Achatamento da classe média nos países ricos pode comprometer economia mundial

Sugerido por Sérgio T.

Do Wall Street Journal

Aperto da classe média de países ricos ameaça crescimento global
 
A globalização tornou o mundo um lugar mais igualitário, melhorando a situação econômica de milhões de pessoas pobres ao longo dos últimos 25 anos. Mas há um problema: Ela também aumentou a desigualdade dentro dos países mais ricos — comprimindo a renda da população pobre e da classe média.
 
Durante algum tempo, a crise financeira pareceu ter invertido a tendência de maior desigualdade nos países industrializados. Mas dados mais recentes indicam que foi apenas uma breve interrupção.
 
Por volta de 2010, as tendências pré-crise voltaram a ganhar força, à medida que estímulos governamentais davam lugar à austeridade, programas especiais de seguro-desemprego expiravam e — mais importante — as medidas de estímulo dos bancos centrais impulsionavam os retornos de ativos financeiros, ajudando a melhorar o cenário econômico.
 
Os bancos centrais injetaram somas sem precedentes nas economias ocidentais, o que levou os superricos a ficarem ainda mais ricos, em meio à escalada de preços de imóveis de luxo em cidades como Londres e Nova York e a disparada dos mercados de capitais.

 
Os números compilados por Emmanuel Saez, da Universidade da Califórnia em Berkeley, e Thomas Piketty, da Escola de Economia de Paris, mostram que, em 2012, os 10% mais ricos da população ficaram com metade de toda a renda produzida nos Estados Unidos. Esse é o percentual mais alto desde 1917, quando os dados começaram a ser compilados com mais precisão.
 
“Acho que temos um problema político. Pode chegar a hora em que as classes médias nos países ricos se rebelem contra a globalização”, diz Piketty, autor de “Le Capital au XXIe Siècle” (O Capital no século XXI, em tradução livre), livro disponível em francês sem data de publicação no Brasil. Uma ordem mundial na qual a maioria das pessoas se beneficia — mas uma minoria influente não — pode não ser sustentável por muito tempo.
 
Alguns especialistas acreditam que essas disparidades estejam se tornando cada vez mais enraizadas nas economias mais ricas — com a divisão entre os muito ricos e o restante da população marcada pela capacidade ou não de ter acesso ao capital. Se eles estiverem corretos, as sociedades desenvolvidas retornarão, em alguns aspectos, ao mundo dos séculos XVIII e XIX. Naquele mundo, riqueza de verdade era adquirida através do casamento ou da herança de propriedades. A ideia nascida no século XX de que construir um patrimônio depende em grande parte de uma carreira de trabalho duro e bem remunerado vai desaparecer.
 
O “Relatório de Riscos Globais do Fórum Econômico Mundial”, publicado antes da reunião anual do fórum esta semana, em Davos, na Suíça, e baseado numa pesquisa com especialistas de todo o mundo, identifica a grave disparidade de renda como o risco para a economia mundial que mais tem possibilidade de se manifestar durante os próximos dez anos. Os membros da “classe média comprimida” nos países desenvolvidos já estão se fazendo ouvir, com alguns aderindo a movimentos que contestam a ordem estabelecida e organizações políticas nacionalistas que se opõem à globalização.
 
A maior parte desse grupo ainda é privilegiada se comparada com a maioria da humanidade. Mas comparada com as pessoas mais ricas de suas próprias sociedades — o 1% tão bem representado em Davos esta semana —, a classe média está ficando para trás.
 
Branko Milanovic, ex-economista do Banco Mundial e professor visitante da Universidade da Cidade de Nova York, diz que dados de pesquisas com famílias americanas mostram que, de 1988 a 2008, a renda real dos 50% mais pobres nos EUA cresceu apenas 23%. As famílias da mesma faixa na Alemanha e no Japão tiveram um desempenho ainda pior. A renda real dos 50% mais pobres no Japão caiu 2% em termos reais. Enquanto isso, a renda do 1% dos americanos no topo da pirâmide cresceu 113%, um percentual que outros estudos consideram subestimado.
 
“As desigualdades nacionais em quase todos os lugares, exceto na América Latina, aumentaram”, diz Milanovic.
 
Globalmente, porém, as novas classes média e baixa de economias emergentes, como a China, Índia e Brasil, obtiveram grandes benefícios nos últimos vinte anos. Quem mais perdeu foi a população 5% mais pobre do mundo, que vive em grande parte na África. Instituições internacionais, como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, argumentam que o aumento da desigualdade na distribuição de renda e de patrimônio dentro de uma única economia corrói a coesão social e aumenta o risco de conflito interno.
 
As razões para o crescimento da desigualdade são muitas. A globalização atinge financeiramente os trabalhadores não qualificados, cujas atividades entram em concorrência direta com os trabalhadores de baixa renda de economias em desenvolvimento. O trabalho altamente qualificado tende a tirar mais proveito de avanços tecnológicos. A ascensão do setor financeiro, onde os melhores profissionais de bancos podem obter remunerações vultosas, parece ser outro fator. Mas talvez o fator mais determinante seja a importância crescente do acesso ao capital.
 
Em seu novo livro, Piketty, o da Escola de Economia de Paris, argumenta que, historicamente, o retorno sobre o capital ultrapassou o crescimento econômico. Ele acrescenta que as pessoas que têm acesso a capital verão sua renda subir a um ritmo mais rápido que as pessoas cuja renda depende do crescimento da economia, ou seja, a média da classe trabalhadora. A renda e a riqueza, portanto, tornam-se mais concentradas ao longo do tempo.
 
