Onde andam os amigos do João?, por Carlos Motta

Onde andam os amigos do João?, por Carlos Motta

João Gilberto é provavelmente o cantor brasileiro mais conhecido no mundo. Sua voz e seu violão se tornaram uma marca registrada da bossa nova, esse subgênero do samba criado na Zona Sul do Rio de Janeiro que hoje é ouvido, cantado e tocado no planeta todo. Se o Brasil fosse uma nação de verdade, a bossa nova e todos os seus artistas seriam peças das mais importantes do “soft power” nacional na difícil guerra da geopolítica. Mas isso é uma outra história, melhor deixar para lá.

Cá, o que importa, e o que dói, é ver um artista da dimensão de João Gilberto virar notícia por causa da miséria em que se encontra, morando em imóvel cedido pelo conterrâneo Caetano Veloso, e com a saúde frágil sob o resguardo de um plano de saúde patrocinado pelo fã Chico Buarque.

Fora isso, o que se sabe sobre o genial baiano são fofocas, boatos, um tremendo diz-que-diz – e nada, absolutamente nada a respeito de alguma iniciativa para preservar ao menos a dignidade do outono de sua esplendorosa vida. 

Todos os que gostam de música, principalmente da riquíssima música brasileira, sabem que João Gilberto é coisa rara, pedra preciosa muito difícil de ser achada, e por isso de valor extraordinário.

Inúmeros colegas de profissão não só rasgam elogios, como confessam ter sido influenciado de alguma forma por ele, seja na forma de cantar, de tocar violão, de encarar a vida e a arte, de procurar a perfeição.

“O João é isso”, “o João é aquilo”, “o João bla-blá-blá”, “o João…”

O fato é que hoje o João, o gênio recluso, o maníaco perfeccionista, está na pior, e quase ninguém aparece para ajuda-lo.

Nessas horas a gente se lembra se outro grande artista brasileiro, “são” Ismael Silva, e de seu “Antonico”, que, dizem, foi feito para lembrar o essencial Cartola, que andava esquecido naquela época:

 

https://www.youtube.com/watch?v=eUUFGYsdias

Ô Antonico
Vou lhe pedir um favor
Que só depende da sua boa vontade

É necessário uma viração pro Nestor
Que está vivendo em grande dificuldade

Ele está mesmo dançando na corda bamba

Ele é aquele que na escola de samba
Toca cuíca, toca surdo e tamborim
Faça por ele como se fosse por mim

Até muamba já fizeram pro rapaz
Porque no samba ninguém faz o que ele faz
Mas hei de vê-lo muito bem, se Deus quiser
E agradeço pelo que você fizer (meu senhor)

João, pobre João, que não tem um Ismael Silva para lembrar a todos como a batida de um violão e uma voz quase sussurrada mudaram a música popular brasileira…

 

 

Redação

3 Comentários

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  1. Belchior também morreu no

    Belchior também morreu no ostracismo com ajuda de algumas pessoas que o admiravam. Parece ser o caso de muitos artistas brasileiros, que não sabem administrar suas carreiras e que na velhice são esquecidos por quase todos. 

  2. Pode parecer absurda, mas há
    Pode parecer absurda, mas há um grupo de pessoas em Diamantina, MG, tentando levar o artista para lá.

    Justificativa, João teria um vínculo com a cidade, por ter morado por lá, antes da sua ida para o Rio.

  3. Tudo

    Disse tudo o Carlos Motta.

    Não faz muito tempo, matéria nesse GGN que falava sobre as agruras recentes do João Gilberto contou com uma série de críticas ao artista com um viés de classe. Lembravam tais comentaristas críticos que esse artista cobrava caro pelos ingressos de seus shows que por isso eram elitistas; que não assumia clara posição política; que morava em bairro nobre e por aí.

    Mas os críticos se esqueceram do inestimável patrimônio imaterial que o João Gilbeto edificou com seu talento inventivo. Essa é a verdadeira contribuição que ele dá ao Brasil e seu povo. Lembremos que o João Gilberto e os grandes do gênero conseguiram emplacar a bossa nova nas ondas sonoras mundias em plena concorrência com os Beattles e demais músicos da poderosa contracultura dos anos 60.

    Fossemos um país de verdade, o legado criado pelo João Gilberto e continuado por outros músicos da bossa nova seriam peças das mais importantes do nosso “soft power”, como disse o Carlos Motta.

    Isso, caros, não tem preço no mundo contemporâneo por ser tão precioso.   

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