“Miga, eu te avisei que ele só queria te comer…”, por Letícia Sallorenzo

“Miga, eu te avisei que ele só queria te comer…”

por Letícia Sallorenzo

O livro Metaphors we live by, de 1980, é um marco na linguística cognitiva (abaixo, a capa da edição de 2003).

Nele, os linguistas cognitivos George Lakoff e Mark Johnson mostram que nosso sistema conceitual (traduzindo: a parte do cérebro com a qual nós entendemos e interpretamos o mundo) é essencialmente metafórico.

Isso não é pouca coisa. Se a metáfora é uma forma de entender uma coisa nos termos de outra coisa, então, quando a gente diz que “tempo é dinheiro”, estamos entendendo o tempo como uma commodity negociável, que ganha ou perde valor, etc. e tal – e nos permite entender a frase “vá por ali que você ganha um doce” de forma totalmente diferente de “vá por ali que você ganha tempo”.

E é justamente aí que o livro de são Jorge e são Marquinho faz uma diferença enorme: Lakoff e Johnson explicam que nós VIVEMOS essa metáfora. O tempo de há muito se tornou uma commodity, que a gente gasta ou economiza – como se isso nos desse direito a acréscimos ao fim da vida.

Mas eu tava explicando a metáfora. Ela está tão presente nos “neuronho” que a gente nem percebe mais direito. Quando a gente diz “ai, que mão gelada, parece mão de defunto!” estamos acionando uma série de metáforas conceituais, que nos permitem entender a mera expressão “mão de defunto”:
– a morte é fria
– frio é morte
– calor é vida
etcetc.

Essas metáforas se encaixam perfeitamente no nosso raciocínio sem que a gente precise “combinar” nada graças ao processo de categorização.

Para entendermos tudo à nossa volta, a gente sai categorizando a tudo e a todos, 24 horas por dia, 7 dias por semana. Se você está lendo esse texto no ônibus, já categorizou quem é passageiro, motorista, quem usa óculos, quem tem cabelo comprido e solto, quem tem cabelo comprido e preso, quem está sentado, quem está em pé etcetcetc. As características inerentes a cada grupo certamente farão a sua categorização ser igual à categorização feita pelo passageiro ao seu lado.

E tem horas que a gente vive tão intensamente uma metáfora que começa a confundir as bolas. Se tomarmos a metáfora conceitual fresquinha “Os EUA são um homem forte e poderoso que irá nos amar e proteger, como convém a um homem forte e poderoso”, isso fica escancarado.

Por mais que você discorde ideologicamente dessa metáfora, você é perfeitamente capaz de compreendê-la, pois há características em comum às categorias “estados Unidos” e “homem forte e poderoso”:

– força
– poder
– superioridade
– masculinidade agressiva

Assim como ocorre com as categorias “Brasil” e “periguete” (repito, não é preciso concordar com uma categoria para identificar as características inerentes a ela):

– Mulher
– Acha que “hômi” é a solução para a vida dela
– Confunde amor com compromisso e sexo sem compromisso
– Percebe-se como um objeto a ser consumido pelo homem
– Entende que só será alguém na vida se seduzir homens

O nanosujeito que por ora ocupa a gigante cadeira da Presidência da República viveu tão intensamente a metáfora “O Brasil é periguete dos EUA” que se pôs a esperar por uma hora pelo nanosujeito que por ora ocupa a igualmente gigante cadeira presidencial norte-americana e, quando o encontrou, trocou cumprimentos por meros 17 segundos, e tudo o que conseguiu lh’o dizer foi um inacreditável mas retumbantemente metafórico “I love you”.

Tudo isso pra concluir que hoje, a metáfora “todo homem é cafajeste” está compondo com a metáfora “EUA são o homem forte e poderoso que irá proteger a periguete Brasil”, o que nos rendeu a melhor metáfora conceitual capaz de explicar a diplomacia Brasileira bolsonárica:

“Miga, eu te avisei que ele só queria te comer…”

Letícia Sallorenzo

Letícia Sallorenzo é Mestra (2018) e doutoranda (2024) em Linguística pela Universidade de Brasília. Estuda e analisa processos cognitivos e discursivos de manipulação, o que inclui processos de disseminação de fake news.

Letícia Sallorenzo

Letícia Sallorenzo é Mestra (2018) e doutoranda (2024) em Linguística pela Universidade de Brasília. Estuda e analisa processos cognitivos e discursivos de manipulação, o que inclui processos de disseminação de fake news.

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  • E o pior é que nem podemos dizer que o tramp comeu o bozo sem pagar, pois na verdade foi o bozo que pagou com Alcantara, Pré Sal e o escambau em troca do Brasil entrar para OCDE e o Tramp vetou. Comeu, recebeu e nada deu. Quer exemplo maior de mulher de malandro?

  • "miga eu te avisei....."
    Pior, bolsodória....
    Foi sem amor e sem carinho.
    Nem o doce (chupa que é de uva) ele te deu!
    Ainda pior, nem o seu nome ele lembra.
    Mas tem certeza que você é o embaixador da Arrentina....

  • Texto antológico onde não cabe a mais nem um ponto. E um pitaco, cabe ? Não, mas como sou um homem forte, quiáquiáquiá, poderoso, tão poderoso que não consigo continuar rindo por falta de ar, e cafajeste, enfim uma verdade, lá vai : A miga, pelo menos, deve ter gozado.

    • Logo se vê que você é homem e hétero...
      çéquiço com esse tipo de homem não faz nem cosquinha, fio. é um tédio só...??

    • Pode ser também:
      "Ela mandou avisar que ainda ama de paixão e que vai casar, de véu e grinalda"
      E o astrólogo vai ser o padrinho...

  • Excelente, inteligente e exemplar texto da nossa realidade geopolítica.
    Que vergonha e humilhação, a nação brasileira e o Brasil têm que enfrenta, como provação, para expurgar o mal e energias negativas que teimam em nós castigar.
    Parabéns, Sra. Sallorenzo, por seu inteligente texto, sobre nossa diplomacia. Ninguém merece.

  • Emblemático o título da matéria, tal a quantidade de mentira, enganação e manipulação canalha que vivemos em nossa política.
    Mas o que mais gostei é que existe uma (impagável) ironia na inversão dos papéis: o cafajeste machista na vida real experimenta o papel metafórico da ingênua periguete enganada.

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