Covid-19 – As estatísticas são ruins e, sem a adoção de medidas efetivas, irão piorar ainda mais, por Felipe A. P. L. Costa

Seja como for, confirmada a tendência de alta (a depender das estatísticas de hoje e de amanhã), medidas mais efetivas de distanciamento social terão de ser postas em prática.

Covid-19 – As estatísticas são ruins e, sem a adoção de medidas efetivas, irão piorar ainda mais.

Por Felipe A. P. L. Costa [*]

Resumo. Este artigo apresenta e discute o ritmo de disseminação da Covid-19, tomando como parâmetro a taxa de crescimento no número de novos casos. Em âmbito mundial, o ritmo segue arrefecendo desde 29 de março. Em âmbito nacional, no entanto, a situação é preocupante. Entre 21 e 27 de abril, após quatro semanas de oscilações para baixo, a taxa de crescimento oscilou para cima (entre 5,8% e 10,4%). Não é bem uma surpresa e não acredito que os resultados surpreendam os técnicos do Ministério da Saúde. Suspeito que o boicote promovido pelo Palácio do Planalto tenha conseguido erodir ou reverter boa parte das medidas de mitigação adotadas até aqui. Confirmada a tendência de alta, no entanto, medidas mais efetivas terão de ser postas em prática. Em uma conjuntura política já tão conturbada como a nossa, não seria exagero afirmar que uma reviravolta no curso da pandemia seria um ingrediente adicional não apenas corrosivo, mas verdadeiramente explosivo.

1. Situando o problema.

Estatísticas divulgadas ontem e hoje indicam que o coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2) já infectou mais de 3 milhões de indivíduos em todo o mundo. Foram registradas mais de 200 mil mortes, ao mesmo tempo em que quase 900 mil indivíduos hospitalizados receberam alta [1].

Os 20 países mais afetados pela doença do coronavírus 2019 (Covid-19) concentram 86% dos casos e 93% das mortes [2]. A boa notícia é que, na maioria desses 20 países, a pandemia segue arrefecendo. A situação é delicada e incerta em apenas alguns deles (e.g., Turquia, Rússia e Brasil).

2. Medindo a disseminação da pandemia.

No início de abril, em artigos publicados neste Jornal GGN, eu apresentei possíveis evidências de que a pandemia estaria arrefecendo [3]. Minha conclusão estava assentada na tendência declinante que observei no que estou a chamar de taxa de crescimento no número de casos da Covid-19 – ou, alternativamente, no número de indivíduos infectados com o SARS-CoV-2.

Em artigos posteriores, examinei a pandemia em escala nacional [4]. E a tendência que identifiquei foi mais ou menos a mesma: entre nós, brasileiros, a taxa de crescimento no número de novos casos estaria a descrever uma trajetória igualmente declinante, ainda que aos ‘saltos’ e em patamares notadamente mais elevados que os da média mundial.

Para avaliar a disseminação da Covid-19 (tanto em escala mundial como nacional), tenho calculado uma taxa de crescimento diária no número de indivíduos infectados com o SARS-CoV-2. Esta taxa (β) tem sido definida como β = ln [Y(t + 1) / Y(t)], onde Y(t + 1) é o número de indivíduos infectados no dia (t + 1); Y(t) é o número de infectados no dia anterior; e ln indica logaritmo natural [5].

3. A pandemia no mundo.

Em âmbito mundial, quando os valores de β são colocados em um gráfico, seis agregados de pontos podem ser identificados (elipses A-F na figura 1), a saber:

(A) Entre 1 e 10/3, intervalo durante o qual a taxa de crescimento escalou desde β = 2,1% até β = 4%;

(B) Entre 11 e 17/3, quando a taxa de crescimento escalou desde β = 6,1% até β = 8,6%;

(C) Entre 18 e 28/3, quando a taxa oscilou entre β = 10,4% e β = 12,9%;

(D) Entre 29/3 e 4/4, quando a taxa declinou desde β = 9,4% até β = 7,5%;

(E) Entre 5 e 20/4, quando a taxa declinou desde β = 6,2% até β = 3,1%; e

(F) Entre 21 e 27/4, intervalo durante o qual a taxa tem oscilado para baixo, variando agora entre β = 3,9% e β = 2,5%.

FIGURA 1. Variação na taxa de crescimento diário no número de casos da Covid-19 na população mundial (eixo vertical; β expresso em porcentagem), entre 1/3 e 27/4. Cinco agregados de pontos podem ser identificados (A-E) e um sexto ainda está em formação (F) (para detalhes, ver o texto). As setas estariam a representar algo como a direção e o sentido da força dominante dentro de cada agregado (com exceção de C e F que são mais ou menos esféricos e, portanto, desprovidos de uma direção) e a linha tracejada, algo como a trajetória média de todos os pontos. Em alaranjado, os resultados de março; em verde, os de abril.

