Aldo Fornazieri
Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.
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O fracasso da conciliação e o progressismo radical, por Aldo Fornazieri

O fracasso da conciliação e o progressismo radical

por Aldo Fornazieri

Os governos petistas, particularmente os dois mandatos de Lula, constituíram uma espécie de Gabinete de Conciliação de centro-esquerda. Lula foi um similar progressista ao conservador marquês do Paraná do século XXI. A política de Conciliação do século XIX nasceu com o golpe parlamentar da Maioridade. Mas a Conciliação permaneceu como um espirito carente de forma até a ascensão de Paraná ao poder em 1853. O marquês fundou o Partido Regressista, que se transformou em Partido Conservador, sobre os escombros das Revoluções Regenciais. Lula fundou o PT sobre os escombros do Regime Militar. O golpe da Maioridade era necessário para apaziguar e viabilizar o Segundo Reinado. O pacto das elites e uma alternância regulada no poder era o modus operandi da Conciliação. Mas ela precisava materializar-se numa experiência política concreta, numa estratégia de poder, efetivada pelo Gabinete da Conciliação.

O desfecho do Regime Militar foi a Constituição de 1988. A Constituição constrói um novo espírito da Conciliação para uma era de democracia. A operacionalidade da Conciliação contemporânea ocorre pelo presidencialismo de coalizão. O governo Sarney foi o primeiro ensaio dessa Conciliação. Mas o primeiro governo pós-constituinte – o governo Collor – foi uma anomalia em relação ao espírito da Constituição. Acidentes acontecem. Assim, era preciso derrubá-lo para que o rio revolto da política voltasse ao leito da Constituição e da Conciliação.

Primeiro Itamar Franco e, depois, Fernando Henrique Cardoso, foram fiéis ao espírito da Constituição e constituíram uma Conciliação de centro-direita. Uma parte das forças Constituintes – as esquerdas, o PT e os movimentos sociais – ficaram de fora do pacto da Conciliação. As lutas políticas e sociais continuavam nas ruas e nas ocupações de terras. Dessa forma, somente um governo petista poderia efetivar o espirito da Constituição cidadã, da Constituição dos direitos sociais, numa forma encontrada de Conciliação. Era preciso armar uma fórmula de pacificação social do Brasil sem colocar em risco o pacto das elites, pois, afinal de contas, o Colégio Eleitoral e a própria Constituição eram expressões de um pacto das elites.

De certa forma, a história se encarregou de promover uma sincronicidade para que o espírito conciliador da Constituição encontrasse sua forma acabada: a vitória de Lula em 2002, conjugada com um momento de crescimento econômico impulsionado pelas exportações de commodities. O crescimento econômico e a política expansiva de crédito permitiram alargar direitos, concedendo benefícios sociais e remuneração subsidiada do capital, pois este, em sua continuada vocação patrimonialista, não abre mão do Estado mesmo que apregoe o Estado mínimo. O reformismo sem reformas do governo Lula levou aos limites do possível a Conciliação de centro-esquerda em aliança com o conservadorismo, pacificando socialmente o país e inscrevendo como reais direitos que estavam na letra da Constituição.

Mas a Conciliação centroesquerdista-conservadora precisava de um teste: uma crise. Ela veio com o governo Dilma. Em 2013 houve uma erupção nas ruas. As esquerdas e os movimentos sociais que estavam fora do pacto foram surpreendidos por uma avassaladora tomada das ruas pela direita. As elites perceberam que existia uma conta a pagar. O pacto social da Constituição de 1988, as imprudências fiscais do governo Dilma e as consequências da crise internacional não cabiam no Orçamento. Alguém teria que pagar a conta. Com Dilma no governo seria difícil jogar a conta nos ombros dos trabalhadores. A partir das eleições de 2014, quando a tentativa de restabelecer legitimamente a Conciliação de centro-direita é derrotada nas urnas, as elites conservadoras começam a abandonar o pacto político da legalidade constitucional emergido da redemocratização. Seria preciso romper a ordem sob o manto da manutenção da ordem. O impeachment seria essa ferramenta esdrúxula. O combate à corrupção seria o mote.

Formou-se um grande arco composto por um condomínio de corruptos, de moralistas sem moral de todos os quadrantes, de plutocratas da mídia, de setores estamentais do Estado etc. Bem intencionados, ingênuos, corruptos, fascistóides, oportunistas, sonegadores, todos compuseram uma grande frente verde-amarela para combater o grande mal. O golpe de 17 de abril, além de revelar o lado grotesco e cínico das elites, devolveu o Brasil a uma condição pré-1964. Ou seja: quando governos progressistas não satisfazem os interesses das elites precisam ser derrubados por qualquer meio: impeachment, força militar, inviabilização da posse, boicote no Congresso, golpe parlamentar, golpe judicial etc.

