Marquinho Carvalho
Marquinho Carvalho, graduado em História pela UFG, professor do IFG, milita na área cultural e ambiental. Secretário Cultura da de Jataí-Goiás entre 2009 e 2016. Criador da Rádio Web Boca Livre, é produtor e apresentador do programa Almanaque do Vinil, exibido na TV GGN. Pesquisador de música brasileira, é “curador” de um acervo de vinis voltado para a música produzida no Brasil. Na área ambiental, foi o idealizador da criação, no ano 2000, da Reserva Ecológica Porto das Antas, no sudoeste goiano.
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O Crepúsculo de Galvão Bueno, por Marquinho Carvalho

Há tempos ele deixou de narrar os jogos do Brasil com a seriedade necessária para assumir postura de torcedor com microfone em punho

Foto: Mauricio Fidalgo/Globo/Divulgação

O Crepúsculo de Galvão Bueno, por Marquinho Carvalho

por Marquinho Carvalho

Na Copa da Rússia de 2018, Galvão Bueno disse que aquela, provavelmente, seria sua última Copa como o principal narrador da TV Globo. Mas isso não aconteceu. Galvão reviu sua decisão de parar e chegou à Copa do Mundo do Qatar como o titular da emissora para narrar os jogos do Brasil. Com a desclassificação da nossa seleção o veterano jornalista foi escalado para a transmissão do jogo Argentina x Croácia e para a grande final do Mundial.

Há mais de cinco décadas trabalhando na Rede Globo, há tempos Galvão deixou de ser uma unanimidade. Sua trajetória profissional e o tom ufanista de suas narrações despertam sentimentos tão diversos que o slogan criado durante o regime militar (1964-1985) “Brasil, ame-o ou deixe-o” serviria muito bem para definir essa torrente de emoções que a simples menção ao seu nome suscita.

Penso que há tempos ele deixou de narrar os jogos do Brasil com a graça e seriedade que a tarefa exige para assumir a postura de um torcedor da seleção brasileira com o microfone em punho, o que não seria um problema se Galvão mantivesse a sobriedade e prezasse pela informação do seu público.

Outro fato curioso é que quase sempre ele parece narrar uma partida que o expectador não consegue ver se desenvolvendo dentro do campo.

Eu, que nem de longe sou afeito a utilizar expressões da moda, acredito que este seja o caso típico de se “criar uma narrativa” em termos de narração.

Essa postura nada ingênua e absolutamente antiética que distorce a realidade (e a qualidade) do futebol apresentado pelo Brasil nos mundiais representa a linha editorial da Rede Globo e de seus patrocinadores – assim como os da seleção – e é personificada pelo seu “ventríloquo oficial”, já causou muitos danos ao futebol brasileiro e contribuiu para as derrotas da seleção brasileira nas últimas cinco Copas.

Faço parte da parcela dos torcedores que há tempos não aguenta acompanhar as narrações do Galvão, porém, tive que assistir Brasil x Camarões porque estava sem internet em casa. Foi um show de horrores.

Igualmente tenebroso foi suportar os comentários do Júnior, outro que também vê os jogos em um mundo paralelo, assim como os boleiros veteranos contratados pela Globo para compor a equipe de comentaristas “passadores de pano” da emissora em favor da seleção brasileira e que deturpam totalmente a cobertura de um jogo de futebol.

Algumas pérolas pinçadas nas narrações de Galvão Bueno que me fizeram seguir assistindo aos jogos na sua voz e focado nos comentários de seu parceiro Leovegildo, o Júnior, merecem ser divididas com vocês.

 Em tempos de “Brasil Paralelo”, apesar da experiência trágica comecei a achar divertido acompanhar um jogo narrado e comentado em um universo paralelo. É assim que vejo a cobertura do jogo pelo olhar dos dois.

Nesta Copa, Galvão me causou a chamada “vergonha alheia”.

Os erros do narrador foram bizarros. Ele já não consegue identificar corretamente vários jogadores e algumas vezes troca os nomes. Durante o jogo contra a Croácia acertou o nome de um atacante croata. Eis, então, que Junior entra em ação e o corrige, mas de forma errônea.

Mas ele se superou em alguns momentos.

No início do jogo Argentina x Croácia, Galvão narrou um ataque perigoso pela direita e cravou: “a Croácia já vem pra cima”, ou algo semelhante. Fiquei confuso porque a Croácia jogava de azul e não se via o tradicional quadriculado do seu uniforme. Como o segundo uniforme da Argentina também é azul escuro, por alguns milésimos de segundo tentei processar a informação. Corri os olhos no uniforme argentino e me deparei com o óbvio: a equipe atuava com seu uniforme tradicional com as faixas verticais branca e azul. Na sequência Galvão se corrigiu, certamente alertado pelo ponto eletrônico.

Por diversos fatores – sejam eles visuais ou a qualidade da transmissão – é compreensível que um narrador tenha dificuldades de identificar os jogadores em campo, mas Galvão passou também a errar a identificação de ex-jogadores que acompanham as partidas na tribuna de honra dos estádios. Em uma delas a câmera mostrou o goleiro alemão vice campeão do mundo em 2002, eleito o melhor daquele mundial, Oliver Kahn, e eis que o narrador saúda a presença de Schmeichel, sem mencionar seu primeiro nome, Peter, goleiro dinamarquês que fez história no futebol inglês nos anos 90.

“Democracia é coisa frágil. Defendê-la requer um jornalismo corajoso e contundente. Junte-se a nós: www.catarse.me/jornalggn”      

Já na partida entre Brasil x Croácia a transmissão mostrou outra celebridade do futebol nas tribunas. Tratava-se de Youri Djorkaeff, campeão do mundo pela França em 1998. Galvão falou o nome de outro jogador e depois, constrangido, se corrigiu pedindo desculpas e lamentando o erro por ser amigo pessoal de Djorkaeff.

