Deputados financiados por planos de saúde declaram guerra ao SUS

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Por Leandro Farias

Da CartaCapital

O Sistema Único de Saúde (SUS) vem passando por seu pior momento. A atual conjuntura não lhe tem sido favorável, uma vez que a conformação do Congresso Nacional se demonstra favorável à iniciativa privada. Grande parte dos parlamentares foram financiados durante as eleições por empresas privadas de saúde, e liderados pelo então Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, declararam guerra ao SUS como forma de pagamento do investimento feito por parte das empresas em suas candidaturas.

A aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 358/13, pela Câmara dos Deputados, que institui o chamado Orçamento Impositivo, muda o financiamento da saúde, por parte da União, diminuindo o percentual mínimo da receita corrente líquida de aproximadamente 14,6% para 13,2%, e com isso o orçamento da saúde perde entre R$ 7 bilhões e R$ 10 bilhões, esse ano. A PEC também prevê o pagamento de emendas, obrigando a União a repassar cerca de 1,2% do orçamento destinado a saúde para às emendas parlamentares individuais de cada deputado. Tais recursos que serão retirados do SUS deverão ser aplicados em saúde, porém não haverá garantia desse cumprimento, uma vez que o Ministério da Saúde não fará controle.

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), uma autarquia federal que em tese deveria regular e fiscalizar a atividade dos planos de saúde, desde a sua criação durante o governo FHC no ano 2000, ao analisarmos a composição de sua diretoria é notável quais os interesses que são defendidos. A ANS assim como outras agências reguladoras está sujeita ao fenômeno da captura, funcionando como verdadeiros latifúndios, uma vez que após as eleições são loteadas e entregues aos grandes empresários financiadores das campanhas eleitorais, para que indiquem os ocupantes aos cargos de diretores das agências.

Um belo exemplo é a empresa Qualicorp. A ANS criou as Resoluções Normativas Nº 195 e 196 que tratam da questão dos planos coletivos por adesão e deixa claro que a venda desses planos deve ser intermediada pelas ditas “administradoras de benefícios”. Isso culminou no crescimento vertiginoso da Qualicorp. Segundo informações a empresa obteve lucro de R$ 44,7 milhões só no primeiro trimestre de 2015, apresentando um avanço de 69% em relação a 2014. Segundo relatório da empresa, 94% do seu lucro se dá pelos planos coletivos por adesão. Lembrando que o atual presidente da empresa, Maurício Ceschin, anteriormente havia sido presidente da ANS.

Segundo dados da própria agência, os planos de saúde registraram em 2013 o lucro de 111 bilhões de reais. Nas eleições de 2014, as empresas Amil, Bradesco Saúde, Qualicorp e grupo Unimed saúde doaram juntas, em torno de 52 milhões, contribuindo para a candidatura de 131 parlamentares, um deles o Cunha. Segundo informações, o Presidente da Câmara contou com a contribuição de membros da ANS para a formulação da Medida Provisória (MP) 627 que anistiava a dívida dos planos de saúde ao SUS em 2 bilhões de reais, e atualmente faz pressão para a indicação de José Carlos de Souza Abrahão para o cargo de Diretor-Presidente da agência.

Abrahão presidiu a Confederação Nacional de Saúde, Hospitais, Estabelecimentos e Serviços (CNS), entidade sindical que representa estabelecimentos de serviços de saúde no País, entre os quais as operadoras de planos de saúde, e já se manifestou publicamente contra o ressarcimento ao SUS por parte das operadoras, em artigo publicado no jornal Folha de São Paulo, em 2010. Em maio deste ano (2015) o atual ministro da saúde, Arthur Chioro, anunciou que a ANS deve cobrar cerca de R$ 1,4 bilhão em ressarcimentos de planos de saúde.

O setor que vem sofrendo duros golpes é o da saúde, mais precisamente o SUS. Eduardo Cunha foi relator da Medida Provisória (MP) 627 que anistiava a dívida dos planos de saúde ao SUS em 2 bilhões de reais; votou a favor da MP 656 que permitiu a entrada de capital estrangeiro na assistência a saúde; é autor da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 451 que insere planos de saúde como direitos dos trabalhadores; vetou a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigaria os planos de saúde. Cunha ao favorecer os empresários da saúde, declarou guerra ao SUS.

Uma maneira de barrar essa questão seria o fim do financiamento empresarial de campanha. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) Nº 4.650, que proíbe que empresas financiem partidos políticos e campanhas eleitorais, porém o ministro Gilmar Mendes, há um ano, pediu vista do processo. O curioso é que a maioria dos ministros do STF (seis votos a favor e um contrário) já tinha decidido que as empresas não podem doar, pois tal atitude fere cláusulas pétreas da Constituição. Enquanto isso, em paralelo, Eduardo Cunha colocará em votação a PEC 352 que trata da reforma política e regulamentará o financiamento empresarial de campanha. A pergunta que fica: Estariam esses dois senhores agindo em conluio?

