por Maíra Vasconcelos
Abateu-me um extremo cansaço, de repente. Agora, um pouco mais pura, um pouco mais limpa, tão limpa que tudo pode se ver em mim, cada vez, cada vez que faço esta manhã brilhar em meus ossos e serem firmes. Aqui. Cada vez cada brilho, nesse canto nesse quarto, por entre frestas dessa janela e retidão de uma porta tão besta tão boba, por onde se escapa, este mundo que se escapa todo derramado visto em minhas partes e rodelas e fissuras. Neste quarto maciço, maciço como o tronco de uma grande árvore. Aqui. Por onde se escapa o mundo todo derramado. Em minha pele que se limpa com cada palavra. Lambendo-me como um animal. Ah, como tenho perdido a conta da fantasia. Lambuzando-me como um animal. Assim, permito o dia descer todinho por mim mesma. O dia sendo outra coisa e não o que é em si mesmo nas aparências banais. O dia fazendo-se em mim como em um personagem, poderia ser. Outra personagem. É isso! Preciso inventar uma história: irei começar. Não, isso já é o recomeço. Se tenho tantas flores e tenho os chãos e cada passo. Quantos argumentos excelentes encontrei para uma narração. Prosseguirei assim suficientemente adornada, convenço-me a seguir pela criação que não posso dissipar, apenas angariar e reunir e somar. Sim. Passei do início de uma história, ah, como saberei se o que escrevo é uma história? Talvez, pelo extremo cansaço. Talvez, porque não vejo mais somente a noite e os entremeios da escuridão. Então, assumirei outra luminosidade. Amanhã. Em cada passo. Outra lumiaria. Podemos estalar, mas há de se suportar o horrível golpe de luz. De cada luz.
Porque tenho muito em minhas mãos. Essa certeza me vem ao olhar a rua e os muitos indivíduos: não sou vocês e não os desmereço, mas também não me agrego e as regras da individuação ditam meu viver. Em minha pele que se limpa com cada palavra. Neste quarto maciço. Assim, ou não sei como seria ou não sei como estaria. Aqui. Senão apenas para reviver e recomeçar esta mulher. Formando os passos dessa história que não sei se a escrevo, realmente. Mas avisto outra luminosidade. Sim. Eis que a sombra se espalhou, depois posso buscá-la e reiniciá-la. Depois. Quando a sombra estará já cheia de outros sacolejos, quando olhá-la será novamente uma descoberta. De cada luz. Amanhã. Porque talvez me limpe demais, escreva demais, associe demais o que sou ao animal ao sol, à sombra, transitando entre. Claro-escuro claro-escuro. E vivo assim porque suporto muita lucidez. É isso! Essa lucidez extrema que longe de qualquer elucubração e devaneio ou fé me dirige à junção com a palavra. Com cada palavra, todos os dias.
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