Rui Daher
Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor
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O cinema é eterno, delações premiadas também, por Rui Daher

Por Rui Daher

GGN – 08.09.2017

Venho sozinho à Redação do BRD, Blog-Boteco Rui Daher. Meio abandonada, depois que Nestor e Pestana partiram para carreira solo, no Facebook. Estão indo razoavelmente bem os meninos. Como muitos, esperam a Folha descobri-los com uma boa proposta e aceitarem dizendo: “Nós de esquerda? Nunca! Era aquele tal de Rui Daher”.

Mas, confesso, sinto saudade da dupla. Sabe-se lá, um dia, assim como poderá acontecer com o “Dominó de Botequim” (encomendas: [email protected]), voltaremos juntos, galantes e felizes.

Penso em Antônio Palocci, funcionário do mês de setembro. Desde que Lula o chamou para o governo senti a derrocada do projeto petista. A esquerda de Ribeirão Preto me contava sobre o prefeito-médico-sanitarista e seu caráter.

Não escreverei sobre ele. Ficou rico, eu não, então é melhor do que eu. E mais não digo (apud Márcio Alemão).

Acendo a única luz que funciona. A escrivaninha onde se sentava Nestor se move uns dois metros.

– Apaga essa porra!

Reconheço a voz dele, Darcy Ribeiro:

– E aí? Sempre por cima, né? Não dá para me levar?

– Ah, pensa que aqui no céu tudo é moleza? Porra, nenhuma. Deus anda discutindo com Jesus sobre o papado de Francisco. Tá foda!

– Imagino.

– E você na fossa, achando que está ficando cego, velho, preocupado com a empresa e a pouca bola que dão aos seus escritos. Pensou em suicídio?

– Pensei. Mas perderia o seguro que deixaria para a família.

– Te conhecendo, sei de um jeito que viabilizaria o projeto, mas acho que a hora não chegou. Quando eu achar que está na hora, te digo. Preciso cair fora. Chegou aqui uma mulata sensacional. A propósito, viu a elegância da Marcela no desfile pátrio? E ela vai ficando, né?

– Porra, Darcy. Aqui este é um assunto proibido. Não me fode. Feministas lideradas por economista pop não mais me perdoaram. Tchau!

A escrivaninha de Nestor volta ao lugar. Eu ao tempo em que era cinéfilo, praticante quase.  Os cursos de Super 8, com Abrão Berman (1941-1990); os seminários do estado, com Rodolfo Nanni e Walter Carvalho. O Bijou, na Praça Roosevelt, São Paulo, o Estação Paissandu, no Rio de Janeiro.

A vista e a tela se embaralham um pouco. O som atrás de mim é dos Mutantes. Penso o Brasil de hoje em meu tempo de curso primário:

– Quem peidou, estrondosamente, pergunta o padre Anselmo. Se ninguém se acusar hoje não tem recreio.

Silêncio.

– Vocês sabem que se eu chamar Waldemar, o bedel, ele tem meios de descobrir o criminoso ou a quadrilha, se coletivo foi, tal o barulho. Quem acusar o autor ganhará dois pontos a mais no boletim.

Repetem-se as delações: “foi esse, foi aquele, o gordo, o veadinho, a loirinha metida a rica, o zarolho lá do fundo, o negão”.

– Como negão? Na classe não tem nenhum preto.

– Não faz mal, se tivesse …

E assim o tempo passou entre acusações mútuas, até que passou a hora do recreio.

Na Redação, peguei no sono.

Quando acordei, estava no cinema. Assistia “Horas Intermináveis”, de Henry Hathaway (EUA, 1951), em que um homem infeliz ameaça se suicidar ficando em pé no parapeito de um edifício alto por 14 horas.

Na sessão seguinte passou “A História sem Fim”, do alemão Wolfgang Petersen, de 1984, sobre um garoto sonhador. O filme teve duas continuações.

Volto a Antônio Palocci. Segundos e pego novamente no sono.

Quando acordo, estou em “Endless night”, (Noite sem Fim, de 1972, dirigido por Sidney Gilliat (UK), sobre roteiro da grande escritora de romances policiais Agatha Christie (criadora do detetive Hercule Poirot), com Britt Ekland, George Sanders e Hayley Mills, por quem na época me apaixonei

https://www.youtube.com/watch?v=MhUUTvgjUFQ].

O colega de GGN, Wilson Ferreira, poderá enriquecer muito este texto.

Serão intermináveis as horas que o Brasil passará nesse rami-rami de delação premiada até tornar-se um País. Penso quantas gerações, que a minha já se vai, ficarão aí estagnadas, a sacrificar pobres e se esbaldar sobre uma meritocracia que nunca existiu ou, assim, não existirá.

É quando queima a última lâmpada da Redação.

[video:https://www.youtube.com/watch?v=s-ihg8fUXCg

 

Rui Daher

Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor

15 Comentários

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  1. Máfia fhc! Esgoto a céu aberto desde 2002…antes era na moita!

    Ué! Acabou a história? Troca a lâmpada aí e volta prá contar tudo PÔ!… 

    1. Adroaldo,

      apesar da desesperança, nunca irei parar de acusar esses falsos que desvituam o caminho que queríamos para o País. Já troquei a lâmpada. Abraços

  2. desanimar nem após a …..