Isso talvez ainda não esteja acontecendo nas economias emergentes, presumindo que elas continuam crescendo. À medida que elas acompanham o mundo em desenvolvimento, há uma boa chance de que o crescimento seja superior aos retornos sobre o capital. Em algum momento, no entanto, à medida que elas amadurecem e o crescimento desacelera, a mesma dinâmica será aplicada. O capital será o rei.
 
Para o futuro, a questão é se a economia globalizada poderá se sustentar enquanto um número significativo de pessoas se vê em desvantagem. Se puder, outras pessoas na China, Índia e Indonésia — e em economias periféricas, como Bangladesh, Paquistão e países da África — poderiam se beneficiar.
 
Se a globalização não puder ser sustentada, um maior número de barreiras nacionalistas, restringindo o comércio e a circulação de capital e criando novos obstáculos à mobilidade do trabalho, poderia substituí-la. Isso poderia fechar a porta do progresso para muitos pobres do mundo.
 
Os pobres continuarão tentando melhorar de vida, mas se não conseguirem mobilidade social em casa, é provável que a busquem no exterior. “Ou os países pobres se tornam mais ricos, ou a população pobre vai se mudar para países ricos”, diz Milanovic.
 
“É provável que a migração se torne um dos principais problemas — ou solução, dependendo do ponto de vista — do século XXI”, diz ele.

 

Redação

4 Comentários

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  1. O mais interessante do texto foi:

    “”As desigualdades nacionais em quase todos os lugares, exceto na América Latina, aumentaram”, diz Milanovic.”

    Há quanto tempo a América Latina era o “bom exemplo”?

  2. Em dois anos, 75% da

    Em dois anos, 75% da população será de classe média, prevê Itaú

    CLÓVIS ROSSI
    ENVIADO ESPECIAL A DAVOS

    Ricardo Villela Marino, executivo-chefe para América Latina do Itaú Unibanco, tocou música para os ouvidos do público de Davos, ao anunciar que 75% dos brasileiros estarão na classe média de hoje até 2016.

    Classe média significa consumo, que significa bons negócios, e bons negócios são o que mais perseguem os executivos que compõem a principal clientela do encontro anual na cidade suíça.

    Mas classe média numerosa tem uma vantagem adicional, política: “Uma classe média que se sinta parte da economia contribui para a estabilidade política”, diz Rob Davies, ministro do Comércio e Indústria da África do Sul.

    Um segundo efeito político foi apontado por Villela Marino, mas este é no mínimo polêmico: “Quando os pobres sobem para a classe média, o voto não está mais atado a benefícios sociais”.

    No Brasil, pelo menos, há inúmeros pesquisas que mostram que programas de inclusão social atam, sim, o voto aos governantes que os introduzem ou ampliam.

    Por essas e outras razões, o tema classe média permeou duas das sessões de ontem do Fórum Econômico Mundial.

    A previsão do executivo do Itaú impressiona ainda mais se somada aos dados que esgrimiu, depois, o ministro de Assuntos Estratégicos, Marcelo Neri: de 2003 a 2013, 54 milhões de brasileiros subiram para as classes A, B e C.

    Se a nova classe média fosse um país, seria o 23º mais populoso, à frente da Espanha, compara Neri.

    Como já havia 67 milhões na classe média, pelas contas do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), tem-se que o Brasil está hoje com 121 milhões de pessoas -ou dois terços da população- na classe média.

    Se a previsão de Marinho se confirmar, seriam 39 milhões de uma novíssima classe média, até chegar, portanto, aos 75% da população.

    Pelos critérios da Secretaria de Assuntos Estratégicos, fazem parte da classe média (classe C) famílias com renda per capita de R$ 291 a R$ 1.019.

    ARMADILHAS

    O aumento da classe média, fenômeno mundial, mas particularmente forte na região da Ásia Pacífico, não traz apenas flores, constataram os debatedores.

    Para Enrique García, presidente da Corporação Andina de Fomento (CAF), esse avanço pode provocar o que os economistas chamam de “armadilha da renda média”. Traduzindo: os pobres têm um ganho de renda, mas estacionam no novo patamar e dele não conseguem sair.

    Para essa armadilha, “o calcanhar de aquiles é a baixa qualidade da educação”, diz o executivo da CAF.

    Uma segunda questão é o pipocar de manifestações em inúmeras partes do mundo, em geral tendo como eixo a classe média (nova ou antiga).

    Maurício Macri, prefeito de Buenos Aires e único candidato presidencial assumido para 2015, cunhou uma bela frase de efeito para se referir aos protestos: “Um pobre de hoje é rico em informação e milionário em expectativas”. Logo, sai às ruas para cobrar dos governos.

    Os debates não serviram, em todo o caso, para esclarecer o que, exatamente, é classe média. “É uma definição muito arbitrária”, disse, por exemplo, o ex-presidente mexicano Ernesto Zedillo.

    Neri preferiu brincar com uma antiga definição americana: classe média seria quem possui dois carros, dois cachorros e uma piscina.

    Se é assim, a classe média dos EUA está minguando, disse Laura D’Andrea Tyson (Universidade da Califórnia, em Berkeley): “A classe média não se recuperou das grandes recessões”. 

     

     

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