Na semana do Dia das Mães, um texto sobre eu madrasta, por Mariana Nassif

As questões relativas à madrastidade - sim, tem nome - permearam a revisão dos tantos papéis de mulher que expresso por aqui e acolá

Na semana do Dia das Mães, um texto sobre eu madrasta

por Mariana Nassif

Estou madrasta há quase quatro anos. Dos seis que a curica, minha enteada, completa logo ali, em Junho, dois terços vem sendo compartilhados entre nós. Houve uma interrupção, causada por um importante ajuste – mas saudades e símbolos encontrados para permanecermos conectadas foram utilizados por ambas, cada qual em estrutura equivalente para a maturidade etária esperada.

Durante esse período e, ainda, para ele, escolhi uma palavra: transformação. Pude experimentar o contato íntimo, profundo e mais verdadeiro com algo tão central e constituinte como o patriarcado capitalista. Me vi competindo com uma mulher bonita. Me senti culpada por ser uma mulher bonita. Fui agredida por ser só bonita. E chorei, chorei, chorei, tantas vezes em descompasso com o tempo verbal, por ser a beleza, algo tão aleatório quanto ferramental desse aparelho cruel para as mulheres, o patriarcado, a tônica central de discussões e diálogos que poderiam girar em torno de pontos relevantes como, por exemplo, a criança envolvida.

Enorme parte dos conflitos, especialmente nos primeiros anos, surgem embasados pela presença do machismo em todas as partes, aquele machismo comum para todas as mulheres, quanto mais recorta pior fica: o estrutural. Chorei, chorei e venho rompendo acordos antigos e educando a inteligência emocional, e foi ali que a Professora Valeska Zanello e seu trabalho com dispositivos de gênero foram convocados à prática. Pausa: tem muita coisa aí…

Entre tudo o que tinha, mais uma marca recebida lá atrás, cerca de 20 anos, explodia dentro de mim. O par de próteses que coloquei logo após amamentar, aos 19, com a intenção máxima de aumentar a auto-estima, rompeu. Olha o símbolo: as amarras que tanto me influenciaram, uma a uma e encadeadas, me cutucando. Além de atestar que onde mora a estima é um lugar muito mais profundo que as superfícies – embora tenha sim me sentido feliz, contente… e sensual e bonita, quando coloquei o silicone… mas quantas vezes a concepção de bonita já apareceu neste texto? Quero dizer, os conceitos patriarcaicos do que é beleza, e que a beleza é garantia de um homem pra chamar de seu – essa vergonha absoluta em termos de fio condutor da vida de qualquer mulher – socorro, estavam ebulindo e pedindo para serem revistos e ampliados. Peito aberto, literalmente, para os processos – e em breve escreverei em um relato sobre o explante – me liguei na pesquisa de conteúdo com novas informações. O que eu sabia até ali já não fazia mais sentido, precisava aprender novas visões, encontrar meu lugar no mundo, comigo. Como o ponto aqui é a convergência dos acontecimentos e a intensidade do convite, mergulhei na mudança com a qual me comprometi a executar.

As questões relativas à madrastidade – sim, tem nome – permearam a revisão dos tantos papéis de mulher que expresso por aqui e acolá: mãe solo raiz, sem presença alguma do pai na criação da milha filha que está com quase 23 anos; companheira de um homem com criança; filha (de pais desconhecidos, de pais adotivos, de madrasta, de Santo) e, por último mas não menos importante, em existência individual. Não desejava mais precisar nos esconder para viver a vida que estávamos vivendo, nossa família – ainda que o título gere incômodos na sociedade como um todo, e particularmente no cenário real-oficial em casa, viver junto com alguém por tanto tempo configura, sim, ambiente familiar. Houve um período onde tudo virava problema: de usar pinça até minha religião, passando pela falta de educação – são quase quatro anos sem um “boa tarde”, pasmém – e escolhi, de forma imperceptível, me apagar o máximo possível pra não gerar tais conflitos. Me reconhecer madrasta, aparentemente e não só nas aparências, significava ocupar um lugar que não era meu.

Vem sendo por meio do SOMA, grupo de apoio criado e gerenciado pela Mari Camardelli, recente achado na tela do celular e com quem converso no Invisível como vejo, integrei: é isso, sou também madrasta. E a vida vem ficando mais leve, mais livre, menos incômoda. Existe este papel e ele de fato não exclui ninguém, exceto quem muito se incomoda com mazelas ultrapassadas como a destruição de lares. Por favor, né?

Dentre o conteúdo produzido e disponibilizado pela Mari está o perfil @somos.madrastas. Vem de lá enorme parte dos impactos que têm me conduzido à experiência cada vez mais consciente dessa parte de mim tão presente, que adoro viver e desejo cultivar. São tantas (mais e outras) questões relacionadas a quem é a mulher-madrasta e o universo tenebroso que ronda o senso comum que, neste momento, é documentada a alteração de um dos significados do verbete madrasta no dicionário: PEJORATIVO•FIGURADO (SENTIDO) diz-se de mulher má, incapaz de sentimentos afetuosos e amigáveis.”tem mãe que é m.”; POR EXTENSÃO aquilo de que provêm vexames e dissabores em vez de proteção e carinho.”o destino será uma m. para aqueles que lhe oferecerem resistência”. Em pleno 2022! Assine a petição aqui.

Além deste material, gratuito, um conjunto de ações exclusivas para apoiadoras é desenvolvido para sustentar cursos, atividades e tempo – nosso bem mais precioso, moeda de ouro no mercado de Exú, não é Yá Sueide Kintê? – na plataforma Apoia-se. Pelo pouco tempo de participação, é perceptível a qualidade do grupo, muitas mulheres em diálogo sobre os novos modelos de família, lidando de forma madura com sensações e crises antigas – bem bonito de se ver, incrível participar.

Reitero o convite para acompanhar a prosa ao vivo amanhã às 19h, lembro que tem reprise na TV GGN às 21h da mesma quinta-feira e que vasculhem, participem e compartilhem com quem interessar possa o SOMA – Somos Madrastas, inclusive e até especialmente se você é a mãe, afim de cultivar espaços possíveis e de qualidade para as crianças contemporâneas, onde o conhecimento seja nossa grande arma para tomar os desafios como grandes mestres durante a jornada.

Mariana A. Nassif

1 Comentário

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  1. Er, o assunto é interessante, mas a gente não consegue perceber com clareza se a pessoa é mãe adotiva, companheira de homem ou mulher com filhos de outro casamento, se detém guarda provisória de criança orfã ou parente.
    Clareza e objetividade ficaram faltando.
    Sensibilidade é bom. Quando falta, agride, quando sobra, machuca o ente sensível. Tem mãe que é tão madrasta que quando alguém diz ” Mãe é uma só” , o filho responde “Graças a deus”.
    A pessoa que se dispõe a ser mãe de filho que não é seu, nunca deve se amargurar por não ser aceita ou compreendida. Ela está exercendo sua generosa quota de amor.
    Feliz dia das mães!

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