A modernidade aguarda o nazismo na série “Babylon Berlin”, por Wilson Ferreira

Por Wilson Ferreira

Com elegância e decadência a modernidade aguarda o nazismo na série “Babylon Berlin”

A série mais cara de televisão alemã, a produção Netflix “Babylon Berlin” (2017-) cria para o espectador uma estranha sensação de atualidade. É ambientada na Berlin do final de década de 1920, coração da modernidade urbana do cinema e dos clubes de jazz. Mas também da hiperinflação, pobreza, racismo, drogas, filmes pornográficos e a ascensão de grupos proto-nazistas. Subprodutos do envenenamento psíquico da República de Weimar na qual comunista e bolcheviques são o pretexto para destruir uma jovem democracia. Um jovem inspetor de polícia dá uma batida e descobre um estúdio de cinema onde eram produzidas versões de contos bíblicos, com muito sexo e pedofilia. Mas o fio da meada que o policial puxará o levará a um obscuro submundo no qual se esconde todo o mal psíquico que fará um país cair nos braços do totalitarismo.

Assistir à série Netflix Babylon Berlin (ainda sem data prevista para estreia na Netflix brasileira) nos traz uma estranha sensação. Muitos comparam a série atual com a clássica de Rainer Fassbinder, Berlin Alexanderplatz, de 1980. Mas se a série de Fassbinder impressionava pela reconstituição histórica da Berlin da década de 1920 (através da visceralidade do diretor), Babylon Berlin impressiona pela atemporalidade – ou melhor, na estranha sensação de atualidade.

Assim como a obra-prima de Fassbinder, a série Netflix, baseada em uma série de romances de Volker Kutscher e que estreou na Alemanha e Inglaterra no final do ano passado, é ambientada na modernidade urbana de Berlin do final da década de 1920 – uma cidade enorme, cheia de contradições: respira a modernidade cultural, artística e tecnológica, mas também está imersa na hiperinflação, pobreza, idealismo, niilismo, ganância corporativa, racismo, filmes pornográficos, tóxico dependência, política progressista e obscurantismo político – a ascensão do nazismo.

Babylon Berlin suscita duas questões: como de uma sociedade tão cosmopolita, sofisticada cultural e tecnologicamente surgiu tanta decadência espiritual e econômica ao lado do nazi-fascismo, misticismo e religião? 

E por que o turbilhão político e a ascensão de movimentos antidemocráticos e de direita da cena alemã do final dos anos 1920 soam ainda como algo muito familiar na atualidade? Haveria uma ressonância da série com a atual crise brasileira? Uma analogia a atual ameaça da frágil democracia brasileira, às voltas com milícias de direita e manifestações de rua clamando por intervenção militar?

 

A doença psíquica da República de Weimar

Babylon Berlin exige do espectador conhecer minimamente o contexto político daquele momento na Alemanha: a chamada “República de Weimar” – designação histórica dada ao período alemão após a derrota na I Guerra Mundial e que durou até o início do regime nazista. Como sistema democrático representativo e semi-presidencial, se aliava às ideias libertárias e revolucionárias da modernidade da virada do século: o cinema, o jazz, a liberdade sexual, o feminismo etc.

Mas, por outro lado, a República de Weimar carregava o ônus da derrota e da humilhação das condições impostas pelo Tratado de Versalhes – imposto pelos vitoriosos que impediam a recuperação econômica da Alemanha.

Ou seja, a jovem democracia alemã já surgiu psiquicamente envenenada pela humilhação, ressentimento e nostalgia – muitos começaram a associar a democracia com fraqueza e humilhação, dando força à nostalgia dos tempos do imperador e da monarquia. Caldo cultural que permitiria mais tarde a ascensão de Adolf Hitler como o visionário do regresso aos supostos “bons tempos” da época imperial e antidemocrática.

 Por isso, Babylon Berlin é um mergulho nessa atmosfera psíquica envenenada através de um mix que lembra a estética noir dos detetives atormentados e às voltas com álcool e drogas (parecem sempre habitar uma estranha região entre a vigília e a inconsciência) e o expressionismo cinematográfico de Gabinete do Dr. Caligari de Robert Wiener e Dr. Mabuse de Fritz Lang – filmes policiais e de mistério que envolviam a metáfora de uma Alemanha transformada em fantoche de hipnotizadores e marionetistas. 

Aliás, filmes banidos pelo ministro da propaganda nazi Joseph Goebbles. Ele temia que essas produções poderiam diminuir a confiança da nação nos seus políticos…

 

A Série

Uma locomotiva avança veloz noite adentro, até ser detida por uma árvores em chamas que cai no meio da via férrea.  A locomotiva para e é tomada de assalto por homens que saem por trás de arbustos. Tiram os uniformes dos funcionários, para em seguida vesti-los, para depois mata-los . Engatam na composição um vagão tanque. Para, em seguida, seguir velozmente em direção à Berlin.

Dessa forma começa a série Babylon Berlin, cuja narrativa girará em torno do misterioso conteúdo dessa vagão-tanque que clandestinamente segue para Berlin, no meio de outros vagões carregados de gás de alto poder letal.

Todos parecem rumar a capital alemã, a frenética cidade no coração da República de Weimar. Um lugar de personagens extremos – hiperinflação, pobreza e desempregados nas ruas, ex-combatentes de guerra com lesões pós-traumáticas e viciados em morfina. 

A extrema direita ganha impulso, juntamente com as organizações proletárias de esquerda. A tensão aumenta com a proximidade das comemorações do Dia do Trabalho, primeiro de maio.

 

Enquanto isso, nas casas noturnas endinheirados e novos ricos pouco se importam com o que acontece. Estão embalados pelo auge da Era do Jazz, no meio de sexo, perversões, álcool, drogas e muito niilismo, como se festejassem a beira do abismo. Tudo parece ser o tic-tac de uma bomba relógio prestes a explodir.

Salta para o primeiro plano da narrativa o jovem inspetor da Polícia de Costumes Gereon Rath (Volker Bruch). Ele veio da cidade de Colônia na pista de um misterioso caso (como sempre no filme noir, o mistério envolverá a si mesmo e a própria família) que desemboca numa batida a um estúdio que fazia filmes pornográficos envolvendo sexo adulto e pedofilia. 

Filmes que fazem releituras de contos bíblicos com muito sexo e perversão. Lentamente a investigação puxará o fio da meada que nos levará a um obscuro submundo: um investigador com rígida educação católica, viciado em morfina (ele próprio, sofrendo de traumas psíquicos da guerra e perpetuamente perturbado) que será conduzido a segredos que terão a ver com grupos proto-nazistas e empresários corruptos – no qual se destaca um brutamontes tatuado, sempre vestido como um padre. Literalmente, ele leva para suas vítimas a “extrema unção”…

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Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

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  •  
     Cacildes! Não queria

     

     Cacildes! Não queria assinar Netflix, mas agora me sinto tentado.

     Berlin Alexanderplatz, do grande Fassbinder, foi, na minha opinião, a mais incrível obra televisiva de todos os tempos.

  •  
     Cacildes! Não queria

     

     Cacildes! Não queria assinar Netflix, mas agora me sinto tentado.

     Berlin Alexanderplatz, do grande Fassbinder, foi, na minha opinião, a mais incrível obra televisiva de todos os tempos.

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