Os 95 anos de Walter Lourenção, por Walnice Nogueira Galvão

Personalidade da cena erudita, o maestro consagrou-se a viver música, divulgar música, ajudar e formar músicos, formar-se a si mesmo.

 Os 95 anos de Walter Lourenção

por Walnice Nogueira Galvão

A Rádio Cultura vem de liquidar o programa “Teatro de Ópera”, em que nosso querido maestro pontificou por tantos anos. E o substituiu por outro, de alcance bem mais limitado. No dia 17 de novembro passado, a rádio prestou-lhe homenagem com programa composto por depoimentos de outros profissionais, entremeados de trechos de música, enquanto o próprio maestro expunha passagens de sua biografia.

Personalidade incontornável da cena erudita em São Paulo, o maestro consagrou-se a viver música, divulgar música, ajudar músicos, formar músicos, formar-se a si mesmo. E isso desde tenra idade, quando seu avô napolitano o levava para ouvir a banda na praça de Jundiaí, explicando-lhe a voz dos instrumentos, ao andamento dos dobrados e polcas.

Depois de múltiplos estudos, especialmente de piano, e da formação em regência sob a batuta do maestro italiano Edoardo de Guarnieri, estrearia graças a Eleazar de Carvalho, a quem substituiu num concerto. Daí em diante sua carreira deslanchou. Mas antes formou-se em Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP (mais um nome ilustre que devemos àquela escola).

Regeu por muitos anos o coral do Instituto Cultural Brasil-Itália, sediado no Colégio Dante Alighieri, e o transferiu para o Masp a convite de Pietro Maria Bardi. Ali dirigiu o Departamento de Música e fundou a Orquestra de Câmara do Masp.

Fez de tudo, inclusive criando o programa Pró-Ópera na gestão Mário Chamie na Secretaria Municipal de Cultura. Passaria a oferecer  -modestamente – um recital de árias acompanhado pela pianista Selma Asprino, por toda parte onde desse: escolas, clubes, auditórios… Sempre elogiando os colaboradores, dizendo que graças aos cantores e à pianista  o programa foi um sucesso.

Encontraria seu nicho na Fundação Padre Anchieta, à qual serviria por 44 anos, atuando na televisão e no rádio, em tudo o que concerne à música erudita.

Tinha um fraco por ópera, que amava com desvelo. Pois foi justamente nesse campo, em que seu saber encontrava poucos rivais no país, que mais se destacou nos últimos anos. O programa da Rádio Cultura intitulado “Teatro de Ópera”, selecionado e apresentado por ele, encantou ouvintes de todo quadrante e de toda extração.

“Teatro de Ópera” entrava em sintonia na FM da Rádio Cultura todos os domingos, às 15 horas, em convênio para retransmitir os concertos ds Metropolitan Opera House, de Nova York, uma das casas especializadas mais importantes do mundo. Para ouvi-lo, muito fã se esquivava após o almoço dominical e voltava correndo para casa. Os comentários que se seguiam analisavam com amor e carinho cada peça, dissecando-a em seus componentes, fazendo jus à sua categoria de obra-de-arte, com o maior respeito. Não dispensava o histórico da composição de partitura e libreto, ligando-os ao autor e à época. Podíamos contar com sua aula.

O Met, devido às gordas subvenções de que depende, não é uma casa que espelhe o gosto tradicional e convencional. Ao contrário, arrisca em produções novíssimas, experimentais, vanguardistas. Isto, é claro, temperado pelas óperas mais conhecidas, para contentar o gosto da parte conservadora do público. Essa receita, que busca equilibrar o tesouro histórico com a inovação, é a fórmula seguida por casas do mundo inteiro, inclusive as nossas.

Por aqui, o São Pedro e o Municipal fazem encenações ambiciosas, este último confiado em seu imenso palco que abriga verdadeiras multidões. Tivemos oportunidade de assistir alguns espetáculos da linha de frente mundial, como por exemplo a montagem por Robert Wilson do Macbeth de Verdi, toda baseada no trabalho da luz.  A ópera é antiga mas a montagem é moderníssima. Ou então uma revelação, que foi a Lady Macbeth de Mtsensk,de Shostakovitch, por muitos anos maldita e banida. E  no mesmo local encenou-se a ópera Café, de Mário de Andrade, com suas massas corais

Somos gratos ao maestro Walter Lourenção por tantos anos de elevação artística e deleite, que devemos a sua incansável dedicação. Apegamo-nos afetuosamente à sua dicção fiel à norma culta  paulista, com ss e rr bem escandidos, em timbre de barítono. E à pronúncia impecável de tantos nomes e títulos de obras em diferentes línguas, em que costumava caprichar.

Walnice Nogueira Galvão é Professora Emérita da FFLCH-USP

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