
Crônica de lembrar o “Dominó de Botequim” no bairro da Aclimação, em São Paulo
por Rui Daher
Madrugada de 24 de maio. Reviro-me na cama, sem conseguir dormir. Penso na rua do centro de São Paulo, com esse nome, data em que no ano de 1866, ocorreu a Batalha do Tuiuti, episódio da Guerra do Paraguai (1864-1870), vencida pela tríplice aliança (Brasil, Argentina e Uruguai). Difícil não, generais?
Nela, nos anos 1950 e 60, morando no Viaduto Santa E(I)figênia (a Cúria Metropolitana ainda não me esclareceu a grafia correta), ia a pé até lá, atrás dos 78 rpm e das partituras da Casa Manon, primeiro e, depois, aos vinis das Bruno Blois e Breno Rossi.
Se mais grandinho, juntava alguns colegas do Colégio de São Bento e subíamos a Rua Dom José de Barros, para nos fartarmos com as prateleiras do Museu do Disco e, os menos carolas, com o cine Jussara, onde as pérolas de Carlos Zéfiro eram retratadas coloridas.
Pensava em tudo isso, indeciso e com preguiça de sair da cama para tomar o sonífero. Mas sou duro de queda e a sorte me ajuda.
O batucar em caixinhas de fósforos começa quase inaudível e vai subindo. Que eu saiba o magistral Elton Medeiros ainda está conosco, aos 88 anos.
Nenhuma luz. Apenas ao som das caixinhas se juntava um zunido como se centenas de libélulas tivessem invadido o quarto escuro. Assusto-me e acendo a luz.
Resplandecem a “madinha” e o “Negro Gato”.
– Assustou pequeno cronista? Quantas tomou antes de vir pra cama?
– Nenhuma.
– Tá, conta essa pra sua mulher. Aqui não há segredo que não saibamos.
– Por que aqui, comigo?
– Pra te desaperrear com um samba novo do João Bosco e do Aldir Blanc.
– E é possível que eu ainda não o tenha ouvido e me desaperreado com o Brasil de Jair?
– Querido, Darcy, Ariano, Alfredinho e Dr. Walther pediram que lhe trouxéssemos um desafio. Você, criador do “Dominó de Botequim”, terá que adaptar a música e a letra de Aldir Blanc, ao Brasil de hoje.
– Posso tentar. Mandem, pra inspiração, uma última salineira.
– Ah, confessou, vai firme, quer dizer que teve outras …
– Manda, porra! Não fujam do assunto.
“Tem um sentado
E tá com arma
O português da caixa sente o drama
Pistola em botequim não dá bom carma
Melhor trocar o berro pela Brahma
O cara disse: “amei Janaína”
E ela me trocou por um bancário
Eu era um bam bam bam em cada esquina
Agora sou olhado feito otário
Lhe dei calor, colar, casa e comida
E mel na boca quando tinha doce
Então não posso perder nessa partida
Preciso honrar meu santo
Eu sou de Oxóssi
Mas se ela regressar, perdoo tudo
Troco a TV, compro um novo espelho
Boto cortina em tudo de veludo
Sigo a Penha inteira de joelhos
Amor assim supera vagabundo
Eu não sei viver sem minha Janaína
Mulata de olhos claros
Vale o mundo
No morro, é meu meu barraco com piscina
Tem um sentado
E tá com arma
O português da caixa sente o drama
Pistola em…”
– Pois bem, meu Conselho Celeste, o “Dominó de Botequim”, não tem uma Janaína a esquecer ou lamentar, mas sim ao Brasil, ajoelhado diante da barbárie de Jair Bolsonaro, filhos, ministros e adeptos. O Serafim, no caixa do boteco, nunca teve alguém armado para se vingar de dor de corno. Sabia melhor uma Brahma, café, pão com manteiga, salineiras, ovo cozido e dominó. Ninguém ali lhe pareceu otário. Nem mesmo a apaixonada Neide Celebração, em tesão pelo alemão que se dizia primo da Merkel.
Dizem Bosco e Aldir, que Janaína se apaixonou pelo bancário Buqué. Pode ser, a fila anda. Ele perdeu o relógio (leiam o livro), mas pode ter ganho a gata. Sabe-se lá.
Pô, pensou ele que Oxóssi garantisse paixão e tesão? Nada disso. Todo o amor é terreno. Quer honrar a partida? Não quer perder? Peça a Oxóssi uma forra.
“Brasil, você errou, se cagou, entregou o Poder Executivo a um celerado, louco, inapto, covarde, socialmente inadequado. Ele mal procriou seus filhos e ridiculamente integrou a mais estúpida equipe de governo. Por isso, são hoje percebidos pelo País, como tolos, burros, e mal informados. Ou pesquisaram quem Jair Bolsonaro foi nos últimos 28 anos?”. Um nada.
– Mas e antes? Pior. Menos ainda. Criava problemas para as Forças Armadas, até ser defenestrado para a reserva, como quaisquer brasileiros jogando na Europa até que Tite os consagre.
– Tá bom, você parodiou Bosco e Aldir. E agora, como se livrar disso?
– Beth, Melô, a solução bem que poderia vir do céu. Como convencer Janaína e Brasil voltarem às épocas em que todos pensavam melhorar de vida, e mesmo sem perceberem, realmente, melhoravam?
– Querido! Darcy e Ariano desenharam junto ao Dr. Walther um plano. Agora, durma. O “Dominó de Botequim”, voltará com tudo. O Fernando Juncal foi quem nos sugeriu. No próximo capítulo, exporemos tudo, talvez em frevo.
– Aceito, mas se não for bom, recorrerei ao Harmônica. Não sobrará pedra sobre pedra.
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