 

4. A pandemia entre nós.

Quando os valores de β obtidos para as estatísticas brasileiras são colocados em um gráfico, cinco agregados de pontos podem ser identificados (elipses A-E na figura 2), a saber:

(A) Entre 21 e 30/3, intervalo durante o qual a taxa de crescimento declinou desde β = 27,8% até β = 7,6% (houve um excepcional 37%, mas aí se trata de um verdadeiro ‘fora da curva’);

(B) Entre 31/3 e 6/4, quando, após uma inesperada e significativa escalada (30-31/3), a taxa de crescimento tornou a declinar, dessa vez desde β = 24,8% até β = 8,3%;

(C) Entre 7 e 14/4, quando a taxa de crescimento, após uma segunda e significativa escalada (6-7/4), tornou a declinar uma terceira vez, agora desde β = 16,1% até β = 5,5%;

(D) Entre 15 e 20/4, quando a taxa de crescimento, após uma terceira escalada (14-15/4), tornou a declinar uma quarta vez, agora desde β = 12,1% até β = 5%; e

(E) Entre 21 e 27/4, intervalo durante o qual – pela primeira vez! – a taxa tem oscilado para cima, variando agora entre β = 5,8% e β = 10,4%.

FIGURA 2. Variação na taxa de crescimento diário no número de casos da Covid-19 na população brasileira (eixo vertical; β expresso em porcentagem), entre 21/3 e 27/4. Quatro agregados de pontos podem ser identificados (A-D) e um quinto ainda está em formação (E) (para detalhes, ver o texto). As setas estariam a representar algo como a direção e o sentido da força dominante dentro de cada agregado e a linha tracejada, algo como a trajetória média de todos os pontos. Em alaranjado, os resultados de março; em verde, os de abril; os quadrados em azul correspondem a domingos.

5. Coda.

As estatísticas brasileiras não são boas, em dois sentidos. Primeiro, em termos metodológicos. Há muita oscilação de um dia para o outro, o que sugere que os dados não estão sendo coletados ou processados de maneira uniforme ao longo da semana. O represamento de dados poderia ajudar a explicar essa sucessão de ondas que vemos na figura 2, com os valores associados aos domingos tendendo a permanecer por baixo.

Em segundo lugar, as estatísticas não são boas porque estão a refletir – ainda que palidamente – a situação do país. E a situação do país é preocupante. Veja: entre 21 e 27/4, após quatro semanas de oscilações para baixo, a taxa de crescimento – pela primeira vez! – oscilou para cima (entre 5,8% e 10,4%).

Não é bem uma surpresa e não acredito que estes resultados surpreendam os técnicos do Ministério da Saúde. Qual seria então a origem dessa mudança de rumo? Suspeito que o boicote promovido pelo Palácio do Planalto – e.g., atacando sistematicamente as medidas de ‘isolamento social’, para usar a expressão que a imprensa adotou – tenha conseguido erodir ou reverter boa parte das medidas de mitigação adotadas até aqui.

Seja como for, confirmada a tendência de alta (a depender das estatísticas de hoje e de amanhã), medidas mais efetivas de distanciamento social terão de ser postas em prática. Não custa lembrar: todos os países que evitaram ou protelaram a adoção de tais medidas pagaram ou ainda estão a pagar um preço amargo pela sua inércia (ver aqui). Neste sentido, deveríamos parar de seguir a Rússia, cujas estatísticas estão a escalar ainda mais rapidamente do que as nossas, e passar a olhar para alguns de nossos vizinhos – a Argentina, por exemplo.

Em uma conjuntura política já tão conturbada como a nossa, arrisco dizer que uma reviravolta no curso da pandemia seria um ingrediente adicional não apenas corrosivo, mas verdadeiramente explosivo.

*

Notas

[*] Para detalhes e informações sobre o livro mais recente do autor, O que é darwinismo (2019), inclusive sobre o modo de aquisição por via postal, faça contato pelo endereço [email protected]. Para conhecer outros livros e artigos, ver aqui.

[1] Estou acompanhando as estatísticas mundiais por meio de dois painéis, ‘Mapping 2019-nCov’ (Johns Hopkins University, EUA) e ‘Worldometer: Coronavirus’ (Dadax, EUA). Mais recentemente, passei a acompanhar as estatísticas nacionais também por meio de um painel do Ministério da Saúde.

[2] Os 20 países mais afetados podem ser arranjados hoje (28/4) em quatro categorias: (a) Acima de 500 mil casos – Estados Unidos; (b) Entre 100 e 500 mil – Espanha, Itália, França, Alemanha, Reino Unido e Turquia; (c) Entre 50 e 100 mil – Rússia, Irã, China e Brasil; (d) Entre 20 e 50 mil – Canadá, Bélgica, Países Baixos, Índia, Suíça, Peru, Portugal, Equador e Arábia Saudita.

Compare com a composição em 31/3 (o asterisco indica países que posteriormente saíram da lista): EUA, Itália, Espanha, China, Alemanha, França, Irã, Reino Unido, Suíça, Turquia, Bélgica, Países Baixos, Áustria*, Coreia do Sul*, Canadá, Portugal, Brasil, Israel*, Noruega* e Austrália*.

[3] Sobre a pandemia em escala mundial, ver ‘Covid 19: Evidências iniciais de que a pandemia está arrefecendo’ (2/4) e ‘Covid-19 – Nós batemos no teto?’ (7/4).

[4] Sobre a pandemia em escala nacional, ver ‘Covid-19 – No ritmo atual, o país terá entre 6,5 mil e 21 mil mortes até o fim de abril’ (12/4); ‘Covid-19 – Ajustando e renovando o alerta para 30/4’ (17/4) e ‘Covid-19 – Contra o que estamos a lutar?’ (24/4).

[5] Para exemplos de como usar a fórmula, ver o artigo ‘Covid-19 – O mundo, o país e a atropelada russa’. Sobre padrões de crescimento numérico, ver as duas primeiras partes do artigo ‘Corpos, gentes, epidemias e… dívidas’ (aqui e aqui).

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Redação

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