Por um progressismo radical

O golpe do 17 de abril, a destituição de Dilma do governo, representam o fracasso do modelo de Conciliação articulado pelo PT. As elites conservadoras não brincam em serviço e não tem pruridos democráticos quando estão em jogo seus interesses. Os resultados do reformismo sem reformas do petismo, embora importantes, são frágeis. Podem ser varridos por algumas penadas conservadoras no Congresso e por um presidente ilegítimo como o será Michel Temer. A derrota do PT, em vários aspectos, é também uma derrota das forças de esquerda em geral, dos movimentos sociais e progressistas.

Agora será preciso construir um novo progressismo – entendido aqui como os movimentos sociais e populares, as esquerdas, os ativismos não partidários e a militância republicana e democrática – numa perspectiva radical. A inviabilidade da Conciliação aponta para a necessidade da construção de um pacto do progressismo. O pacto do progressismo é necessário, em primeiro lugar, porque as forças conservadoras se mostraram agressivas no golpe e estão se mostrando agressivas na intenção de atacar direitos sociais, civis e políticos. O enfrentamento à essa agressividade do conservadorismo importa uma radicalização das lutas sociais e políticas. Importa mais a perspectiva das ruas, da organização social e política autônoma, do que a perspectiva eleitoral e institucional, embora essa não deva ser abandonada.

Além disso, o novo progressismo precisa aprender uma nova pedagogia política. A pedagogia da articulação entre unidade e pluralidade; entre representação e democracia participativa; entre a organização vertical e a participação horizontal; entre organizações com estrutura e organizações sem estruturas; entre o virtual e as ruas; entre o social e cultural e o político; entre o institucional e o não institucional. Terá que ser um progressismo radical e indignado que tencione os limites da democracia predatória em nome de uma democracia igualitária, solidária e sustentável. É preciso lutar por um reformismo igualmente radical que desconstitucinalize privilégios e constitucionalize direitos, justiça e igualdade.

O novo progressismo, além de lutar para que a democracia representativa seja mais representativa e submetida ao controle cidadão e complementada pela democracia participativa, precisa lutar pela hegemonia de ideias e valores, resgatando os valores da igualdade, da solidariedade, da simplicidade, da frugalidade, da sustentabilidade e da construção de uma ideia de Humanidade entendida como comunidade de destino. O futuro pode ser diferente da ganância, do lucro, da predação social e ambiental. É inaceitável que a riqueza e o poder estejam concentrados de forma brutal, criminosa e desumana como estão hoje. Não será com a Conciliação, mas com a radicalização que essa equação precisa ser desfeita.

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo. 

Aldo Fornazieri

Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.

12 Comentários

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  1. Vivemos uma instabilidade

    Vivemos uma instabilidade política que esta geração nunca viu, porque o governo não criou mecanismos de diálogo direto com a sociedade. Não fez a reforma política, não fez a reforma do judiciário, não fez a reforma da segurança publica não construiu bases e alicerces para uma nova educação. Não fez nada para recuperar a política industrial, competitividade para manter uma taxa cambial na casa dos R$ 3, favorável às exportações estimular a produção industrial e o consumo. Tornou-se fraco, dividido sem apoio parlamentar com uma equipe muito vulnerável às acusações de corrupção. O congresso é um dos piores de nossa historia, somado a velha Mídia dominada ainda por famílias tradicionais que conseguem se tornar a força mais poderosa do país, sobrepondo-se muitas vezes ao próprio poder do Estado.   Daí a mídia anti-petista conspirou com o governo dos EUA que deu uma forcinha para o juiz Mouro na assessoria  de combate a corrupção. 

  2. Obrigação de ler Maquiavel

    Derrota do PT sem que ele fizesse a guerra necessária e,consequentemente, a defesa de seu legado? Aqui mesmo no blog do Nassif fizeram (fizemos) inúmeros alertas acerca de guerra híbrida,de SECOM, Ministério da Justiça e ABIN em mãos erradas (para o momento), de republicanismo ingênuo, de velha mídia necessariamente golpista para adiar o fechamento de portas, de recusa (mais que descaso!) em disputar a narrativa dos acontecimentos, de crença num judiciário apolítico, e por aí vai. Ultracondensando as coisas (pois ofertar textos exige disposição e talento), o PT simplesmente colhe o que plantou.

  3. Qualquer maximização de junho

    Qualquer maximização de junho de 2013 pra mim soa falso. Aquilo não foi nada além de golpe midiático. Só! Muito bem feito porque o próprio PT duvidou, o que acabou legitimando a malandragem; mas puro golpe midiático.

    1. É isso aí mesmo. É impressionante

      como essas manifestações começam e param sempre conforme os interesses desses golpistas.

      Está na cara que tudo isso foi sempre muito bem planejado.

      Não tem nada de espontâneo nessas manifestações.

      Algum dia espero que alguem descubra o que , e quem realmente estava por trás disso tudo.

