Líbia à beira de uma catástrofe humanitária

Enviado por Rodolfo Machado

Do Público.pt

A Líbia está a poucos dias de uma catástrofe humanitária

Falta luz, água potável, alimentos e combustível num país que apenas produz petróleo e gás e onde há uma ou duas armas em cada casa de família. Mesmo assim, o último português do sector privado a deixar o país alimenta a esperança de voltar.

Quando o último grupo de portugueses saiu da Líbia a 31 de Julho – um diplomata, um engenheiro e oito agentes do Grupo de Operações Especiais da PSP – num C-130 da Força Aérea espanhola a partir de uma base militar americana, já o aeroporto de Trípoli estava encerrado há mais de 15 dias. Quase uma centena de mortos e mais de 400 feridos estavam já contabilizados pelo Ministério da Saúde da Líbia só naqueles confrontos, iniciados a 13 de Julho com a operação “Fayer” (Amanhecer), lançada pela milícia de Misurata contra as brigadas de Zintan, que controlam o aeroporto desde a queda do regime de Muammar Khadafi, em 2011.

Na capital líbia falta já energia eléctrica durante 16 a 18 horas por dia, raream a água potável e os alimentos, praticamente todos importados, e ainda arde o maior reservatório de combustível da capital. Num país que vive da produção de petróleo e gás, havia relatos de mortes em postos de abastecimento por alguns litros de gasolina. Ouviam-se tiros e explosões constantes. Casas e edifícios eram arrasados por mísseis e rockets, matando dezenas de civis.

“Estão a ser cometidos crimes de guerra, a ser disparados mísseis em zonas residenciais. Falta tudo, incluindo médicos e enfermeiros, na maioria estrangeiros entretanto repatriados. A Líbia está a poucos dias de uma catástrofe humanitária”, afirma ao PÚBLICO Victor Cabral, o engenheiro civil que foi o último português do sector privado a sair do país, juntamente com o encarregado de negócios da embaixada portuguesa, Leandro Amado, e os GOE.

Victor Cabral assistiu ao crescendo da violência desde que foi para a Líbia, em Setembro de 2012. “Nessa altura ainda havia espírito de festa, havia pessoas que ainda festejavam nas ruas a revolução de Fevereiro de 2011”, que terminou com a morte de Khadafi em Sirte a 20 de Outubro desse ano. Apesar de não ser um território inseguro, em Trípoli havia vários quartéis ocupados por milícias – existem pelo menos seis no país, algumas com ligações à Al-Qaeda. E esteve sempre presente a questão das armas. “Em cada casa de família havia uma ou duas armas distribuídas por Khadafi” durante a guerra civil que marcou a Primavera árabe na Líbia.

Durantes estes dois anos recorda alguns incidentes, como o ataque ao Parlamento, em Maio passado, e o massacre em Trípoli, em que morreram 50 pessoas às mãos da milícia de Musirata. “Houve um escalar de violência”, afirma o engenheiro português. Já em Outubro de 2013, dois incidentes agitaram a capital líbia: a captura de um alegado líder da Al-Qaeda, Abu Anas al-Liby, por agentes norte-americanos e o atentado à embaixada da Rússia.

Quando, a 13 de Julho, se deu o ataque ao aeroporto da capital, acreditava-se que seria mais um incidente, mas foi o fósforo que fez deflagrar a onda de violência em curso. A questão política está longe de estar resolvida: nas eleições de Junho para o Parlamento os islamistas perderam o controlo do parlamento. E, apesar do sufrágio não ter sido contestado por ninguém, o novo parlamento ainda não está em funções devido ao boicote dos islamistas.

“A aposta forte que é preciso fazer é valorizar o parlamento legitimamente eleito, que indicará o novo governo, e fazer funcionar as instituições”, defende Victor Cabral. “A comunidade internacional está a abandonar a Líbia, um país que importa tudo e onde os estrangeiros são fundamentais”, sublinha.

Com cerca de cinco milhões de habitantes, a comunidade internacional na Líbia chegou a ser de dois milhões. Grosso modo, ilustra: “As enfermeiras são filipinas, os técnicos são europeus e americanos e abunda a mão de obra subsariana”. Agora, todos estão a abandonar o país. “Antes bem recebidos, os estrangeiros começaram a ser um alvo. Aumentou, por exemplo, o número de carjacking a estrangeiros”. Só a embaixada de Malta se mantém aberta.

Os últimos portugueses

O Governo português suspendeu a representação diplomática portuguesa em Trípoli a 29 de Julho, devido ao “agravamento da insegurança na Líbia” e “a exemplo do que já foi feito por outros países”, segundo um comunicado do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Essa “suspensão temporária” aconteceu “após o repatriamento dos cidadãos nacionais que manifestaram vontade de abandonar a Líbia e que solicitaram apoio junto da embaixada portuguesa”, acrescenta o comunicado. Apenas permaneceram sete portugueses no país, “sobretudo cidadãos com dupla nacionalidade”, que o fizeram “de sua livre e reiterada vontade”.

