O Brasil intranquilo, por Fábio de Oliveira Ribeiro

por Fábio de Oliveira Ribeiro

A situação distópica em que nosso país se encontra é evidente. A presidenta eleita não governa. O interino quer impor ao povo um projeto de governo que não foi endossado pelas urnas. Os principais partidos afundam na corrupção, mas a justiça e a imprensa escolheram sacrificar apenas o PT. Um cenário de guerra civil está sendo montado e ainda pode ser desarmado por novas eleições, desde que Lula seja candidato. Caso contrário, a tragédia será inevitável. 

Nunca antes nosso país forneceu um contexto histórico tão perfeito para a literatura. Desgraçadamente, porém, não temos um grande romancista capaz de explorar com maestria o presente conturbado em que vivemos. Por isto, resolvi recorrer a um romancista inglês para traçar alguns paralelos literário-políticos.

O Americano Tranquilo é, sem dúvida alguma, uma obra de mestre. Neste romance Grahan Greene desenvolve duas histórias (a do Vietnã e a do triangulo amoroso entre o narrador, Pyle e Phoung) e explora a confusão entre o público e o privado. Duas coisas banais e imprevisíveis (a paixão de Pyle por Phuong e o desejo dela de ser tirada do contexto de pobreza e guerra em que se encontra) provocam instabilidade nos cenários políticos cuidadosamente planejados pelo agente da CIA.

No capítulo I, da terceira parte do livro, Grahan Greene retoma o procedimento narrativo que adotou na primeira parte do mesmo. Apesar de o texto alternar entre dois tempos (antes e depois da morte de Pyle) há uma sincronia entre ambos, pois a tensão crescente é mantida em cada um dos momentos por razões distintas.

As suspeitas sobre a conduta de Pyle antes de sua morte equivalem, de certa maneira, às de que Thomas participou do assassinato dele. Tudo se encaminha para um desfecho previsível e que, no entanto, ainda não pode ser totalmente antevisto: as circunstâncias da morte de Pyle.

Quando chega a terceira parte do livro, o leitor fica querendo saber como o narrador solucionará a trama sendo ele mesmo um personagem envolvido no triangulo amoroso que será fatal para Pyle. O interesse pela historia do Vietnã (fonte de motivação das ações de Pyle) se desvanece. A vida amorosa privada de Thomas se torna mais interessante, mesmo que isto possa interferir de alguma maneira na realidade que o agente da CIA se esforça para construir.

Não podemos deixar de notar a ironia que existe entre a constante afirmação de Thomas de que não está envolvido na guerra, apesar de seu evidente envolvimento amoroso com Phuong. Afinal, o narrador tem consciência de que o amor e a guerra são fenômenos que produzem a mesma coisa “Todos nós nos envolvemos, num momento de emoção, e depois não podemos libertar-nos”. (item 5, capítulo I, terceira parte de O Americano Tranquilo).

Esta frase do livro de Grahan Greene se aplica perfeitamente ao que está ocorrendo no Brasil. Ao se empenhar para destruir Dilma Rousseff, o PSDB alimentou a cobiça do PMDB pelo poder (que em nosso caso ocupa a posição de Phuong). Ocorre que o poder pode ser tão escorregadio quanto a jovem vietnamita por quem Thomas e Pyle se apaixonaram.  

No livro O Americano Tranquilo a personagem Phuong (síntese do Vietnã) parece desempenhar um papel secundário e passivo. Contudo, é ela que seduz Thomas e Pyle e fornece a ambos as ilusões amorosas que eles desejam (ópio e uma jovem amante no caso do inglês; uma esposa perfeita e submissa no caso do norte-americano). Como o amor, o poder também seduz e causa mortes. Todavia, como as vítimas de Phuong, aqueles que foram seduzidos pelo poder são levados a acreditar que podem ser os protagonistas de uma história que irá usar e descartar alguns deles.

Nada está resolvido na consciência de Phuong. Ela tanto pode ficar com Pyle como continuar com Thomas. Ela dança e faz ambos dançarem até que um deles prevaleça eliminando o outro. O poder (a soberania popular) já descartou o PSDB e pode perfeitamente descartar o PMDB. A fragilidade de Michel Temer é idêntica a de Pyle. Quando acredita que conseguiu tudo que queria (conquistar o Vietnã e penetrar no coração de Phuong) ele é levada para a armadilha fatal. A armadilha da Lava Jato já está se fechando sobre os líderes do PMDB e não há ninguém capaz de salvá-los.

A única coisa ausente no Brasileiro Intranqüilo é o cenário de guerra. Mas este também está sendo diariamente criado pela imprensa. As palavras condicionam os atos. E depois “Todos nós nos envolvemos, num momento de emoção, e depois não podemos libertar-nos”.

Fábio de Oliveira Ribeiro

4 Comentários

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  1. Sentido

    Muito bom ! Quero crer que os agentes da CIA resolveram se preocupar com brasileiros tranquilos. Fora temer, gilmaus, policarpos, mervais…. 

  2. Nesse sentido, o que vimos

    Nesse sentido, o que vimos nos idos de 60, com a ditadura bombando, foi a expansão de músicos e letristas que pareciam sair da cartola de um mágico. Tínhamos o que podia existir de melhor na música popular brasileira. Tudo gente de alto nível, alguns ainda estudantes. Chico Buarque, Caetano Velloso, Marcos Valle, Gilberto Gil, Geraldo Vandré,etc. Era uma turma de gente com capacidade crítica, capaz de produzir rapidamente as mais variadas músicas, que logo seriam cantadas pelo povo. Música e cultura política de mãos dadas a nos enriquecer com suas palavras de ordem, dando-nos esperança de dias melhores.

    Muitos desses personagens ainda estão vivos, e poderiam, quem sabe, voltarem com aquele mesmo propósito, se o que vevemos agora não se distingue tanto daqueles triste momentos.

    Ocorre que televisão e rádio estão voltados para um tipo de música muito pobre, de pesoas totalmentes despolizadas, comprometidas apenas com o dinheiro fácil, que enchem seus bolsos por um único dia de show. Rádios e televisões insistem em tocar e convidar apenas duplas sertanejas, muitas delas horrorosas, de pessoas que não sabem sequer cantar. Se queremos ouvir alguma coisa mais trabalhada, de gente qualificada, recorremos aos arquvos pessoais ou à Internet.

    Os seguidores desses cantores são tão ou mais ignorantes politicamente que os próprios. Se perguntar à maioria dele o que acha do governo interino, não saberá sequer dizer o que sabe de interino, ou porque não se falou mais em Dilma.

    A ignorância está no ar. 

  3. Pois é, Fabio, nem romancista

    Pois é, Fabio, nem romancista nem cientista; todos permanecem aparvalhados diante do rebaixamento do debate público pela imprensa, e ainda acreditando que essa turma de concurseiros que jamais leram um livro sequer que não seja de macete de prova estão mesmo visando “combater a corrupção”; como se a “tioria” política desse pessoal não viesse da mesma imprensa que eles têm como “aliados”.

    Como, meu deus, acreditar que esse pessoal tem mesmo o propósito de combater a corrupção se aliando com essa imprensa?

  4. O que vai acontecer mesmo é

    O que vai acontecer mesmo é uma incógnita, mas uma coisa não pode deixar de ser prioridade: desmantelar a mídia golpista. Ela é a grande arma para manter o povão e até a classe média neste estado de alienação que acabou resultando na eleição do pior congresso da história, sem o qual o golpe de 2016 não teria se desencadeado.

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