imóveis públicos, pelo valor de face. Por aí, completaria o golpe.

Deixou um enorme passivo para o governo Lula. A solução encontrada foi quitar os precatórios, e pelo valor de face. Não haveria outro caminho legal. Mas o golpe foi dado pelo governo Bolsonaro.

Luis Nassif

6 Comentários

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  1. Embora eu não seja economista, acredito que a explicação para adoção de juros altos desde a implementação do plano real, se deve em grande medida ao mal sucedido plano Collor, explico: Sem sombra de dúvida, os grandes beneficiários da hiper inflação brasileira era o setor financeiro que naquele período ganhava tanto que se dava ao luxo de não cobrar dos clientes várias taxas de serviços bancários. Com o plano real os ganhos da hiper inflação, seriam drasticamente reduzidos. Como o sucesso do plano precisava do apoio irrestrito do sistema finaceiro, o caminho mais seguro para conseguir tal apoio, era o aumento estratosférico dos juros, foi o que aconteceu.Como os banqueiros são mais espertos do que supõem os nossos ÇABIOS economistas, eles exigiram ter o controle do cofre, ou seja, do Banco Central, Para desgraça geral da nação eles continuam no controle até os dias atuais.

  2. E aí Dallagnol, o que acha dessa megatacada dos precatórios? Gente fina é outra coisa, nada de barquinho de lata e pedalinho, não é? E aí, investiu nessa (XP ofereceu?), ganhou muitos “kk”? Um mega “k”? Grita então mais forte que não estamos ouvindo: Mito! Mito!

  3. Luis Nassif,
    Na verdade o único no plano Real que se preocupava com a Receita era G. Henrique de Barroso F. Sem a preocupação com a Receita o Plano Real não tinha vingado.
    É verdade também que sem ele a dívida pública não tinha crescido, mas se ela não crescesse o Plano Real não teria vingado.
    Clever Mendes de Oliveira
    BH, 05/03/2024

  4. Lembro que em uma entrevista a um jornalão, perguntaram a Dona Ruth Cardoso o que ela achava do sucesso do Plano Real e ela respondeu que parecia que ele havia controlado a inflação, só que “estava tudo muito caro”!

  5. O Nassif tem esquecido um ponto importante nestes dois artigos que escreveu sobre os 30 anos do plano real. Que foi a conversão dos salários, dos preços das mercadorias e serviços conforme a tabela da URV. Os salários foram corrigidos rigorosamente conforme a URV, já os preços e serviços foram corrigidos livremente, conforme os interesses dos empresários, sem nenhum respeito pelas regras de conversão. Desse modo, quem vivia de salários teve seu poder de compra corroído significativamente, era um jovem trabalhador na época e senti (bem como milhões de brasileiros) isso no bolso duramente. A queda do poder de compra dos trabalhadores foi tão flagrante que a CUT lançou a campanha: “Parece pesadelo, mas é Real”.

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