Só da Ferreira Internacional, empresa de construção luso-líbia dirigida em Trípoli por Victor Cabral, saíram a 24 de Julho 10 técnicos, um deles o seu irmão, arquitecto. A decisão de os fazer sair foi tomada a 23 de Julho, depois de terem caído rockets nas imediações da sede da empresa. “Deixamos de ter condições para trabalhar. Faltava tudo: não havia combustível, os fornecedores não forneciam, os portos estavam bloqueados, o aeroporto fechado”. Os seis auditórios que a empresa estava a construir para a Universidade de Trípoli já não vão ficar concluídos em Agosto. E os novos contratos com a universidade, no valor de 45 milhões de euros, ficam congelados. Bem como os negócios de promoção imobiliária em que a empresa se estava a lançar.

 

Redação

15 Comentários

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  1. Mais um sucesso

    da politica externa de EUA e Europa! Onde acham que os povos precisam das suas liberdades e democracia, logo só tem cemitérios…

  2. Questões simples.

    Tudo custa dinheiro, combustível, veículos, vestimentas, comida e principalmente armas. De onde está vindo? Qual o interesse em destruir um país? Como não se enxerga que estão se auto destruindo? Qual o sentido?

  3. Tentaram transformar o Brasil nisso

    No rasto da insatisfaçào dos rentistas com a queda dos juros, tentaram transformar o Brasil numa Líbia, e a Venezuela também foi alvo desses abutres americanos, vejam o que está acontecendo  no Iraque, Síria….

  4.  Caro Nassif , é

     Caro Nassif , é constrangedor verificar as afirmações do articulista, quando dá a entender que a Líbia deve obediência à europeus e norte-americanos, como libertadores e empreendedores. Aparentemente os líbios estão se dando conta de que a fantasia, criada com o fim do ditador Kadafi, falhou. A verdade é que esculhambaram um país.

  5. De quem é a culpa?

    Um sem número a culpar os americanos. Vá la que contribuiram ( os vizinhos são um doce), mas devagar, até parece que o país era um mar de rosas antes. O parágrafo abaixo sugere que algo de muito errado já estava ocorrendo.

    Com cerca de cinco milhões de habitantes, a comunidade internacional na Líbia chegou a ser de dois milhões. Grosso modo, ilustra: “As enfermeiras são filipinas, os técnicos são europeus e americanos e abunda a mão de obra subsariana”. Agora, todos estão a abandonar o país. “Antes bem recebidos, os estrangeiros começaram a ser um alvo. Aumentou, por exemplo, o número de carjacking a estrangeiros”. Só a embaixada de Malta se mantém aberta.

    1. E pensar que o Chile de

      E pensar que o Chile de Pinochet hoje tem o melhor IDH da América Latina.

      O relativismo moral da esquerda é uma escrotidão.

      Bom lembrar, as revoltas na Líbia, que está dando nisso, começou em 96 com a execução (um Caramdiru Árabe) de mais de mil prisioneiros políticos na revolta da prisão de Abu Salin. 

      Assim como o Mussola e o Ceacescu acabarm barbarizados, o ditador acabou sodomizado em praça pública com um fuzil soviético AK47 no rabo. 

      Em ainda tem viuvinhas e carpideiras pelo ditador Kadaff, que depois de pagar 10 milhões de US$ de “multa” pelo atentado de Lockerbie que voltou a conviver pacificamente com o Ocidente. Ocidente Hipócrita.

      Mas te entendo MM, afinal teu ídolo máximo Luis Ignacio (creio eu) chamava Kaddaf de amigo e irmão, não é?

       

       

      1. No Chile a educação mesmo a
        No Chile a educação mesmo a educação privada é subsidiada pelo Estado. Cadê a eficiência do mercado nessas horas…?

        No Brasil os militares foram tão competentes que de 75-84 o PIB crescia 1 ou 2% ao ano. Pelo menos seguiram o Deus mercado e jogaram a escola pública no lixo. O resultado taí, o Brasil perde em PIB per capita para o Chile, mesmo tendo muito mais minério e área que o segundo.

        Passemos ao Oriente Médio. Sadam Hussein foi enforcado por supostamente produzir armas de destruição em massa. Era mentira. De acordo com sua lógica, Bush jr. deveria ser sodomizado.

        Na Guerra do Vietnã agente laranja foi despejado a torto e a direito em INOCENTES. Quem dos EUA foi sodomizado por isso?

      2.   Então segundo você, tanto a

          Então segundo você, tanto a Líbia como a Síria e o Iraque estão melhores hoje do que antes.

          Tenho medo de seus “cases” de sucesso.

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