O maestro daquela insurreição, por Paulo Fernandes Silveira

Pois bem, num passeio de fim de ano nos levaram para uma festa numa casa com um bom quintal, mas não podíamos correr, brincar, cantar, não podia nada, só comer o lanche que nos foi oferecido e voltar para a Febem.

O Grito – Munch

O maestro daquela insurreição

por Paulo Fernandes Silveira

No velório do meu avô (Florestan Fernandes), meu pai (Paulo Silveira) me trouxe um artigo de jornal com a indicação de que a antiga Febem do Pacaembu, que atendia crianças de 0 a 7 anos, precisava de voluntários. Ele sabia que eu desejava trabalhar com crianças.

Fui voluntário na Febem por 3 anos. Os quartos enormes separavam as crianças por idade. Tinha também o Berçário e o Cantinho (ficava nos fundos do prédio principal), com crianças deficientes. Passei pelos três setores.

Essa e outras unidades da Febem tinham estruturas de presídios. As crianças tinham escola na unidade, logo, não saíam sequer para estudar. Nós só saíamos quando tínhamos a oportunidade de fazer algum passeio. Isso sempre ocorria no final de ano, quando algum empresário (culpado de algo) oferecia ônibus e um lugar para levar uma parte das crianças, geralmente, nos levavam para um salão ou para um sítio.

Nos passeios, eu sempre tomava conta do Arthur, não sei ao certo, mas creio que ele teve paralisia cerebral, nunca vi ninguém da família dele visitá-lo.

Pois bem, num passeio de fim de ano nos levaram para uma festa numa casa com um bom quintal, mas não podíamos correr, brincar, cantar, não podia nada, só comer o lanche que nos foi oferecido e voltar para a Febem.

No final do passeio, ainda no quintal, o Arthur resolveu cuspir a comida e berrar sem parar. Quando o Arthur fazia isso no quarto de dormir, todo mundo ficava bravo, mas, naquela segunda prisão, sua atitude foi libertadora, eu berrei também e toda a criançada junto.

O Arthur ficou muito feliz de ser o maestro daquela insurreição.

Essa lembrança ocorreu-me durante uma aula que ministrei na Usp, onde meu vô e meu pai também lecionaram. No encontro, estudava com alunas e alunos o belo texto do professor Pedro Pagni: “Diferença, subjetivação e educação: um olhar outro sobre a inclusão escolar”:

https://www.scielo.br/j/pp/a/76mXMsQJwcmRN9HYXv44rJS/?format=pdf&lang=pt

Paulo Fernandes Silveira (FE-USP e IEA-USP)

Este artigo não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Redação

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