Do Periferia em Movimento
Na noite desta terça-feira (22 de março), o secretário municipal de Cultura André Sturm alegou ter sido alvo de atos fascistas de artistas enquanto deixava a Galeria Olido, no centro de São Paulo, onde fica a sede da Secretaria Municipal de Cultura (SMC). Veja o post que Sturm compartilhou no Facebook:
Mais cedo, Sturm esteve reunido com representantes da dança para discutir as mudanças no fomento a essa linguagem artística. No início do ano, já em fase de avaliação dos projetos inscritos, o último edital do Programa de Fomento à Dança foi cancelado pela SMC para passar por ajustes. Confira abaixo o vídeo da reunião:
No mesmo dia, com a alegação de problemas jurídicos, assessoras do secretário receberam artistas orientadores dos programas de Iniciação Artística (PIÁ) e Vocacional para informar a eles o cancelamento da recontratação de mais de 300 profissionais da cultura que já estavam trabalhando no ano passado para seguir com as formações de mais de 8 mil alunos vocacionados. Confira:
Voltado a crianças de 05 a 14 anos, o PIÁ tem como objetivo estimular o interesse do público pelas artes e propiciar a experiência artística, enquanto o Vocacional trabalha com pessoas a partir dos 14 anos nas linguagens de artes visuais, música, teatro, dança e nas aldeias indígenas, com a finalidade de promover a ação e a reflexão sobre a prática artística, a cidadania e a ocupação dos espaços públicos da cidade de São Paulo.
Instituídos pela ex-prefeita Marta Suplicy, ambos os programas se mantêm ao longo de diferentes gestões na Prefeitura de São Paulo, mas estão ameaçados agora. Artistas-orientadores denunciam a prática da SMC como uma “caça às bruxas”, com o desligamento de quem tem posições políticas diferentes da atual gestão, além do desmonte de políticas públicas historicamente constituídas.
“O comunicado foi repassado agora à tarde pela Secretaria Municipal de Cultura, e digo repassado, porque foi exatamente esta a postura da Secretaria, um rápido e contundente recado nos informando que não estaríamos mais presentes”, escreveu em sua página o arte-educador Robson Alfieiri, há 12 anos no programa.
Ao término das reuniões, artistas se concentraram nas entradas da Galeria Olido em protesto contra o “desmonte” das políticas públicas culturais na cidade de São Paulo – o que Sturm chamou de gesto “fascista, autoritário, arrogante” em seu post no Facebook.
Verba congelada
No começo do ano, foi anunciado o congelamento de 43,5% da verba para a Cultura na cidade de São Paulo – o orçamento aprovado no fim do ano passado após uma árdua luta travada por artistas na Câmara dos Vereadores destinava pouco mais de R$ 518 milhões, menos de 1% do orçamento total do município.
Organizados na Frente Única Descongela a Congela Já, artistas de diferentes linguagens culturais denunciam que o congelamento dessa verba coloca em risco e inviabiliza políticas públicas diversas, como os de formação (Vocacional, o PIÁ e o Jovem Monitor Cultural); os fomentos à Dança, ao Teatro, ao Circo e às Periferias (este último, que teve sua primeira edição ano passado); os programas de cidadania cultural (como o Programa VAI, o Aldeias e o Agente Comunitário de Cultura); além dos pontos de cultura, o Circuito Municipal de Cultura, a Semana do Hip Hop, o Edital Redes e Ruas de cultura digital, a programação dos equipamentos culturais, entre diversos outros.
A maior parte desses programas foi instituída a partir de demandas de artistas e da sociedade civil como um todo, com impacto direto a toda a cadeia produtiva ligada à cultura na cidade, como gráficas, mídias, publicidade, restaurantes, entre outros serviços.
Por outro lado, após a polêmica da “cidade cinza” e perseguição a pixadores e grafiteiros, Sturm e o prefeito João Dória lançaram – com a participação de artistas – o edital MAR (Museus de Arte de Rua) com o valor de R$ 200 mil oriundos de empresas privadas para selecionar oito projetos de intervenção com graffiti na cidade de São Paulo.
Na semana passada, Sturm e Doria também apresentaram o programa Biblioteca Viva, que visa “reestruturar” as 54 bibliotecas municipais para atrair mais pessoas a esses espaços. Entre as ações previstas, está a realização de atividades de dança, música e teatro, entre outras. Um dos pontos é a articulação para a realização de saraus literários.
Em vídeo publicado em sua página, o escritor Rodrigo Ciríaco chama a atenção para o fato de que, enquanto propagandeia mudanças no sistema de bibliotecas, a Prefeitura e a SMC escondem que o programa Veia e Ventania – criado justamente para propiciar a circulação de saraus nas biblioteca – também está parado enquanto as diretrizes definidas pelo Plano Municipal de Livro, Leitura, Literatura e Biblioteca (PMLLB), construído desde 2012 com a participação da população, não saíram do papel. Assista:
Outro lado
Na manhã desta quarta-feira (22 de março), o Periferia em Movimento solicitou por e-mail esclarecimentos da Secretaria Municipal de Cultura sobre os seguintes pontos:
– Como fica a situação da SMC com 43% do orçamento congelado? De que forma isso afeta os programas em andamento? Há possibilidade de liberação desses recursos? Em que montante?
– O secretário André Sturm alega ter sofrido violência de artistas que se manifestavam ontem na Galeria Olido e que tem realizado diálogos com representantes das diferentes linguagens. Em que âmbito essas reuniões têm acontecido e o que foi deliberado a partir delas?
– A SMC alegou questões jurídicas para o cancelamento da contratação do PIÁ e Vocacional. Quais são essas questões? De que forma isso está sendo resolvido? Os orientadores selecionados anteriormente serão impactados de que forma? Como ficam os beneficiados pelos programas?
– A SMC também lançou o programa Biblioteca Viva, cuja uma das diretrizes é articular saraus de poesia nas bibliotecas municipais. Poetas denunciam, porém, que um programa específico de fomento a saraus nesses espaços (Veia e Ventania) também foi desmontado. A SMC pretende substituir o Veia e Ventania? De que forma esses saraus serão selecionados para compor a programação das bibliotecas?
– Como ficam outros programas da SMC, como o Programa VAI, o Fomento à Cultura da Periferia, à Dança, ao Circo e ao Teatro?
– Os equipamentos públicos culturais, como centros culturais e casas de cultura, devem ser privatizados ou ter a gestão terceirizada, assim como outros equipamentos e serviços municipais?
– As políticas públicas da SMC estão sendo desmontadas?
Até a publicação desta matéria, a assessoria de imprensa da secretaria não havia respondido. Atualizaremos este texto assim que obtivermos uma resposta.
Manifestações
Enquanto isso, artistas promovem conversas e atos contra o desmonte das políticas públicos pelo descongelamento das verbas para a cultura.
Nesta quinta-feira (23 de março), às 19h, o Galpão Cultural da Cia Humbalada de Teatro abre espaço para uma conversa sobre o assunto com artistas do Grajaú. Fica na avenida Grande São Paulo, 282 – próximo ao Terminal Grajaú. Clique e saiba mais.
E na segunda-feira (27 de março), a partir das 15h, a Frente Única Descongela a Cultura Já realiza o Segundo Grande Ato pelo descongelamento em frente ao Theatro Municipal, no centro da cidade. Saiba mais aqui.
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