Do Justificando
Nada a temer a não ser o próprio medo: Fora Temer!
Por Salah H. Khaled Jr.
As areias do tempo retrocederam. O calendário foi rasgado e a história foi reescrita para garantir a reiteração do mesmo. Os fantasmas de natais passados retornam novamente para nos assombrar. Repentinamente nos reencontramos com um Brasil cujo prazo de validade aparentemente havia expirado. A mancha autoritária que ele representa enquanto ferida ainda aberta em nossa história não tem como ser apagada. Ele polui nosso passado, presente e futuro: é um monumento arcaico, que permanentemente compromete quaisquer esforços concretos para a consolidação da democracia no Brasil.
Nas últimas décadas, avançamos como nunca havíamos avançado antes. E por isso ousamos acreditar que nossa origem bastarda não nos acorrentava. A emancipação parecia algo possível. Enfim poderíamos deixar para trás o legado excludente do nosso passado colonial, como se ele fosse biodegradável. Uma democracia relativamente estável parecia estar ao nosso alcance. Mas, agora, tudo parece ter sido reduzido a cinzas. A legalidade foi estraçalhada. Práticas de exceção viraram regra sem o menor pudor: diversos atores sociais exteriorizam uma subjetividade violenta com jovial naturalidade. Fazem do público um reflexo distorcido do privado. Movidos por uma agenda de destruição, dão cabo de sua missão: toda espécie de direitos está prestes a ser consumida nas chamas de uma fogueira que será alimentada com corpos vulneráveis. Estão abrindo caminho a ferro e fogo para a terra prometida: um reino depurado de diversidade, no qual os patos têm acesso livre, as mulheres sabem qual o seu lugar e os espaços de poder desfrutam de um processo extensivo de branqueamento que fede a mofo.
Tochas estão sendo acesas de Norte a Sul do país. O ódio é exalado pelos poros dos incautos. Querem sangue. Nada menos que a destruição dos estigmatizados os satisfará, e nenhum dano colateral é grande demais para a consecução de tão desejável finalidade. Instrumentalizados pela violência simbólica do aparato jurídico-midiático que possibilitou o próprio golpe, possivelmente serão presas fáceis para a falácia da herança maldita que a tudo justifica. Gente lobotomizada não dispõe de ferramentas para se libertar da moral de rebanho. Não percebem que trajam grilhões de servidão e muito menos que o rei está nu. Mas nem tudo se resolverá tão rápido. Logo muitos deles serão confrontados com as próprias escolhas e acordarão de forma traumática para a realidade predatória de vulneráveis que é subjacente ao esforço golpista.
O controle do aparato político não saciará a fúria de nossas elites genocidas. Para elas, nada menos que a realocação de corpos bastará. É preciso reafirmar uma hierarquia social excludente. Garantir tanto a visibilidade quanto o sumiço do outro de certos lugares sociais. Banir o diferente como indesejável e simultaneamente assegurar que ele cumpra sua função como exército de mão de obra de reserva: um estoque de gente excluída disposta a vender seu tempo e suas forças sem ter direito a qualquer dignidade, motivo pelo qual a própria definição de trabalho escravo terá que ser redimensionada.
O sistema penal continuará a exercer sua função social de gestão da miséria. Para isso a redução da maioridade penal contribuirá significativamente. Uma vez que o seu funcionamento retrata de forma fidedigna o patamar democrático de uma sociedade, é possível compreender que de certo modo ele profetizava o retrocesso que estava por vir. A máquina de trituração do outro que é o poder punitivo no Brasil jamais cessou de funcionar ou sequer arrefeceu. Logo suas engrenagens lubrificadas serão colocadas a serviço da repressão e possivelmente a lei antiterrorismo em muito ajudará nessa missão. Considerando a essência autoritária e publicamente assumida do governo interino, será necessário reprimir, já que a resistência é forte: nas praças, nas ruas, nas universidades, no Judiciário, no Legislativo, no Executivo e em muitos outros lugares, como nas próprias redes sociais.
É dolorido reconhecer que a democracia no Brasil não era mais do que uma miragem. Dela resta a forma, mas o conteúdo foi perdido. É possível que a sua reconstrução seja tarefa para mais de uma geração. Mas ainda resta um fio de esperança para a resistência, por mais tênue que possa ser. Um sopro de legalidade pode ainda fazer com que o Leviatã estremeça. Você pode fazer a sua parte. Basta ter a coragem de encher os pulmões e não ceder aos próprios medos. É nos momentos de ruptura histórica que encontramos dentro de nós a coragem para não temer, mesmo quando o futuro parece incerto e ameaçador.
Você pode dizer não a tudo isso. Cante em alto e bom tom. Pela democracia. Pela liberdade. Pela legalidade. Pela diversidade. Carmina Burana. FORA TEMER. FORA TEMER. FORA MICHEL TEMER.
Veja e ouça aqui o magnífico ato no Palácio Gustavo Capanema, com excelente edição da Mídia Ninja:
https://www.youtube.com/watch?v=b8-Y64oR5E4 height:394
Um grande abraço para quem ama a democracia!
Salah H. Khaled Jr. é Doutor e mestre em Ciências Criminais (PUCRS), mestre em História (UFRGS). Professor da Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Escritor de obras jurídicas. Autor de A Busca da Verdade no Processo Penal: Para Além da Ambição Inquisitorial, editora Atlas, 2013 e Ordem e Progresso: a Invenção do Brasil e a Gênese do Autoritarismo Nosso de Cada Dia, editora Lumen Juris, 2014 e coordenador de Sistema Penal e Poder Punitivo: Estudos em Homenagem ao Prof. Aury Lopes Jr., Empório do Direito, 2015.
