Diário da Peste 40: uma reflexão pós-eleitoral, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Os seres humanos são naturalmente frágeis. Eles nascem incapazes de cuidar das próprias necessidades e dependem dos pais por mais de uma década.

Diário da Peste 40: uma reflexão pós-eleitoral

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Finda a eleição, cada partido político fará sua avaliação e começará a definir a estratégia para 2022. A pandemia voltará a ser o centro das atenções do jornóialismo.

Em virtude de sua profissão, os jornóialistas são obrigados a segmentar e mutilar a realidade. Alguns chegam a acreditar que a única coisa que existe é essa segmentação como se uma aparência criada do mundo pudesse equivaler à sua essência.

A essência do mundo nesse momento é a pandemia e suas consequências sociais e humanitárias que podem muito bem provocar o colapso da civilização. Todavia, cada civilização experimentará esse fenômeno de maneira diferente.

Na Europa, berço do que podemos chamar de civilização do orgulho e da opulência, o confinamento e o empobrecimento está provocando um imenso nervosismo. A impaciência dos europeus explode nas ruas, as vezes com inusitada violência.

Uma amiga inglesa, em cuja região (West Yorkshire) a polícia anunciou que vai atirar em quem ficar na rua depois do toque de recolher, me mandou a seguinte mensagem pelo Whatsapp:

“People in bad situations, with or without internet and phones, desperately need to see and talk to friends and family, hold their hands, for comfort and companionship. So there are also the options of dying alone at home too, whether from health problems unable to get treatment for, or worry, grief or loneliness, starvation or hypothermia, dehydration of the elderly, suicide etc etc etc. Everything about this covid situation is bad.”

Tradução:

“Pessoas em situação ruim, com ou sem internet e telefone, precisam desesperadamente ver e conversar com amigos e familiares, segurar suas mãos, para conforto e companhia. Portanto, existem também as opções de morrer sozinho em casa, seja por problemas de saúde sem tratamento, ou preocupação, tristeza ou solidão, fome ou hipotermia, desidratação de idosos, suicídio etc etc etc etc. Tudo nessa situação da pandemia é ruim.”

Suzannah também disse que:

“We’re very well distracted and entertained here and many think of it as an adventure, living a film or computer game. Even with financial difficulties and hardship people are still enjoying the thrill, change and exciting feeling of impending disaster.

And I know some people who are enjoying it immensely while also suffering intensely because of it. They are on the verge of becoming homeless with their infant children but still it’s a thrill for them.
They listen to the news every waking minute and wake up during the night every night for the new BBC world service broadcast.”

Tradução:

“Estamos sendo muito bem distraídos e entretidos aqui e muitos pensam nisso como uma aventura, viver um filme ou um jogo de computador. Mesmo com dificuldades financeiras e sofrimentos, as pessoas ainda estão desfrutando da emoção, da mudança e da empolgante sensação de um desastre iminente.

E eu conheço algumas pessoas que estão gostando muito disso, mas também sofrendo intensamente por causa disso. Eles estão prestes a se tornarem sem-teto com seus filhos pequenos, mas ainda é uma emoção para eles. Eles ouvem as notícias a cada minuto e acordam durante a noite todas as noites para a nova transmissão do serviço mundial da BBC.”

Dissociação, esse é o nome da doença psicológica dessas pessoas que, em virtude do trauma causado pela pandemia se apartam do próprio sofrimento e ficam incapazes de raciocinar em termos de causa e efeito. Suzannah está saudável, mas sofre ao observar o sofrimento alheio.

Suponho que os europeus estão em pior situação emocional do que os brasileiros, pois em nossa civilização tropical da catástrofe o sofrimento já era indissociável da vida cotidiana antes da pandemia. Suzannah discordou de mim.

“I doubt that Europeans are worse off.”

Tradução:

“Duvido que os europeus estejam em pior situação.”

De certa maneira ela tem razão. É evidente que os europeus serão vacinados muito antes dos brasileiros.
Nos EUA, cuja civilização se caracteriza pela busca da felicidade e do excepcionalismo, o mal estar provocado pelo COVID-19 não é apenas sanitário.

No começo do ano, uma amiga minha norte-americana postou mensagens no Twitter dizendo que estava feliz em virtude de ter a oportunidade de participar do combate à pandemia. Ela é enfermeira no Oregon e demonstrava ter auto-estima elevada e consciência histórica do momento.

Há algumas semanas Amber admitiu no Twitter que foi obrigada a se afastar do trabalho em virtude de uma depressão severa. Após seu afastamento, uma colega dela subiu no telhado do prédio do Hospital e se jogou na calçada. O suicídio da amiga abalou ainda mais a enfermeira deprimida.

Os seres humanos são naturalmente frágeis. Eles nascem incapazes de cuidar das próprias necessidades e dependem dos pais por mais de uma década. Nós vivemos num mundo povoado por máquinas imensas capazes de esmagar nossos corpos delicados.

A civilização da busca da felicidade e do excepcionalismo ensina os norte-americanos que eles devem ser auto-confiantes, audazes e destemidos. O que ocorreu com Amber e com a amiga dela é uma prova dolorosa de que os super-humanos que derrotaram os super-homens nazistas também estão em frangalhos.

Não é possível fugir do sofrimento. A fragilidade humana é uma realidade permanente. Confinados em sua civilização tropical do desastre os brasileiros sempre foram capazes de rir para a morte. Eróticos, exóticos e estoicos por natureza, os brasileiros seguem morrendo sem reagir contra a bestialidade de um governo que transformou a pandemia numa arma de destruição em massa para exterminar uma parcela vulnerável da população.

Na Ásia, as civilizações da introspecção e da cautela não se deixaram abater pela pandemia. Os asiáticos ganharam a corrida contra o vírus porque pararam de se movimentar quando era necessário. Na Europa, nos EUA e no Brasil o movimento frenético de corpos infelizes e indiferentes continuará a cessar nos cemitérios. Pax vobiscum.

Fábio de Oliveira Ribeiro

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