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

14 Comentários

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  1. Discordo. Estes canalhas não

    Discordo. Estes canalhas não estão combatendo o SUS e sim os brasileiros que utilizam o sistema publico de saúde, muitos dos quais deram seus votos para eles. Por isto, sustento que uma Reforma Política deve permitir aos cidadãos revogar os mandatos atribuídos aos parlamentares que traiam os compromissos que assumirem com os eleitores durante as campanhas eleitorais.

  2. Sem limites

    Nassif,

    Este lobby das empresas de saúde é apenas um dos muitos que atuam no CN.

    Como o termo lobby é proibidíssimo no país (em minha opinião, de forma proposital), a atividade agindo em forma paralela, nas sombras, fica sem qualquer tipo de controle/ regulamentação.

    Na atual conjuntura, qualquer lobby $$$ terá o apoio de Eduardo Cunha, cuja atuação já pode ser considerada como do conhecimento de todos.

    Existem muitos exemplos da atuação dos lobbies em forma bastante perversa, mas destaco o fortíssimo lobby que o CN liberou as sementes geneticamente modificadas como condição para a aprovação da utilização de células-tronco. Agora, acaba de desobrigar o aviso nas embalagens dos produtos a partir das tais sementes. 

    Como se pode ver, a cambada do CN não oferece limites.

     

  3. Casal famoso

    Nassif,

    Um famoso casal foi recentemente atendido em hospital do SUS, o casal foi muito bem tratado, logo, bem que o casal famoso, mesmo tucano, poderia fazer propaganda do SUS.

  4. Boicote ao SUS

    Até meu gato de estimação já percebeu três coisas: 1. que gente do próprio SUS o boicota por ter interesses financeiros enraizados na saúde privada – se a assistência pública de saúde for boa, várias clínicas e planos privados poderão quebrar; 2. a ANS, como toda agência reguladora, tem a agilidade de um paquiderme claudicante para tentar por alguma ordem no mercado. O Governo Federal enxuga gelo ao tentar cobrar dos planos de saúde o ressarcimento pelos atendimentos feitos no SUS enquanto concede renúncia fiscal aos mesmos planos, e 3. o Brasil entrou numa gelada ao eleger esse legislativo que não quer o fim do financiamento empresarial de campanha. E, como se vê na foto, eu nem tenho gato!

  5. O articulista ou mente (o que é provável), ou nada entende…

    “Segundo dados da própria agência, os planos de saúde registraram em 2013 o lucro de 111 bilhões de reais.” (do artigo acima)

    Cento e onze billhões de reais de lucro, aonde, “cara pálida”? Esse é o número aproximado do FATURAMENTO BRUTO do setor, com um lucro líquido estimado, medio, da ordem de 0,2% (zero vírgula dois por cento).

    Não só o setor de planos e seguros de saúde está em crise, como está sendo concentrado rapidamente; dos mais de 3.000 (tres mil) planos registrados na ANS até 2002, hoje restam 832 (oitocentos trinta e dois) com registro ativo e, destes, menos de 800 em operação. O “plano de saúde individual e familiar” foi praticamente extinto (só permanecem os que já estão), por uma total irrealidade no tratamento dos números pela Agência “reguladora” que, embora exija a “nota técnica atuarial” dos planos, é absolutamente incapaz de interpretá-la, e com isso leva à quebra muitos planos anteriormente prósperos e inflaciona fortemente os preços dos produtos de saúde dos planos que “ainda estão” (sabe-se que não “ficarão”).

    Simplesmente, na impossibilidade de reajustar as suas carteiras de saúde já existentes em bases realistas (através da nota técnica atuarial), e impedidas por lei de denunciar os contratos deficitários em vigor, as Operadoras de Saúde tem tentado compensar essas carteiras deficitárias com a formulação de novos produtos de saúde a preços muito mais altos que o necessário, cabendo, a quem “está entrando”, pagar a conta dos que “já estão”.

    Quanto ao “ressarcimento do SUS”, algum beneficiário de plano de saúde, que alguém conheça, abriu mão do seu direito à assistência pelo Estado, pelo fato de haver celebrado um contrato de plano de saúde?

    Se teria direito ao SUS, mesmo que não tivesse um plano, porque deixaria de tê-lo depois de celebrar um plano?

    Se continua a tê-lo, e fez uso dele mesmo tendo celebrado um plano (o que é seu direito e opção), por quê o plano teria que ressarcir o uso de um serviço de saúde que não credenciou?

    Ah, sim, já sei: É porque é lei, né? E leis não erram…

     

    1. E tem mais: o Judiciário vem

      E tem mais: o Judiciário vem tomando reiteradas decisões para garantir aos usuários a cobertura de eventos não contratados pelos planos de saúde. Daí, assim como o governo cobra deles, eles repassam para o conjunto dos usuários o aumento da sinistralidade perpetrada pelo judiciário. 