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Mas eu te disse…
Há mais ou menos 10 anos atrás eu dizia que vivemos a ditadura do judiciário e uma censura da imprensa. Agora, tudo fica mais evidente. Retrocedemos 100 anos. Vivemos no mundo do autoritarismo, da corrupção dos poderosos, das oligarquias e dos coroneis. Estamos perdidos!
Impressionante …
A união de seres pensantes contra o governo de golpistas.
Precisamos, entretanto, sair das ideologias e sonhos para a prática. É importante reverberar o que está acontecendo no Senado e buscar de todas as formas, quando falo de todas as formas é de forma absoluta, fazer regredir esse golpe. Para isso há votos a conquistar.
Temos que tomar cuidado para não estarmos sendo jogados, como fomos até então, num lodaçal do qual não possamos sair e com isso legitmizar uma ressurreição de forças retrógradas.
O primeiro cuidade que temos que ter é com a anulação do golpe. O segundo e não menos importante é a viabilização de um governo que terá menos tempo ainda, terá a mais forte oposição dos golpistas e, ainda, terá que sair de um patamar inferior ao que foi deixado. Tarefa hercúlea, que tende a ser cada dia menos possível, devido aos estragos que o governo golpista tem feito no país.
Linda música.
Linda poesa.
A realidade prescinde delas, mas elas, ainda mais, prescindem da realidade.
Vero. Democracia só labirinta
Vero. Democracia só labirinta por conta de 50% + 1. Diferente disso… ditadura. Não respeitar isso é golpe! O que derrubar isso é mais do que golpe!!!!! Hoje, maioria não quer ver nem pintado fhc e seus gatinhos ameastrados(*), nem disfarçados de tiririca! à minoria cabe, com nossa torcida, aceitar a regra do jogo eleitoral, se esforçando sempre para a próxima. Bom lembrar que a falta de uma oposição à altura, desvinculada da grande imprensa, está fazendo falta desde + ou – 1980 e pouco.
1964 foi história, 2016 é
1964 foi história, 2016 é farsa. Somos milhões de pessoas conscientes de que o golpe é golpe e ponto final. Somos pessoas comuns politizadas, artistas, intelectuais, professores, jornalistas, movimentos sociais, entidades, profissionais de todas as áreas, etc. Somos milhões, muitos milhões e podemos derrotar esta gente que está ocupando o poder de maneira ilegítima. Eles são minoria porque o bando de analfabetos políticos que serviu de massa de manobra para o golpe não moverá um músculo para defendê-los. O povo só precisa tomar consciência disso e não esperar nada das instituições, inclusive das eleições.
que barato…
bate forte coração mais uma vez, FORA TEMER
muito importante dar início a uma chamada nacional para num domingo qualquer que temos pela frente nos reunirmos como uma só cidade e avenida e num só grito que pode ressoar por todo o país, FORA TEMER
não podemos perder tempo e precisamos confirmar, juntos, como este governo ilegítimo vai reagir
Parabéns mídia ninja
Adorei o vídeo. Parabéns tb pelo texto. É isso aí agora só falta articulação para fazer tudo junto e mostrar força e grandeza e gerar a virada!
Eu já era um pessimista
Eu já era um pessimista racional muito lúcido.
Apenas renovei meus votos. A verdade, a que fica entalada, todos já ouviram: tinha tudo pra ser ótimo.
Com um pequeno detalhe que, a exemplo do que o amigo postou, também deve ser dito:
O retrocesso continua a condenar milhões de brasileiros a péssimas condições sociais, selvagemente espoliados do seu suor.
A cada 5 anos aproximadamente, talvez por baixo, mataremos 600 mil em acidentes no trânsito ou assassinados.
Isso sem contar os perenemente sequelados, a altíssima perda humana, moral, de perspectiva civilizatória.
O pequeno ganho distributivo recente não é colchão suficiente.
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O problema não é não ter medo. O problema é saber o quê e como fazer.
No momento considero que a discussão sobre o futuro se inicia da academia, das universidades.
Ou dificilmente será de outro lugar.
Reitores, ex-reitores, a comunidade em geral, iniciar uma ampla e aberta discussão a céu aberto.
O país precisa de um espaço neutro.
Nós precisamos de pensar, mas antes disso é condição primeira o lugar, a praça, o gramado…
Um pouco de filosofia e psicologia coletiva ajudaria muito, história.
É a hora de todos falarem, e todos ouvirem. Saia da frente da televisão e venha para o parque,
E que se converse de peito aberto e com as cartas livres.
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Olhem para o tanto que enjaulam em cadeias miseráveis, que abortam em saletas ordinárias..
Que 10% abocanha 50% da renda.,
Que os banqueiros estão levando todos os anos 500 bilhões de reais.
Que uma bucrocacia de elite aufere como se fosse empresas de médio porte.
Não é questão de PIB e crescimento, e dvída, e déficit.
Mas de desenvolvimento humano.
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Por último:
Não será através de Reforma Política… Mas de um conjunto de de leis aprovadas em sequência, devagar, aos poucos.
Impedir a suplência de deputados e senadores é um exemplo claro e direto.
Muito mais foi dito num texto recente publicado aqui.
Deve-se testar a possibilidade de plebiscitos.
esse texto e esse belo video
esse texto e esse belo video têm um forte simbolismo de resistencia…
o medo é natural do ser humano, o medo de ter medo,.
MAS TEMER, NÃO
essa é a síntese da harmoniosa E unida resistencia…
que o coral de vozes democráticas e
inclusivas se amplie, portanto..
e, como diria plutarco, que a maioria manipulada saiba ouvir
esse som de dignidade e resistencia….