A “live” de Bolsonaro e as insinuações contra o BNDES

No afã de ajudar Bolsonaro, Montezano lançou suspeitas sobre o próprio BNDES e seus empregados, que executaram políticas públicas legitimamente aprovadas pelos poderes constitucionais da época. 

Divulgação

A “live” de Bolsonaro e as insinuações contra o BNDES[1]

Este texto foi produzido por empregados do BNDES, alguns aqui assinados, para seus colegas no banco. A relevância do tema para o país fez torná-lo público.

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Não foi surpreendente, mas é preciso dividir com os colegas como foi duro de engolir algumas das declarações feitas pelo presidente do BNDES, Gustavo Montezano, na transmissão ao vivo semanal do presidente da república, Jair Bolsonaro, ocorrida na quinta-feira passada, 27 de janeiro de 2022.

Montezano está no BNDES há dois anos e meio. Chegou no banco com a tarefa de “abrir sua caixa-preta”, uma designação genérica para supostas irregularidades que teriam ocorrido em gestões anteriores. Montezano, porém, viu que essas irregularidades inexistem. Para todas as acusações apontadas, o BNDES e seus empregados apresentaram as razões e os cuidados tomados, demonstrando que a operação do banco sempre se pauta pelo rigor técnico e pela lisura. Por isso, o próprio Bolsonaro reconheceu em 2021 que não havia a tal “caixa-preta”.

Isso não foi o bastante, porém, para que Bolsonaro desistisse de fazer insinuações contra o BNDES, com objetivo eleitoral. É horrível que o presidente da república faça isso, ainda que se possa dizer que é algo natural na política. Mas como justificar essa postura de quem está há tanto tempo à frente do BNDES?

Montezano disse, por exemplo: “como você explica que foi 3 bilhões de reais para Cuba, deu calote e não teve nada de ilegal? É muito esquisito”. O presidente do BNDES ainda afirmou que “a chance é muito baixa” de recuperação tais recursos.

A insinuação tem erros graves. Vale destacar alguns.

Primeiro, o mais óbvio: a operação de qualquer banco tem risco de inadimplência. Um “calote” não implica a existência de uma ilegalidade.

Segundo, em geral os empréstimos a países são menos arriscados do que os feitos a empresas. A razão é que, ao contrário das empresas, países não quebram. Eles podem enfrentar dificuldades de balanço de pagamentos e atrasar os pagamentos de dívidas contraídas, mas assim que podem voltam a pagar. A prioridade é dada às dívidas com outros países – e não com credores privados -, pois isso é crucial para normalizar as condições de suas transações internacionais. Claro, para conseguir receber o quanto antes um país credor precisa querer estabelecer relações diplomáticas saudáveis e pragmáticas com o devedor em atraso.

Montezano ainda afirmou que caberá ao Tesouro Nacional o ônus de um ”calote” de US$, 1,5 bilhão referentes aos financiamentos às exportações brasileiras de bens e serviços de engenharia. Montezano omitiu que o Tesouro recebeu dos países e das empresas que contraíram financiamento para suas importações do Brasil prêmios pelo seguro concedido, pagos pelos próprios importadores. Esses prêmios, arrecadados na maior parte bem antes da ocorrência de atrasos e inadimplementos, somam, desde a sua criação até 2021, US$ 1,46 bilhão, valor superior às indenizações pagas, que foram de US$ 1,36, conforme está disponível no portal do BNDES[2], sem contar a recuperação plenamente possível.

A demonização do apoio às exportações brasileiras de bens de alto valor agregados foi mais uma das mentiras inventadas contra o BNDES, que prejudicam enormemente o Brasil. Todos os países desenvolvidos e os em desenvolvimento de maior capacidade têm sistemas públicos de apoio a suas exportações.

Não é à toa. Exportar significa gerar emprego, renda e divisas, impulsionando a economia doméstica e ajudando a manter o crescimento sustentado, que é crucial para permitir solucionar os problemas internos, como os de infraestrutura. No caso do Brasil e do BNDES, esse apoio é feito exclusivamente para gastos com bens e serviços produzidos no país ou por brasileiros.

Montezano também chamou as operações contratadas com a JBS de “esquisitas”. A insinuação contradiz auditoria internacional realizada, a pedido da Diretoria do BNDES, a partir do governo Temer e finalizada na gestão atual, que concluiu que nada de irregular houve nessas operações.

No afã de ajudar Bolsonaro, Montezano lançou suspeitas sobre o próprio BNDES e seus empregados, que executaram políticas públicas legitimamente aprovadas pelos poderes constitucionais da época. 

Montezano tem evidentemente todo o direito de discordar das políticas públicas de outros governos. Porém é grave tentar transformar diferença de opinião em assunto de polícia, instigando ainda mais a sanha de órgãos de controle, que há anos instauram abusivos processos administrativos e até investigações penais contra centenas de colegas dignos. Está difícil seguir fingindo que está tudo bem.


[1] Bruno Galvão dos Santos, 44.

Carla Reis de Sousa Neto, 45.

João Barbosa de Oliveira, 58.

Marcelo Trindade Miterhof, 47.

Maurício Busnello Furtado, 36.

Rodrigo Melo e Silva de Oliveira e Cruz, 37.

Rodrigo Pedrosa Daltro Santos, 46.

Silvia Naomi Torii, 38.

Thiago Rabelo Pereira, 49.

Vitor Paiva Pimentel, 33.

São empregados do BNDES. O texto não reflete necessariamente a opinião do banco.

[2] https://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/transparencia/consulta-operacoes-bndes/contratos-exportacao-bens-servicos-engenharia

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

2 Comentários

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  1. A todos muito obrigado pelos esclarecimentos. Vocês são dignos e honrados representantes dos trabalhadores que servem ao Brasil. Meus parabéns.

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