      O problema original está na CF88, ou melhor, nos constituintes que a escreveram. A ideia inicial era garantir apenas a saúde pública na Constituição por meio de um sistema único. Mas eis que o lobby dos planos de saúde consguiu forçar a entrada do elemento privado como sendo suplementar ao público e ninguém deixou claro que desgraça seria isso. Está aí a confusão armada. Cada um puxa a sardinha para sua brasa e o judiciário interpreta como quer. Como pode haver suplementariedade a um serviço público numa relação de consumo privada? Se é uma relação de consumo, por que o judiciário pode obrigar os planos a dar uma cobertura que não foi contratada?

       

  6. Poucos brasileiros sabem dos

    Poucos brasileiros sabem dos detalhes dos Projetos de Leis, de Emendas, etc. Mas, cada vez mais os cidadãos estão querendo saber desses meandros, querem participar das discussões sobre o que é bom e o que não é para nó os comuns mortais, resultado das escolas e projetos sociais que o PT implantou, o analfabetismo é tudo de bom para esses políticos eleitos com verba privada, o querer saber do povo é um dos ódios da oposição. O as pessoas querem saber desses detalhes mas ainda não sabem, isso ainda lhes é negado. Por isso o pessoal saiu às ruas em 2013 sem saber especificamente o que queriam, sabiam que não estavam contente com o que “estava aí” porém só tinham a sensação de “não é isto…”. Não sabiam nem contra quem se voltar, onde é a raiz da sua insatisfação, então elegeram a Dilma como Geni. Não identificaram que é o Legislativo a causa de todo mal estar dos brasileiros.

  7. pindorâmicas

    Segundo, se não me engano, o imortal Merval (Se não foi este, foi o Sardenberg ou qualquer outro CBNista – o que não faz a mínima diferença.) , em mal disfarçado elogio de caráter, declarou que Dudu Cunha sempre entrega o que promete.

    Vê-se agora e mais uma vez que o cara é fiel a quem lhe paga as campanhas.

    Por outro lado, será que essa iniciativa do Dudu Cunha não está em consonância com a política de corte de gastos do governo Dilma?

    Malandro, olhando daqui, parece que o parlamento de Pindorama tá mais bagunçado do que o da Terceira República Francesa no Entreguerras – sugiro a leitura de A QUEDA DA FRANÇA, de William L. Shirer.

    Inda bem que não nos pesa nenhuma ameaça de guerra.

  8. Trabalhei por muitos anos na

    Trabalhei por muitos anos na Saúde Pública e conheço muito bem o que faziam e ainda fazem os médicos que trabalham nos 2 serviços. Sempre em prol do privado, claro !

    1. Eu também, trabalho nisso há muitos anos (apenas 30)…

      E nunca vi médico privado ter interesse em desviar o paciente de plano privado para o “público”.

      Já vi muito o contrário e, hoje em dia, vejo que “particular” ninguém quer.

      1. José Mayo

        Creio que não me expressei bem. O que sempre vi foram médicos deixando de lado o público , dando preferência ao privado. No público praticamente só  assinavam o ponto, como acontece até hoje.  Conheci 2 médicos que sempre “quebravam” o aparelho de RX do posto de saúde e encaminhavam os pacientes ao seus hospitais. Por estas e por outras o gov. Franco Montoro conseguiu o Hospital são Marcos, de Ferraz de Vasconcelos na Grande SP.

        1. Sim, Lenita, eu entendi e confirmei…

          De fato, e no passado, ocorria a tentativa (e conseguitiva) de desviar pacientes do hospital público para o privado… Hoje, se não tiver plano, nenhum hospital aceita… A razão é bem simples: se complicar e der CTI, a família não paga.

          Como os hospitais estão proibidos de cobrar caução, preferem não admitir pacientes particulares e depois ter que se virar com o calote, amparado pelo Judiciário, sob a alegação de “estado de necessidade”.

          Hoje, dificilmente você vai encontrar um hospital particular de porte medio com emergência aberta, ao contrário, o que você encontra é um enorme letreiro na entrada informando que NÃO HÁ PRONTO SOCORRO.

          A razão é a mesma: o hospital é obrigado por lei a atender as situações de risco de vida, mas a mesma lei não obriga ninguém a pagar e o hospital é quem se lasca.

          Engraçado, né?

          Pois é…

    2. Eu pago meus impostos. Eu defendo o SUS!

      O dinheiro do SUS sai dos meus impostos e da maioria do povo brasileiro que é de fato quem realmente paga impostos e não as elites como gostam de ficar berrando. Eu quero meus impostos aplicados para melhoria dos serviços públicos como saúde e educaçao; nos projetos sociais do governo para proteger socialmente os menos favorecidos; nos projetos do Minha Casa Minha vida; na melhoria da vida dos trabalhadores(as) e sua qualidade de vida e salários e também no desenvolvimento nacional igualitário. Não quero meu dinheiro indo parar nos sistemas privados de saúde! #ForaCunha.Não dou a Cunha o direito de vender meus direitos!

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