Constrangimentos à parte, o que sempre incomoda nas narrações de Galvão Bueno é o que ficou conhecido como “pachecada”, adjetivo criado a partir da Copa da Espanha em 1982 por causa de um personagem que protagonizava os comerciais de uma lâmina de barbear.

Pacheco era um torcedor fervoroso da seleção brasileira que atordoava a esposa devido ao seu fanatismo. Ficou muito popular à época e o seu nome tornou-se sinônimo de torcedor fanático do Brasil.

Decerto que as narrações dos jogos de forma distinta do jogo que se vê em campo não decorre do fenômeno “pachequismo”, mas sim de um vendedor compulsivo no caso de Galvão. Afinal, inserções comerciais na Copa do Mundo custam cifras milionárias, sendo o próprio narrador o garoto propaganda de um BET, mais uma entre as centenas de casas de apostas virtuais nefastas ligadas ao esporte.

E não pára por aí.                                        

Sou de um tempo em que os narradores dos jogos prezavam pela ética e por uma narração isenta sem perder a emoção. Lembro-me do depoimento de um comentarista da Globo que fazia o seu trabalho nos jogos da seleção. Não me recordo se foi o Juarez Soares, Márcio Guedes ou o Sérgio Noronha. Um deles foi perguntado como era comentar os jogos e a dificuldade em separar o lado torcedor do profissional. A resposta foi categórica, afirmando que a ética profissional não permitia que durante o seu trabalho manifestasse a torcida para qualquer uma das equipes.

Esse depoimento hoje parece obra de ficção se observamos a mudança radical de comportamento dos narradores e comentaristas de futebol durante os jogos da seleção brasileira e de futebol em geral: tornaram-se verdadeiros animadores de torcida.

O caso mais emblemático é sem dúvida nenhuma Galvão Bueno. Trabalhando na TV Globo há mais de cinco décadas ele se tornou *“a voz do dono e dono da voz” da maior empresa de comunicação do Brasil na cobertura do esporte.

Com tanto poder a seu dispor, fomentou uma rivalidade inexistente entre Brasil e Argentina, criando estereótipos de forma irresponsável e que ferem o caráter de todo um povo e nação, ao cunhar adjetivos como “violentos, *catimbeiros e desonestos” em campo. Mesmo narrando jogos da Argentina contra outros adversários esta é sua marca.

Ainda no jogo Argentina x Croácia, aproximadamente aos cinco minutos do 2º tempo o talentosíssimo Modric recebeu uma bola próximo à grande área e o narrador gritava alucinado: “chuta, chuta, chuta”. Parecia um torcedor croata desterrado do seus país por causa da guerra e agora morando no Brasil torcendo com a maior garra.

Outro aspecto importante e que ressalta a falta de sobriedade de Galvão e da equipe do jornalismo esportivo da Globo é a cobertura ‘chapa branca’ durante todo o ciclo preparatório da seleção para a Copa só tecendo elogios e quase nunca apontando os erros da equipe, mas que, ao ser eliminada da competição, vê a ira de Galvão, que só então vem a público e passa a descrever o rosário de erros que a imprensa esportiva já apontava antes e durante a Copa. Aconteceu novamente no Qatar.

Quem assistiu o jogo Brasil x Camarões pela Rede Globo e entende um pouco de futebol deve ter ficado rubro de vergonha alheia ou de raiva ouvindo as brozélias do Galvão, Junior e companhia para justificar a bizarra derrota da seleção brasileira frente a equipe africana.

 Júnior, outro que nem de longe lembra a figura bacana dos tempos de jogador, teve a pachorra de dizer que o Brasil perdeu na hora certa. Mas nada superou o encantamento dos dois com a partida vergonhosa de Daniel Alves. Navegando em seus universos paralelos do futebol chegaram a defender a titularidade do veterano de 39 anos – jogador aposentado em atividade – no partida seguinte, contra a Croácia.

Após a trágica derrota nos pênaltis para os croatas, Galvão Bueno repetiu mais uma vez a sua ópera bufa fazendo críticas duríssimas ao Tite e à seleção brasileira por sua desclassificação. Arquiteto de casa pronta, ele, do alto do seu meio século como narrador de uma das maiores empresas de comunicação do planeta, sente-se no direito de avacalhar com a seleção que ele jamais critica, portanto, foi cúmplice de mais uma derrota.

Não creio que seja a prática do anti-jornalismo, mas sim de mau caratismo.

A sua aposentadoria previamente anunciada após narrar a final da Copa do Mundo do Qatar neste domingo, na partida que intitulei em um dos nossos programas do Gol de Letra aqui na TV GGN de “a final do século”, vai colocar frente a frente Leonel Messi, o maior jogador do mundo das últimas duas décadas e um dos maiores de todos os tempos e Kylian Mbappé, talvez o maior jogador de futebol da atualidade.

Seria um sonho para qualquer narrador, menos para Galvão Bueno, que não merecia esse presente.

*Chico Buarque – Almanaque (1981) – A Voz do Dono e o Dono da Voz

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5 Comentários

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  1. Na premiação de hoje o Emir do Qatar colocou um Bisth no Messi.

    O traje é entregue somente para pessoas muito especiais em ocasiões paa lá de especiais.

    O insuportavel do galvão falou, “roupa desnecessária”

  2. O poder do assombro, não seja uma pessoa da turma da inveja, existe dois tipos de pessoas que vieram ao mundo, uma pra ouvir às palmas,e a outra pra bater palmas.em que grupo essa pessoa está?
    Inveja e batedor de palmas.
    The BEST.

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