Wilson Ferreira
Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.
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O Capitalismo se desmancha no ar no filme “Fome de Poder”, por Wilson Ferreira

por Wilson Ferreira

“Tudo que era sólido se desmancha no ar”, dizia Karl Marx sobre o poder do Capitalismo revolucionar incessantemente seu modo de produção. “Fome de Poder” (The Founder, 2016) descreve como um vendedor ambulante de mixer para milk shakes chamado Ray Kroc encontrou no gênio dos irmãos McDonald muito mais do que uma revolucionária linha de montagem de hambúrgueres. Viu nos arcos de uma loja dos irmãos algo além de um mero detalhe arquitetônico: vislumbrou a máquina semiótica de produção de marcas e símbolos como uma nova força produtiva do Capitalismo que não oferece mais produtos tangíveis. Consome-se uma fé, uma ideia ao invés de um hambúrguer que se desmanchou no ar – pouco importam as suspeitas sobre a procedência das batatinhas fritas ou da carne do Big Mac. Ray Kroc fez o mundo consumir muito menos um sanduíche do que a marca e um sistema de conveniência.

Certa vez o cineasta François Truffaut falou sobre os problemas dos filmes de guerra: “é difícil fazer um filme verdadeiramente anti-guerra porque a guerra é inerentemente cinematográfica. E quando você quer mostrá-la, os espectadores são arrastados para dentro da ação de qualquer maneira”.

Podemos encontrar essa mesma ambivalência nos filmes do subgênero “drama de negócios” como Wall Street (1987), O Lobo de Wall Street (2013) ou O Primeiro Milhão (Boiler Room, 2000): seus protagonistas são certamente pessoas das quais você se desviaria se estivesse numa sala com elas, porém no cinema é mais divertido se identificar com esses canalhas do que com as pessoas vítimas das suas ações.

No filme Fome de Poder (The Founder, 2016) somos hipnotizados pelo personagem Ray Kroc interpretado por Michael Keaton – um cara que certamente faria parte da Câmara do Comércio do vilão Gordon Gekko de Wall Street. 

Keaton faz uma inspirada interpretação do “Cidadão Kane” dos hambúrgueres, um homem que construiu uma empresa (a rede MacDonald’s) explorando a confiança e o otimismo dos criadores do próprio negócio: Richard e Maurice “Mac” McDonald  – nas mãos de Kroc viram seu negócio se transformar em uma franquia com um simples aperto de mão, em um contrato que jamais foi cumprido. E roubando dos irmãos os royalties futuros do império. 

A ambiguidade de Fome de Poder está exatamente nisso: de um lado acompanhamos o caminho dos irmãos McDonald para a ruína quando tomam a decisão de deixar para Kroc a expansão do negócio para outros estados. E como foram enganados. E do outro, o personagem Ray Kroc como a própria personificação dos valores positivos empresariais norte-americanos e do próprio capitalismo.

 

Então, Kroc se torna um evangelista, um apóstolo do otimismo empreendedor com linhas de diálogo repletas de frases inspiradoras que decorou de livros de auto-ajuda. Criador de uma nova igreja da América: capaz de alimentar tanto os corpos quanto os espíritos. Líder de uma seita que parece trazer tantos benefícios para a sociedade, que esquecemos das vítimas.

O crime por trás da fortuna

Fome de Poder pode tanto lembrar a velha frase de Honore De Balzac (“Atrás de toda grande fortuna há um crime”) como também ser exibido em alguma convenção de franqueados da rede McDonald’s.

Mas também Fome de Poder é um documento do espírito do seu tempo. Uma representação audiovisual da famosa frase do “Manifesto Comunista” de Karl Marx e F. Engels: “tudo o que era sólido se desmancha no ar”, sobre a capacidade do Capitalismo revolucionar incessantemente os instrumentos de produção – como é capaz de rasgar todo o véu de sentimentalismo que envolvia as relações de família para reduzi-las a relações monetárias.

