Um reencontro nas Portas de Marisa Monte, por Alessandra Braz

Marisa trocou de roupa e, vestida de branco, ao som do hipnotizador trompete de Antônio Neves, cantou “Preciso me encontrar”, de Cartola.

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Um reencontro nas Portas de Marisa Monte

por Alessandra Braz

Quem me conhece sabe que sempre fui fã da Marisa Monte. Ainda muito criança, com não mais que 5, 6 anos, pedia para o meu tio Marco colocar o “disco rosa” que ele tinha. Já era eu, pequenina, pedindo para ouvir o hoje clássico Verde, Anil, Cor de Rosa e Carvão. Esse mesmo tio foi o responsável por me levar, aos 11 anos, ao show do Memórias Crônicas e Declarações de Amor. Marisa estava estourada na época: Amor, I Love You (tinha suspirado, tinha beijado o papel devotamente...) tocava em todos os lugares. Fomos ao show no extinto DirectTV Music Hall em um domingo frio de agosto e, lá, pela primeira vez, vi Marisa ao vivo. A mesa era pertinho e ela surgiu para mim tal como era no meu imaginário: exuberante. De preto, com flores vermelhas na cabeça, entrou cantando “Eu te amo”, do Roberto Carlos. Essa cena ficou tatuada na minha retina, nunca mais me esquecerei. Lembro que fiquei noites dormindo mal, sonhando com ela e revivendo aquelas cenas do show. Com carinho, guardo até hoje o ingresso daquele dia.

Muitos shows dela se passaram desde então. Na companhia do meu irmão, que foi meio para me acompanhar e meio para cuidar de mim, uma vez que eu era muito nova, fui ao seu show no Ibirapuera, espetáculo esse que certamente deve ter tido mais de 100 mil pessoas a céu aberto.  Desde então vieram muitos: Infinito ao meu redor, O que você quer saber de verdade, Verdade, uma ilusão, show dela com Paulinho da Viola…fui a todos, e todos foram lindos – como esquecer Marisa cantando Alta Noite, com uma lua imensa “voando” sobre as cabeças? Ou Arrepio, uma das músicas que mais amo na vida e que, por sorte, ela canta com frequência nos shows? Mas o fato é que aquele arrebatamento da primeira vez nunca mais tinha ocorrido. Achei que me faltava o olhar fértil do encantamento infantil.

Passaram-se exatamente 22 anos daquele show de quando era criança. Vinte e dois anos.

Ontem saí de casa animada para ver a estreia de Portas, novo álbum em anos de Marisa.  Na mesa em que estava, havia eu, uma mãe e seus dois filhos, um deles com Síndrome de Down, bem jovens ainda. Trocamos palavras amistosas e celebramos o fato de estarmos “na cara dela”. Marisa entrou soberana, em um vestido brilhante e coroada à lá Iemanjá, cantando Pelo tempo que durar. Um farol. O menino, — Gabriel –, que por uns minutos pareceu se incomodar com o barulho alto, logo se rendeu: sua animação era comovente e ajudou a reafirmar a atmosfera de felicidade que estava palpável no ar, um verdadeiro hiato que só a arte é capaz de abrir em meio aos tempos torpes nos quais vivemos hoje no Brasil. Marisa seguia nos dando presentes: Maria de Verdade, Na estrada, Ainda lembro, Beija eu, Eu sei…um verdadeiro passeio pela sua carreia. Set list para fã nenhum botar defeito.

E eis que quando nada mais parecia poder melhorar, o improvável aconteceu. Marisa trocou de roupa e, vestida de branco, ao som do hipnotizador trompete de Antônio Neves, cantou “Preciso me encontrar”, de Cartola. Nos primeiros acordes de “Deixe-me ir, preciso andar, vou por aí a procurar, rir para não chorar” um choro genuíno tomou conta de mim. Desabei. Naquele momento, a multidão silenciou-se. Éramos eu e ela. Embalada pela voz de Marisa, me reencontrei: estávamos novamente ali: eu e a Alê pequena, criança, extasiada por ver e ouvir a cantora que é a trilha sonora da minha vida, arrebatada e encantada. Mais que isso: nesses 22 anos andei, e andei muito: as vezes com passos largos e certeiros, outras cambaleantes, dignos de queda. Naquele momento apoteótico, foi como se cada passo do meu caminho ganhasse lucidez. Faz sentido ser quem sou hoje. E eu precisei dela cantando ao vivo _para mim_ para perceber isso. Um privilégio.

 Foi um desses momentos sublimes que só a arte, e nada mais, é capaz de proporcionar.

Um viva à Marisa, um viva à Arte. Arte, aliás, que devia ser verbo: artear.

Alessandra Braz – Formada em Letras pela USP, com especialização em Literatura Espanhola e pós graduação em História da Arte pela PUC-SP. Professora de Literatura e Redação no Ensino Médio e em cursos pré-vestibulares.

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

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