Estilo de bolso, por Jean D. Soares

Estilo de bolso

por Jean D. Soares

Alguém poderia alegar que se trata de um tipo de edição ruim, apesar de portátil. Ah! se fosse só uma questão de edição… Não é bem assim. É uma questão de estilo mesmo.

O estilo de bolso quer reduzir a história e as coisas a postagens de telefone celular. Ele deseja reescrever o que imaginar através de memes, apagando da memória tudo o que não corresponder ao estilo de desejo que mantêm o fino tecido da bolha, ou melhor, do bolso intacto. Não importa se ele teve de ser costurado porque tentou jogar para fora da história o que é civilizado e justo – o respeito e a memória dos que sofreram injustiças invisíveis e não publicadas nos jornais de então. Há quem brade que os jornais não cabem no bolso, que a derrota de uns é ilegítima porque é a vitória dos outros que não podem colocar o bolso no lugar do bolso. Imagine o que diriam esses estilosos de bolso de um livro de história sobre as ditaduras na América implantadas por outros tantos estados reunidos. Diriam que o que não cabe numa edição de bolso maior do que um A6, num textão para Whatsapp não é bibliografia relevante.

O estilo de bolso que anda na moda diz não, diz o que é errado, diz que é contra, mas não que é do contra, porque conserva intacto os valores. Diz que bolso de verdade é do lado direito, e que do lado de lá é doença, patologia.

Bolso que é bolso mesmo carrega carteiras, chaves, telefones, mas não muito mais. O estilo de bolso, porém, está se lixando para a conservação, porque sobre o que já se foi não há nada a dizer, como num bolso furado. É redundante lembrar que nesse estilo, o bolso não tem memória. Até rãs têm memória, mas bolsos não. Bolsos só se lembram de dizer não. Não é?

O estilo de bolso gosta de definir abacaxis imaginados sugerindo que o que fará na próxima estação não será nem isso, nem aquilo, nem aquilo outro. Economia não é de banana, de maçã, de mamão, de laranja, de frutas vermelhas, nem é de chuchu. Mas é de Paulo, o profeta? Quem indica o estilista de grife para cuidar de suas economias, confia mais na retórica do que no argumento. Confia mais no nome da marca do que na ideia por defender – esse estilo de bolso anda se autopromovendo muito além da conta pra quem não desenha estilo nenhum, só alardeia possibilidades obscuras, como aliás é a situação dentro do bolso.

Esperamos sinceramente que esse estilo de bolso saia logo de moda. Ninguém gosta de usar bolsos furados por facas e armas, por ofensas e injúrias ou simplesmente por páginas mal montadas, “biletes” verdadeiros, por ideais amassadas nos bolsos de cidadãos honestos. Esperamos que outros estilos entrem na moda e que esses bolsos obscenos, expondo sua indigência como referência, retornem para dentro das calças e passem a vestir decência, pelo menos alguma. Porque com toda a falta de pudor diante da violência, e contraditoriamente, com todo excesso de (falso?) pudor em relação à tal da família, eles parecem aquele rei do Ultraje a Rigor: “pelado! pelado! Nu com a mão no bolso”. Quem sabe não é a hora de tirar do armário aquela velha roupa colorida, retomando tendências mais democráticas.

Jean D. Soares – Pai da Aurora e doutor em Filosofia pela PUC-Rio.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

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