“400 mil vidas me separam do presidente”, defende-se Mandetta

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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O ex-ministro Luis Henrique Mandetta usou mais de 8h da CPI da Covid para vangloriar seu posicionamento na Saúde, criticando negacionistas e o governo Bolsonaro

Ex-ministro Luis Mandetta – Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Jornal GGN – Adotando uma postura de auto-defesa e “do lado da ciência”, o ex-ministro Luis Henrique Mandetta usou mais de 8 horas de audiência da CPI da Covid, nesta terça-feira (04), em um esforço de vangloriar seu posicionamento no comando do Ministério da Saúde, criticando negacionistas e o governo de Jair Bolsonaro, e despistando qualquer responsabilização sua no atual colapso sanitário brasileiro.

Em um dos temas mais repetidos, o ministro sustentou críticas sobre o uso de medicamentos sem eficácia comprovada, defendidos pelo presidente da República. Ao ser questionado pelo senador Marcos Rogério (DEM-RO), se o ministro conhecia algum medicamento que continha na bula a prescrição para tratar Covid-19, Mandetta respondeu: “Eu acho louvável que pessoas leigas tenham essa percepção”. “Tem tantos remédios do mundo, na farmácia, é nobre, bonito, assim que a humanidade anda”, ironizou.

“Temos mais de um ano desde os primeiros casos da China, no segundo semestre vamos fazer 2 anos. Os países do mundo inteiro estão procurando e até agora nós não temos medicamento para Covid.”

“Queriam incluir medicamento para câncer de próstrata”

Sem mencionar diretamente o presidente Jair Bolsonaro, mas se referindo aos negacionistas e defensores da medicação não comprovada, Mandetta disse que “esses grupos vão de tempos em tempos escolhendo” remédios para promocionar na pandemia.

“Começou com Cloroquina, depois Annita, Ivermectina, outro dia queriam colocar medicamento para câncer de próstrata. Nós não temos problema, médico gosta de drogaterapêutica. Eu acho louvável que a pessoa que não é da [área médica] tente [achar um remédio]. Mas precisa ter uma coisa que chama Conselho Nacional de Ética em pesquisa”, rebateu.

Acusando diretamente o governo, ainda que muitas vezes sem citar o nome de Bolsonaro, o ex-ministro narrou que “havia consciência de que se estava fazendo indução à utilização [de remédios], mesmo sem comprovação científica”. Em seguida, citou os efeitos adversos dessas drogas: “Esse negócio de tratar como se joga isso para a população é muito complicado, muita gente tropeçou no destino. No mínimo o princípio da cautela, dentro da medicina, foi roto.”

Em outro momento, com a sustentação do governista Luis Carlos Heinze (PP-RS), favorável aos medicamentos sem eficácia comprovada, citando exemplos de médicos de sua cidade gaúcha, Rancho Queimado, Mandetta voltou a contestar: “Acho louvável procurar [remédios contra a Covid-19], mas acho importante submeter e discutir cientificamente. Para mim, uma substância A, B, desde que se imponha, tomara que Rancho Queimado tenha descoberto a fórmula”. “Eu particularmente prefiro a vacina. Não acho inteligente com as pessoas contrair doenças tomando remédios”, completou.

“Aconteceu”: Tentativa de mudar bula da cloroquina

Como um dos endossos às investigações de crimes cometidos pela esfera federal, Mandetta admitiu que dentro do governo foi discutido, durante uma reunião, a tentativa de inserir a Covid-19 dentro da bula da cloroquina. Mas questionado pelos senadores “quem quis alterar a bula”, o ex-ministro não entregou nomes.

“Estava saindo de uma reunião de ministros, eu ia ser demitido naquele dia, todos chegaram lá. Eu vi um papel em branco, sem timbrado, nada. Uma minuta, uma sugestão de minuta. Estava o ministro Jorge Ramos, o questionei: ‘mas ministro isso é decreto para o presidente?’, ele respondeu: ‘isso está fora de questão, juridicamente não existe [a possibilidade de modificar a bula do remédio]. Então existia [a tentativa de mudança], alguém teve essa ideia, não sei dizer quem. Mas isso aconteceu. Imagino que deve ser alguém externo, que fez sem saber. Mas foi prontamente rechaçada naquela reunião”, narrou.

“400 mil vidas me separam do presidente”

Em outro momento, Luis Henrique Mandetta criticou a falta de decretos de lockdown, caracterizando as adotadas por alguns governadores como “medidas de leite derramado”. “Brasil não fez lockdown. O Brasil fez medidas depois, de leite derramado. Estivemos sempre um passo atrás do vírus.”

Em poucos momentos de críticas dos senadores a ele, Mandetta esvaziou a pergunta e mudou de tema. Questionado sobre não ter adotado lockdown antecipado, quando ele era ministro, Mandetta não respondeu, apenas criticou a falta de mapeamento e de testagem depois que deixou o governo. Chegou a amenizar o próprio presidente, afirmando que “conversou” em algumas ocasiões com o mandatário sobre a necessidade de distanciamento social e “ele entendia”. Mas que, hoje, “como cidadão”, “400 mil vidas me separam do presidente, até atualmente”.

Também na sequência dos esforços para preservar sua própria imagem, afirmou que “todos os ministros” do período são “testemunhas” da postura adotada por ele à frente da pasta. “Todos os ministros que participavam, todas terças-feiras, além de eu ter entregue em mãos do presidente, coloquei claramente imperioso zelar pelos médicos, enfermeiros, uma vez que são os mais expostos”, disse.

Ainda no meio da audiência, Mandetta exclamou um quase “mea culpa”, com tom de superioridade: “O Brasil podia ter feito muito melhor, sinto frustração de não ter sido capaz de explicar [o cenário para o governo], foi realmente lamentável.”


Acompanhe a íntegra do depoimento de Luis Henrique Mandetta na CPI da Covid:

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Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

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