    A cada desanimo e perda de esperança peço ajuda ao Foscolo, o poeta e com ele me convenço que apenas é  “la spem ultima dea fugge i sepolcri”.

  3. Está um clima de terror

    Está um clima de terror mesmo. Com a famigerada delação fazendo as vezes de guilhotina. Agora os procuradores entram na fila. Espero ansiosamente pela vez dos pescoços de uma certa cambada de uma certa República lá do Sul. Mas não alimento muita espectativa não.

  4. Para o alto e avante!

    Eh, Rui, tem sempre aquelas “tardes tristes” em nossas vidas. Ou madrugadas. Ontem vivi um pouco de uma tarde dessas. Um funeral e todas as questões existenciais que nos cercam. Mas sabe que toda essa sua nostalgia me fez pensar que hoje é sabado e que é bom viver. Que tal um cinema? Aproveitar para ver o bem criticado biopic sobre a cantora francesa Barbara. Ha sempre um bom filme em algum cinema perdido nas esquinas das cidades.Bom sabado para você e todos aqui.

    1. Maria Luisa, querida

      Não fiz exatamente o que você sugeriu, mas fui à beira do fogão e fiz uma moqueca para um casal de amigos há mais de 40 anos. Fiquei feliz. Seu comemtário me deixou mais ainda. Abraços

      1. Que delicia!

        Moqueca à baiana é o meu coringa nas mangas quando preciso fazer uma boa impressão na cozinha. O meu “pão” francês a-do-ra. E tem coisa melhor que encontrar os bons e queridos amigos? Viver é isso ai.

        Abração.

  5. o….

    Caro sr.Rui,

    Antes de tudo, parabéns à Petrolina por arborizar a cidade (antes tarde do que nunca). Todas cidades deveriam ser como Maringá, Londrina ou Belém. As pessoas caminharem num país tropical, embaixo da sombra das árvores. Lembrem-se de começar a preservar o Rio São Francisco, e todos os outros. 50 metros nas margens. De forma consciente. Não obrigatória. Chacina do Pará? Colniza? Alguém se lembra? Elite que não se reconhece. Esquerda que se imaginam e nunca foram. Obrigado Florestan. Como afirmou Giannotti, esta semana, tudo resolvido em restaurantes caríssimos regados a vinhos italianos e franceses. AntiCapitalistas, é claro. Quem precisa desta porra de Capital e Meritocracia? Estes fascistas da Classe Média Paulista (que precisa trabalhar para sobreviver). Nós não !! Quando todas as farsas estiverem prestes a serem reveladas, 4 bilhões de Fundo Partidário. Quem precisa desta porra de Capital para viver?!! Mas parabéns a esta fantasia de Esquerda que inventaram no final dos anos 70. (Re)democratização serviu para isto que enchergamos em 2017. Orestes Quércia, o radialista pobre de Campinas (que não tinha nem carro.Usava a caminhonete velha do paí) Senador mais votado do país em 1976 (ué, mas tinha eleições na Ditadura?!), morreu deixando fortuna comprovada e inventariada de 1,5 bilhão de reais. Meia dúzia de rádios, 3 Emissoras de TV, o maior proprietário de terras da região de Campinas, o maior produtor individual de café no Mundo, o dono das vacas mais caras do planeta. Ladrão era o Maluf. Gritavam todos juntos do Palanque por Diretas Já. Dirceu, FHC, Montoro, Ulisses, Pallocci, Darcy, Ulisses, Brizola, Orestes, Covas, Lula…Elite que não é Elite. Esquerda que não é Esquerda. Mas Parabéns, o golpe durou meio século e deixou AntiCapitalistas, como estamos vendo diariamente. Com um desprezo enorme pelo dinheiro (dos outros). O Brasil é de muito fácil explicação. abs.  

      1. Zé Sérgio,

        hoje vc me deu um banho de realidade, principalmente ao citar Florestan e Gianotti. Leia também José de Souza Martins que, vez ou outra cito aqui. Petrolina será arborizada (como Maringá, nunca vi nada igual). No mais, talvez, para chegar aonde você quer, precisaremos participar um pouco mais. Abraços e bom domingo, meu caro.

  6. Nesta Longa Estrada da Vida…

    Pois é, Rui…

    Jamais poderia ter retornado a meia abandonada redação do BRD, sem mal acompanhado estar, em saquinho de papel pardo, por uma daquelas branquinhas ardentes que jorram fogosas lá nos fundões das Geraes, a experimentar bocas e mais bocas e consolar carentes e necessitados em esquecer problemas, “nesta longa estrada da vida em que se corre e não se pode parar, na esperança de ser campeão alcançando o primeiro lugar, mas sabemos que o tempo cerca a estrada e a corrida chega sempre ao final, nós devemos ser o que somos, ter aquilo que a vida nos dar”, adormecer nos braços da branquinha e só não esquecer de acordar.

    Ao acordar, se vier palocci à cabeça, não se levante, nem se faça esperar, no saquinho de papel pardo, ponha-se logo a vomitar e volte a nos brindar, revigorado com as branquinhas das Geraes.

    1. Te prometo, Francisco

      esta nunca irei abandonar. Pelo menos, enquanto tiver leitores, como você, que me entendem tão bem. Que você tenha muita sorte e seja nas Geraes ou onde estiver. Abração

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