    2. Somente Marilena Chaui fez

      Somente Marilena Chaui fez uma leitura correta sobre junho/2013. Segundo ela, jovens do MPL foram as ruas com suas justas reivindicações e bandeiras. No entanto foram expulsos a murros e pontapés por uma horda de fascistas que tomaram a conta das ruas e cujo ápice é o golpe que tem como alvo prender Lula, que virou inimigo de guerra, além da derrubada do governo, um golpe que funciona como um nada sincronizado, com várias Instituições e interesses internos e externos atuando

  4. Aldo: voce desenha

    Aldo: voce desenha corretamente uma perspectiva de poder, mas não uma perspectiva de governo. É na verdade uma proposta que replica o PT no seu formato original da década de 1980 e também 1990. Organizado de baixo para cima e tendo a ética e outros valores humanistas como valores fundantes. O novo é a forma horizontal de organização, e também a incorporação da questão ambiental, para mim, essencial. Tudo bem. Mas, e as bandeiras para o curto prazo? As bandeiras que ganham governos e consigam resistir aos golpes? Está claro que Dilma errou quando atritou com muitos setores ao mesmo tempo (bancos, cartão de crédito, setor elétrico, médicos …). Quais são os setores que poderiam sustentar um governo progressista no curtíssimo prazo? E qual o(s) setor(es) a ser(em) golpeado(s)? São questões que temos que responder.

    1. Afronta: quando, onde, como?

      Margot,

       

      Gostaria que você localizasse quando e como Dilma afrontou bancos e cartões de crédito, à parte a entrada dos bancos públicos nesse mercado, sem cobrar, porém, taxas tão mais baixas que os bancos comerciais assim.

       

      Grato.

  5. Sempre a melhor democracia que o dinheiro pode comprar

    No final das contas, o que precisamos é contar com uma força que não possuímos: a maioria da população, uma maior homogeneidade (ou no mínimo capacidade de construção de programas comuns) do campo progressista. A verdade é que com o poder que as velhas classes dominantes possuem (praticamente 100% da malha de informação que cobre o país; praticamente todo sistema bancário; praticamente todo o universo produtivo industrial e agrícola), eles podem conduzir muito bem a melhor democracia que o di nheiro pode comprar, e muito bem quer dizer: para si mesmos, e contra o povo.

  6. o fracasso da conciliação…

    Limitados. Somos todos limitados. Não enxergamos o que é democracia. Basta ler os textos neste site. Com o diferente, o antagônico não tem conciliação. O precipicio é o destino. Mas mesmo assim a culpa é do precipicio. Erundina ao sair do PT afirmou (está lá gravado) ao ser perguntada se a oposição tinha a atrapalhado. Ela falou a oposição fez a sua parte mas também ajudou em questões que concordavam. Mas que era impossível governar com o PT. Luiza Erundina. Estamos no paísdo voto obrigatório, da urna eletrônica, agora com fiscalização biométrica, Milhões e milhões de reais gastos com eleições em país de miseráveis. Mas o pior. O cidadão intimado, levado por “condução coersitiva” apenas na votação como se não fizesse parte de todo processo. As esquerdas brasileiras em nada mudaram esta calamidade. E o pior, ao serem incompetentes e perderem esta oportunidade, jogaram o país novamente no limbo.

  7. unidade e muita participação


    unidade e muita participação são essenciais para concretizar o sujgerido…

    resistir, enfim, ao golpe famigerado…

  8. Engraçado que…

    Engraçado que, se esse modelo de democracia participativa fosse adotado, a primeira vítima seria a própria Dilma: com menos de 7% de aprovação, seria facilmente removida do poder por um plebiscito revocatório, sem necessidade de impeachment nem nada.

  9. A esquerda tinha obrigação de ser perfeita.

    O problema no Brasil é que temos o pior da direita e da esquerda.

    Ambas são corruptas e preconceituosas, são preconceitos diferentes,mas ambas são.

    Eu por exemplo faço parte da aberração cognitiva da classe média.

    O PT pagou por ser corrupto,mais ou menos que a direita,não importa, quem se apresenta como salvador do povo tem a obrigação de ser 0% corrupto.

    Alguém nega que a Dilma mentiu mais que qualquer vilã de novela apra ser reeleita?

    A esquerda tem que ser próxima a perfeição,porquê se não a direita, sempre vai passar o rolo compressor.

    Eu votei no PT até a reeleição da Marta Supilcy,quando vi que o PT tinha mais OUTDOORS e participação na mídia do que qualquer outro partido,tive certeza que era o começo do fim do partido.

    Copa do mundo,olímpiada,Empréstimos absurdos feitos pelo BNDES,Minha Casa Minha Vida(onde se rouba o dinheiro do fgts de um trabalhador para dar ao outro, o cabide de empregos que viraram os ministérios,são mazelas do PT que não podem ser atiradas no colo da direita).

    Com a Lupa da Globo um grão de areia vira um continente,vai demorar várias décadas para limpar a imagem da esquerda que o PT detonou.

    O outro erro do PT foi escolher a Classe média para pagar todas as contas de uma vez só.

    Fora a comissão da meia verdade,onde todos aqueles que lutavam pela implantação de uma ditadura de esquerda,hoje se dizem defensores da democracia.

    O PT entregou o Brasil com um laço dourado para a direita,agora eles vão deitar e rolar, e ainda vão ter a quem culpar.

     

     

     

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