Como Ray Kroc foi um visionário de um novo meio de produção que faria o Capitalismo mais uma vez se revolucionar – o poder da marca e dos signos como uma nova força produtiva. A tal ponto em que a mercadoria alcança o paroxismo do próprio fetichismo, previsto por Marx em “O Capital”: não consumimos mais hambúrgueres, mas uma ideia, signos, imagens ou a própria conveniência de ter um produto que fica pronto em minutos.

 

O Filme

O Kroc de Keaton é um vendedor que está sempre na estrada, de cidade em cidade, oferecendo mixers de milk shake para os serviços lentos e erráticos de drive-ins. Enquanto sua esposa entediada Ethel (Laura Dern) fica em casa. Kroc tenta memorizar frases de auto-ajuda, enquanto as portas batem na sua cara.

Mas quando chega na Califórnia, tudo muda. Lá conhece uma dupla de irmãos brilhantes e inspirados, Dick (Nick Offerman) e Mac MacDonald (John Carroll Lynch): eles criaram um sistema de fast-food extremamente eficiente – não há mais pratos, talheres e esperas tediosas. Um sistema taylorista de linha de produção, não mais para fazer carros, mas agora hambúrgueres, na qual as pessoas esperam em poucos minutos o pedido chegar em verdadeiros terminais de comida. E comem o produto na própria embalagem.

Ray Kroc vê o negócio da sua vida: ele passou anos tentando criar demanda para o seu negócio. E acaba encontrando um negócio que não precisa mais criar demanda – os irmão já têm mais do que eles podem lidar. 

Através dos irmãos McDonald, Kroc ouve a história da criação do sistema, numa sequência que mistura imagens documentais com reconstituições de época. Eletrificado pelo gênio criativo da dupla, Kroc insiste na necessidade da criação de uma operação de franquia para todo a nação.

Assustados, os irmãos têm medo de perder controle da qualidade artesanal dos ingredientes dos hambúrgueres. Principalmente quando ouvem de Kroc ideias de implementar milk shake em pó e itens congelados.

 

Sozinho no quarto de um hotel, Kroc ouve um disco de vinil motivacional que entoa palavras de Calvin Coolidge: “nada no mundo pode tomar o lugar da persistência. Não basta só talento. Não há nada mais comum do que homens com talento malsucedidos”.  Pois os irmãos McDonald tiveram talento. Agora, precisam da persistência de Ray Kroc.

A metafísica do McDonald’s

Mas a persistência de Kroc se transforma em outra coisa, cuja inocência de Mac e Dick (eles ainda estavam no velho capitalismo concorrencial, centrado na materialidade do produto, no valor de uso) não os deixava vislumbrar: o poder da marca, o conhecimento de branding, que Kroc enxerga no projeto arquitetônico dos arcos criado pelos próprios irmãos para uma loja McDonald’s na Califórnia. 

 

Wilson Ferreira

Wilson Roberto Vieira Ferreira - Mestre em Comunição Contemporânea (Análises em Imagem e Som) pela Universidade Anhembi Morumbi.Doutorando em Meios e Processos Audiovisuais na ECA/USP. Jornalista e professor na Universidade Anhembi Morumbi nas áreas de Estudos da Semiótica e Comunicação Visual. Pesquisador e escritor, autor de verbetes no "Dicionário de Comunicação" pela editora Paulus, e dos livros "O Caos Semiótico" e "Cinegnose" pela Editora Livrus.

1 Comentário

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  1. Como você disse, caro Wilson,

    Como você disse, caro Wilson, esse filme é velho, cópia da cópia da cópia… Informa velhas “novidades”. Parece pornografia: sempre a mesma coisa. Admirar a potência destruidora daquilo que nos destrói é burrice. Chamar a atenção para o nefasto é igualmente nefasto. Bandidos bem falantes, bem vestidos e perfumados não são menos bandidos. Não tenho vontade de receber a informação – receptor recebe, pois não? – que coisas assim oferecem, não é necessário entrar nos esgotos para saber o que tem lá dentro.

    Se o diabo fosse feio ninguém gostava dele.

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