Eu me entendi e me fiz negra ao longo da vida, diz Fabiana Cozza

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Foto: Divulgação

Jornal GGN – Em espetáculo que estreou em 2016, Fabiana Cozza interpreta Bola de Nieve, um artista cubano que é homem, negro e gay. Em terras tupiniquins, onde mais 47% da população se declaram pardos e 8%, negros, Fabiana se viu diante de uma decisão difícil: abrir mão de interpretar a dama do samba Dona Ivone Lara. Motivo? Não é preta o suficiente.  
 
A decisão de Fabiana veio a público há quase um mês. Em entrevista à jornalista Eliane Brum, divulgada no El País nesta segunda (2), a cantora rompe o silêncio sobre a desistência e explica o processo de construção de sua identidade negra.
 
Fabiana, que foi convidada para protagonizar o espetáculo com a benção da própria Dona Ivone Lara, conta que sofreu pressão por parte de um grupo de negros que enxerga em sua cor de pele, um pouco mais clara, um problema de representatividade. A questão central gira em torno do “colorismo”: quanto mais escuro o tom de pele de um negro, mais oportunidades lhe são retiradas. Por isso há esse debate que, em algumas situações, vira uma “ambiguidade” e faz com que os próprios negros se dividam entre si, como comentou Fabiana. 
 
“Quando a gente fala ou pensa na coisa do racismo no Brasil vem esse conceito relativamente novo que é o colorismo. Como todo conceito ele precisa ser estudado, entendido e transposto. Transposto para a nossa realidade, pra gente poder ver como é que a gente vai lidar com essas diferenças. Porque esse conceito não deve nos dividir”, comentou.
 
Admitindo a dor de abrir mão de um projeto desse porte, Fabiana tomou a decisão “política” de desistir do papel e dar lugar ao debate sobre representatividade. “(…) eu pensei: ‘Não, eu vou embora, eu não vou fazer o musical. Vou ceder esse um lugar para uma mulher mais escura do que eu nesse momento em que sequer essa questão é discutida no Brasil’. A representatividade negra não é amplamente discutida.” 
 
Pessoalmente, Fabiana expressou que a identidade negra, em sua visão, é uma construção. Pelo menos com ela foi algo incorporado ao longo da vida. Ela rememorou tempos de infância e adolescência, quando ela sentia-se deslocada entre crianças brancas e negras e considerava-se parda, pois a sociedade sabia que branca ela não poderia ser.
 
“Eu me entendi e me fiz negra ao longo da vida. Eu sou negra. Ponto. É isso o que eu sinto, é assim que eu quero ser vista. A música que me constitui vem dos tambores, e eu atendo a esse chamado para dialogar com o mundo.”
 
Segundo Fabiana, a “negritude” está “nos meus espelhos, na minha herança familiar, no meu fazer diário, na minha religiosidade, na comunhão com tantos amigos não negros de pele. No meu canto que vai pro mundo e não tem limites e não se curva ou se intimida a despeito dos desafios e restrições que eventualmente surgem no caminho. Minha negritude fala alto”, acrescentou.
 
A cantora revelou os bastidores do convite para interpretar Dona Ivone Lara e se disse honrada em “representar uma mulher dessas tendo no currículo toda uma passagem com ela, me fazia sentir que esse convite estava muito no lugar pra mim.” O “currículo” é uma referência aos momentos em que ambas compartilharam o palco.
 
Quem considerou que Fabiana não era negra o suficiente para ser Dona Ivone Lara, ironicamente, não sabia ou não quis debater o fato de quem a cantora foi escolhida pela dama do samba para tal papel. “Acho que a decisão e a vontade de Dona Ivone não foram ouvidas”, avaliou.
 
Leia a entrevista completa aqui.

 

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

9 Comentários

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  1. A questão do coloriso é

    A questão do coloriso é importente é deve ser discutido.

    No entanto, esse é um caso especial e deveria ser levado em conta.

    Até há pouc tempo costumávamos respeitar a memória dos falecidos. Hoje em dia, pelo jeito, não.

  2. DITADURA DO FANATISMO IDEOLÓGICO ESQUERDOPATA

    Na verdade foi vitima de perseguição da Patrulha da Gestapo Ideológica. Foi vitima do Racismo Institucionalizado e Estatal. Vitima da Indústria do Racismo.  Para estes o Racismo não pode acabar nunca, nem admitir o País mais missigenado da Terra. E ainda mais perder a ‘boquinha’ de ser mais uma Elite Estatal nababesca ou Verbas Estratosféricas, pertencendo a alguma ONG? Continuemso combatendo a Igualdade e a Meritocracia !! Senão teremos que acordar cedo e trabalhar !! Tá Louco !!!

  3. 1984

    Quando li 1984 achei interessante a classificação genética que as pessoas recebiam, as profissões que exerceriam , as cores de roupas que vestiriam e a alimentação que receberiam.

    Eram Alfa mais, Alfa, Alfa menos, Beta mais, Beta, Beta menos, Gama, Delta, se bem me lembro.

    Hoje, quando saimos na rua ou ficamos em casa, não nos damos conta de que vivemos essa classificação na carne.

    https://photos1.blogger.com/x/blogger/7640/4186/1600/498980/george.jpg

     

    1. Essa classificação era a da

      Essa classificação era a da sociedade de outro livro, “Admirável mundo novo”, de Aldous Huxley. Os personagens de “1984” se dividiam entre os proles (a ralé, o proletariado) e a elite do Partido do Grande Irmão.

      De qualquer maneira, esse caso é uma das mais lamentáveis demonstrações da intolerância desses grupos militantes radicais que abraçam causas legítimas e as acabam desqualificando com as suas atitudes. 

      1. Minha memória , então?
         

        está uma vergonha.

        Você está certo, é Admirável Mundo Novo, de Huxley que faz essa classificação, fato aliás, que me obriga a reler o livro,  para cometer erros mais consistentes.

        Valeu!

         

  4. Isso é uma polêmica
    Isso é uma polêmica artificialmrnte produzida. Ela não guarda a menor semelhança física com dona ivone, e isso é um problema real para a produção de um espetáculo dessa natureza. Há de haver alguma semelhança física com a representada. Numa producao de cinema é possível trabalhar com maquiagem iluminação e até computação gráfica para compensar as diferenças, mas ao vivo nada disso é possível.
    Quanto a dizer que a cor da sua pele ser um pouco mais clara é um eufemismo de sua parte. Seria mais honesto afirmar “Eu posso nao parecer mas sou negra”. Nao é com certeza a unica nessa situacao.

    Na verdade seu tom de pele é bem mais claro que a média de uma pessoa negra. Ela poderia mesmo passar por uma mulher caucasiana de certas regiões do leste europeu.

  5. ninguém leva em consideração a voz?

    Só para constar: Fabiana fez as vezes de Elis Regina junto com o Zimbo Trio num show da TV Cultura. Isso não é para qualquer uma.

    Dona Ivone deve ter levado em consideração a capacidade de cantar quando fez sua escolha. E ninguém fala nisso.

    Arte não é publicidade de TV ou elenco de novela da globo. Não tem volume para estatística e busca outros valores.

    Será que a qualidade do espetáculo não é algo a ser considerado?

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