Geraldo Vandré 89 anos. Que canção ele comporia hoje?
por Armando Coelho Neto
Cena 1 – Setembro de 1968. Chico Buarque e Caetano Veloso são vaiados no III Festival de Música da TV Globo. O público queria Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores, de Geraldo Vandré, mas quem venceu foi Sabiá (Chico Buarque). Por ordem de militares, músicas como a de Vandré não poderiam vencer o festival, disse Walter Clark (diretor-geral da Rede Globo de Televisão à época), em sua autobiografia.
Para o Centro de Informações da Marinha (Cenimar), a canção continha cunho “marxista… alto grau de politização e conscientização”, com eficaz capacidade de atuar no inconsciente das pessoas. Afinal, fora aplaudida durante 10 minutos, por mais de 20 mil pessoas e poderia contaminar espíritos até de militares, pois feria ideais maiores da caserna (vide Observatório da Imprensa, 7/4/2024).
Para os militares, “Vem vamos embora que esperar não é saber” era uma incitação contra a ordem pública, enquanto “Há soldados armados, amados ou não; Quase todos perdidos de armas na mão; Nos quartéis lhes ensinam uma antiga lição; de morrer pela pátria e viver sem razão”, ameaçaria o sentido da missão militar. Em 13/12/1968, vem o Ato Institucional nº 5, dia em que Vandré deixa o Brasil.
Cena 2 – Setembro de 2022. Uma horda fascista vestida de verde e amarelo ocupa a Av. Paulista, São Paulo, pedindo ditadura na democracia. Será que numa ditadura seria livre pedir democracia? Pior, pedindo intervenção militar, cantando Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores – música proibida na ditadura – motivo do exílio de Vandré. Normal para quem em transe rezou para pneus, extraterrestres, bacias…
Cena 3 – Setembro de 2024. A horda fascista volta à rua, inspirada na Cena 1. Afinal, os militares do passado que sequestraram, torturaram, mataram, exilaram, humilharam, censuraram, roubaram… também se autoanistiaram. Sim, eles se perdoaram de seus crimes, em troca do “perdão” aos que responderam à violência do Estado, vítimas de forma de Pau de Arara, Apolo 11, Cadeira de Dragão…
Contra a Comissão da Verdade, os militares querem apagar a história avocando para si o direito ao esquecimento. Mas, voltaram à cena ao ferirem princípios comezinhos da caserna e apoiaram dentro da Academia de Agulhas Negras, um legítimo representante do nazifascismo, e inçá-lo à condição de presidente da República, que entra para história como genocida, corrupto, ladrão, entreguista …
Igualmente impunes na ditadura e na democracia, os militares – que historicamente só saem da caserna contra o povo, se envolveram em nova tentativa de golpe. Os seus soldados armados, amados ou não, permanecem perdidos, mas apoiados por uma horda nazifascista (consciente ou não) que se diz nacionalista (mas apela à mentira e à lei dos EUA para destruir nossa esquálida e anêmica democracia).
O país tutelado pelos militares, está literalmente em chamas, enquanto filhotes da ditadura clamam por anistia. É o mesmo país que armou criminosos e desarmou o Ibama, que implantou um orçamento secreto que permitiu que numa cidade de 39 mil habitantes se fraudasse 540 mil extrações dentárias. O país vive o fantasma da queimada, da jogatina, do aumento de suicídio de jovens, mas só falam em anistia.
Os ídolos dos militares clamam por sansões internacionais contra o Brasil, sabotam o país com juros, aplaudem o genocídio em Gaza e já se organizam, com apoio da mídia hereditária para içar um certo “Pablo Lamaçal” para estepe do inelegível, cuja prisão soa improvável, pois afinal militares de alta patente e financiadores do golpe estão impunes. Alô PGR, STF! O inelegível é muito mais que mero avatar do golpe!
Sim, os militares tentaram criar um mito, que virou mico. Mas o verdadeiro mito é Geraldo Vandré, que hoje completa 89 anos. À época de seu banimento, um general sabujo escreveu que logo Vandré e sua canção seriam esquecidos. Errou feio. Mas tão feio, que a metástase da ditadura canta Vandré, e pouco importa o que ele possa pensar disso. É que a história também “perdeu seu cavalo e continuou andando”…
Viva Vandré! Mas, “boiadeiro, jangadeiro” permanecem “iguais no mesmo esperar, que um dia se mude a vida, em tudo e em todo lugar”. Os filhos dos filhos, dos filhos dos que lutaram permanecem à espreita da “volta do cipó de aroeira no lombo de quem mandou dar”. O Agro é ogro, Faria Lima “é preguiçosa e não planta nada”, e o povo com seu “Porta Estandarte, espera pelo “Frevo de João pra Maria”.
Parabéns, Vandré. Que canção você comporia hoje? Fica na pergunta, a implícita certeza, de que “o poder que cresce sobre a pobreza e faz dos fracos riqueza, foi que te fez cantador”. Sem anistia, às favas os traidores!
Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo
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Que maravilha de texto AMIGO!
Parabéns para VC e VANDRÉ, o ilustre aniversariante do dia.
Muito bom o artigo sobre vandre!!! As suas canções estão ainda hoje na ordem do dia porque a ditadura acabou mas o.progresso.nos deve ainda a reforma agrária e sem ela os donos do país.continuam ser os mesmos!!
Parabéns ao Vandré, o profeta de nossa era. Parabéns ao Armando inspirado pelo profeta. Que não se transforme em religião.