Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
[email protected]

Mídia contamina fronteira entre sanidade e loucura em “O Sinal”, por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

Desde “A Noite dos Mortos Vivos” (1968), filmes sobre pragas zumbis e contaminações virais se consolidaram como um subgênero do terror com uma característica recorrente: o foco narrativo sempre está nos sobreviventes ou cientistas que tentam salvar o mundo através da racionalidade ou da coragem. “O Sinal” (The Signal, 2007) subverte esse cânone do terror: o que aconteceria se um filme se concentrasse no ponto de vista dos zumbis? Como eles veem a si mesmos? Para eles quais seriam as fronteiras entre normalidade e loucura? O resultado é um filme sem heróis: apenas pessoas normais que não possuem a menor consciência de que foram contaminados por um misterioso sinal transmitido pela TV e dispositivos de áudio como CD players e de comunicação como telefones e rádios. “O Sinal” apaga a fronteira entre a normalidade e a loucura. Mas não espere zumbis canibais se arrastando pelas ruas – apenas pessoas aparentemente normais e até com intenções altruístas. Mas de repente podem matar impiedosamente aqueles que supostamente estejam no caminho da sua felicidade.

Desde o seminal A Noite dos Mortos Vivos (1968), de George Romero, lá se foram mais de 40 anos de filmes sobre pragas zumbis e epidemias por toxinas ou vírus que enlouquecem e tornam as pessoas violentas, irracionais e canibais.

Sempre acompanhamos militares fazendo cercos a cidades, quarentenas forçadas para tentar manter o restante do mundo são, heróis cientistas ou cidadãos tomados ao mesmo tempo pela coragem e terror para enfrentar as criaturas.

Décadas desse subgênero produziram muitas variações sobre o tema. Mas sempre as narrativas foram focadas nos sobreviventes, militares e cientistas – ou seja, naqueles que ainda tem a racionalidade para enfrentar o irracional e o Mal.

Mas o ponto de vista dos zumbis ou dos contaminados foi esquecido: e se surgisse um filme cuja narrativa fosse centralizada no ponto de vista deles? Sem cientistas ou heróis: apenas pessoas normais que não possuem a menor consciência de que enlouqueceram por meio de um misterioso sinal transmitido pela TV e dispositivos de áudio como CD players e de comunicação como telefones e rádios.

Esse é o argumento do filme O Sinal (The Signal, 2007), com a narrativa mais instigante dentro desse subgênero: entre o horror visceral e o humor negro (que algumas vezes faz lembrar o filme inglês Todo Mundo Quase Morto – Shawn of Dead), o filme borra a fronteira entre a racionalidade e a irracionalidade, entre aqueles que foram afetados e aqueles que aparentemente permanecem sãos. 

 

Por isso, a paranoia só aumenta na medida em que o filme avança – há mortos, agressões e violência por todos os lados. Mas para cada um, seus atos são normais, racionais, obedecendo os parâmetros esperados dos papéis sociais: o marido ciumento que tenta matar qualquer um que supostamente esteja ameaçando sua mulher, a esposa que tenta organizar uma festa de Ano Novo, mesmo com seu marido morto e ensanguentado sentado à mesa e assim por diante.

Para o próprio espectador cresce a dúvida se, afinal, há algum protagonista que não tenha sido contaminado pelo Sinal. Onde está o herói?

Mas percebemos que o filme vai além dessa premissa e é muito mais ambicioso: pretende discutir a própria natureza da sociabilidade e como os meios de comunicação moldam a percepção da realidade. E se os papéis sociais exigem de nós muitas vezes desempenhos brutais e irracionais? E se as mídias forem capazes de criar um véu de ilusão tão espesso que acabamos percebendo essas exigências como lógicas e racionais?

O Filme

O Sinal começa como um filme-dentro-de-um-filme (narrativa em abismo): assistimos ao que parece ser um desbotado filme de terror dos anos 1970. No momento crucial da ação o filme é interrompido pelo “sinal”, uma espécie de pulsação, com borrão de luzes e feedback. Vemos que o filme estava sendo assistindo por um casal em um quarto escuro – Mya (Anessa Ramsey), sentindo-se culpada por trair o seu marido; e Ben (Justin Welborn), pedindo que Mya largue seu marido e juntos fujam daquela cidade chamada Terminus.

 

É véspera de Ano Novo quando um forte sinal é transmitido por todas as mídias que nos cercam (celulares, TV, telefone, CD Players, rádio etc.). E o efeito é enlouquecer as pessoas que vêm ou ouvem – tornam-se paranoicas, iradas e com alta sugestionabilidade. Eles começam a assassinar sistematicamente alguém que percebam que supostamente estejam impedindo a própria busca da felicidade. Amigos começam a matar amigos, vizinhos começam a matar vizinhos, cônjuges matam o parceiro e pais matam crianças.

O filme é composto por três segmentos, ou “transmissões”: “Loucos de Amor”, “O Monstro do Ciúmes” e “Fuga de Terminus”. Cada segmento foi dirigido por um diretor diferente, na verdade um experimento no qual a narrativa é passada de um cineasta para outro. O resultado é uma interessante variedade de tons narrativos: terror “gore” visceral e sangrento, comédia, humor negro e thriller de horror.

O primeiro segmento (dirigido por David Brickner) gira em torno de Mya que volta para casa depois do encontro com o amante; o segundo (Jacob Gentry), e mais forte segmento, é do ponto de vista de Lewis (AJ Bowen), marido de Mya, perigosamente enlouquecido pelo sinal; e o terceiro segmento (Dan Bush) acompanha o amante Ben, tentando alcançar Mya antes de Lewis e, depois, fugirem da cidade.

O Sinal não é propriamente um filme de zumbis: ninguém solta espuma pela boca, possui um olhar vazio ou se arrasta pelas ruas deixando para trás pedaços do próprio corpo. Todos parecem ser racionais e movidos até por intenções altruístas. 

O desempenho mais fascinante é de Lewis, um exterminador de pragas. Alto, barbudo e de fala mansa e empunhando sua lata de spray de veneno para ratos (transformado em perigosa arma de matar), é a própria personificação da violência criteriosamente racional – Lewis busca Mya não para matá-la, mas para “protegê-la”. Ciumento e possessivo, qualquer pessoa que supostamente se coloque entre ele e sua esposa, será assassinado impiedosamente. 

 

O sinal altera a percepção, aumentando como uma lente a necessidade de cumprir determinados papéis sociais e também a busca da própria felicidade. Tudo parece ser racional para aquele que foi contaminado: se alguém se põe no caminho da felicidade, eu o destruo!

O certo e o errado; o lógico e o racional

Todos fazem o que parece certo, sem perceberem que o sinal está deformando a percepção. Por isso, o primeiro tema que salta aos olhos no filme é como as mídias que nos rodeiam alteram imperceptivelmente nossa percepção – não para aquilo que é “certo” e “errado”, mas para aquilo que é supostamente “lógico” e “racional”.

>>>>>Continue lendo no Cinegnose>>>>>>>

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

1 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador