Madonna: duas horas de uma história bem contada
por Afonso Lima
“Forget about the bad times, oh, yeah”.
Tem sido uma jornada angustiante ver todo o caos que a ambição disseminou – quanta gente aguardando resgate, quanta gente precisando de colchão, os desaparecidos.
No meio disso veio a Madonna. Os anos 1990 foram anos de famílias sofrendo pela austeridade de governos neoliberais. Universidade, só pagando, tudo era gasto pro FMI. Pouco restava aos adolescentes além dos seus The Immaculate Collection e Legião.
O show foi cheio de energia. Não é caridade, a Madonna bebendo cerveja é algo que eu podia ter vivido sem. Mas é entretenimento de alta qualidade – muito ensaio, produção cuidadosa; que outro show você viu desde 2000 que sabe tornar um palco numa festa melhor que esse? Estamos falando de uma artista com 65 anos, num calor infernal.
Em um momento tocante, ela anuncia que vamos viajar por sua vida. A primeira parte é seus sucessos iniciais, tom punk pop, são músicas que não são as que me empolgam, mas que são clássicos. Couro e roupas coloridas, brechó. Imaginando o calor nesse Rio de 27 graus.
O show decolou. Surge uma coreografia vermelha, parece grupo Corpo. Artes plásticas. Pausa para descanso. Lembro que ela esteve na UTI – cantou I Will Survive logo depois.
A parte realmente morna é o lance todo dos anos 1990, com a música que ninguém canta em casa, “ponha suas mãos por todo meu corpo”. Legal, só. Não sou capaz de entender a maioria das coisas a seguir, acho que é ignorância. Um apocalipse com homens do exército, quero pensar que Madonna é uma mulher árabe falando contra a guerra. Bonito.
Mas logo há um módulo poético com o público. Express Yourself no violão é incrível. Grave, sua voz natural cheia de defeitos maravilhosos. Lembrou a divina Elza Soares. Sim, não é apenas dinheiro, é um ato de generosidade. Quando ela fala sobre seu amor pelo Rio, e de como é amada, é pura comunhão. Foi esse carisma que a fez renascer em 40 anos de carreira.
Gostei muito como a coreografia criou movimentos mais seguros, evitando exageros – pausas bem pensadas com vídeos muito bem editados. Muito bom o uso da IA. Os bailarinxs de tirar o fôlego.
Podemos pensar cada música como uma cena de teatro, e duas horas de uma história bem contada.
Quem disse que a política é feita por pessoas tristes?
Se o desfile com Anitta parecia um acordo de marcas, com Pablo Vittar foi pura festa.
Além de fazer o exorcismo da bandeira nacional do lado da rebelião. A colocação do pop com o samba foi profissional.
Lembrar Michael Jackson foi uma reverência emocionante, assim como os amigos perdidos pela AIDS. Até Paulo Freire fez participação. Vendo outros shows dessa turnê, não se pode comparar.
O significado de tanta alegria nesse Brasil massacrado por 4 anos de selvageria. Essa mulher une Jesus com simulações de masturbação.
Ela sempre me divertiu. Passei a entender mais o que significava Madonna quando ela foi contra a guerra do Iraque. Desde essa época foi aprimorando sua crítica, defendendo a comunidade LGBTQIA+ na era Trump, falando contra as armas. É por isso que vemos vídeos de ódio na internet contra ela.
Olhando para trás, vejo que a homofobia na escola, a inveja escolar, a dor do neoliberalismo seriam maiores sem “Like a Prayer”. Ela não fez o caminho fácil de ficar conservadora com o tempo. Ainda pode falar que fez sexo oral pelo seu primeiro show para 1 milhão e 600 mil amigos.
No mundo-catástrofe, podemos ficar impotentes e esperar a salvação militar nessa guerra.
O capitalismo necessita de pessoas sozinhas. A extrema-direita reúne no fanatismo da mentira.
Quem pode reunir as pessoas para a felicidade? Arte é arte, política é política.
O Lago Guaíba em Porto Alegre ainda subiu 5,30m. As pessoas continuam sofrendo por causa do colapso capitalista-ambiental. Os políticos neoliberais continuam desmatando e evitando “gastos” com prevenção”. Mas a vida ficou mais leve. Evitando o rancor ativista, o puritanismo progressista e a hipocrisia, reverencio essa artista criativa, que move com sua energia uma comunidade de paz. Madonna é f*
Afonso Lima
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Não gosto e nunca gostei das músicas dela. Gosto menos ainda do estilo escandaloso da Madonnna, algo que se tornou ridículo agora que ela é uma mulher idosa que tenta manter a aparência de adolescente rebelde. Mas devo reconhecer aqui que o show dela no Rio de Janeiro funcionou como uma estaca enfiada no coração do fascismo comandado pelo vampiro Bolsonaro. Não cheguei a essa conclusão vendo o show de Madonna, algo que eu não faria, mas observando calmamente a reação histérica dos líderes bolsonaristas e da legião de idiotas que eles comandam.